Economista da UBS GWM alerta que eventual aplicação da lei de reciprocidade contra os Estados Unidos pode gerar efeitos desproporcionais, encarecer insumos industriais, afastar investimentos estrangeiros e aumentar a vulnerabilidade da economia brasileira.
A possibilidade de o Brasil acionar a lei de reciprocidade contra tarifas impostas pelos Estados Unidos gera forte apreensão no setor privado e financeiro.
A avaliação é de Solange Srour, diretora de macroeconomia da UBS GWM, em entrevista ao programa CNN Money, da CNN Brasil.
Segundo ela, uma escalada de medidas entre os dois países poderia trazer impactos desproporcionais para a economia brasileira.
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Risco de retaliação comercial
De acordo com Srour, qualquer retaliação comercial tende a ser mais prejudicial ao Brasil do que aos Estados Unidos.
“Se entrarmos num jogo de retaliações de um lado e de outro, a economia americana sofreria muito menos. Já o Brasil depende de insumos relevantes importados dos Estados Unidos, o que poderia elevar significativamente os custos da indústria nacional”, afirmou.
Além do efeito direto sobre a produção, a economista alertou para consequências indiretas, como a redução do fluxo de investimentos estrangeiros.
“A preocupação não é apenas dos empresários, mas também do setor financeiro. Uma escalada desse tipo pode afastar investidores e até dificultar negociações do Brasil com outras regiões, em um momento em que os Estados Unidos ainda discutem acordos comerciais com União Europeia, Japão e outros aliados”, destacou.
Retaliações não tarifárias
Questionada sobre alternativas fora do campo tarifário, Srour avaliou que algumas medidas poderiam ser ainda mais severas.
“Proibir investimentos de empresas americanas no Brasil, por exemplo, seria muito mais nocivo do que uma tarifa. Isso reduziria o fluxo de capitais, desvalorizaria o câmbio e aumentaria o custo de financiamento das companhias brasileiras”, explicou.
Ela acrescentou que restrições desse tipo também afetariam empresas nacionais que mantêm operações nos Estados Unidos.
“Estaríamos diante de um impacto estrutural, com reflexos duradouros sobre a confiança e os preços dos ativos de risco no país”, completou.
Ibovespa em recorde histórico
Durante a entrevista, Solange Srour também comentou sobre o desempenho da bolsa de valores.
O Ibovespa atingiu novo recorde histórico recentemente, impulsionado por fatores externos.
“O cenário internacional está favorável. O Federal Reserve deve cortar juros em resposta à desaceleração da economia americana e à inflação mais controlada. Esse movimento enfraquece o dólar e direciona fluxos para mercados emergentes, entre eles o Brasil”, disse.
No entanto, ela ressaltou que os ganhos poderiam ser maiores se não houvesse incertezas fiscais internas e riscos de atritos comerciais.
“O Brasil não consegue aproveitar 100% desse contexto positivo porque carrega suas próprias fragilidades, principalmente na questão fiscal e nas dúvidas sobre a condução da política econômica a partir de 2027”, avaliou.
Eleições de 2026 e volatilidade no mercado
Srour também foi questionada sobre o impacto das eleições presidenciais de 2026 nos preços dos ativos.
Ela reconheceu que o tema já influencia o mercado, mas frisou que ainda é cedo para mensurar seu peso.
“No fundo, a incerteza é muito grande. Só teremos mais clareza quando os principais candidatos estiverem definidos, o que pode ocorrer no fim deste ano ou apenas em 2026, após o prazo de descompatibilização”, explicou.
Segundo a economista, até lá, o mercado seguirá reagindo de forma volátil a pesquisas eleitorais e notícias políticas.
“Cada nova pesquisa pode mudar a percepção de curto prazo. Esse cenário vai continuar”, afirmou.
Expectativas de investidores estrangeiros
Em relação à visão de investidores internacionais, a diretora da UBS GWM relatou que há dúvidas tanto sobre a continuidade do atual governo quanto sobre a agenda de uma possível oposição.
“A questão central é: haverá medidas concretas para recuperar a âncora fiscal? Em 2027, o arcabouço atual não se sustenta. O país corre o risco de paralisar por falta de espaço para despesas discricionárias”, observou.
Ela acrescentou que, caso a oposição vença, o mercado quer entender se haverá apoio no Congresso e disposição para implementar reformas estruturais.
“Existe a expectativa de que, seja qual for o próximo governo, reformas sejam feitas. A dúvida é se isso ocorrerá de forma preventiva, num cenário mais tranquilo, ou apenas depois de uma crise fiscal e cambial”, pontuou.
Juros altos e fôlego temporário
Outro ponto abordado foi o atual nível da taxa Selic, em torno de 15%.
Conforme Srour, esse patamar funciona como uma espécie de calmante para os investidores, mas não é sustentável. “Esses juros compram tempo, mas custam caro.
Se o Brasil continuar pagando 15% por muito tempo, com crescimento econômico em torno de 2% e taxa real de 7,5%, a situação se torna inviável”, afirmou.
Ela alertou que, sem reformas, o país corre o risco de entrar em forte desaceleração acompanhada de inflação elevada. “Se não houver urgência agora, haverá no futuro.
A questão é se o próximo governo vai agir preventivamente ou esperar a crise, que sempre impõe ajustes mais duros”, concluiu.
A análise de Solange Srour reforça o dilema brasileiro diante de tarifas e pressões externas: como equilibrar defesa comercial, responsabilidade fiscal e atração de investimentos?