Enquanto Popeyes e Chick-fil-A dominam as redes sociais e as vendas, o KFC tenta recuperar seu posto de ícone americano com uma mudança ousada: aposentar o frango com osso e conquistar a geração Z com inovação, nostalgia e preços mais baixos
O império do frango frito nunca gerou tanto lucro nos Estados Unidos — exceto para quem inventou a febre dos baldes. O KFC, pioneiro do segmento e símbolo da cultura americana, vive um momento de reinvenção. Enquanto Popeyes, Chick-fil-A e até o McDonald’s surfam na onda das carnes brancas e sanduíches virais, a rede fundada por Coronel Sanders tenta se reconectar com o público jovem e recuperar relevância no mercado que ajudou a criar.
Hoje, o KFC é visto até mesmo por seus executivos como “invisível” e “irrelevante” — palavras duras para uma marca que já foi sinônimo de frango frito no mundo inteiro. Segundo dados da Technomic, a empresa perdeu o terceiro lugar entre as redes de frango nos EUA para o Raising Cane’s, que conquistou milhões de fãs no TikTok com seu mascote labrador amarelo e marketing digital afiado.
A nova guerra do frango frito
De acordo com Catherine Tan-Gillespie, presidente do KFC nos EUA, o erro está nos ossos. O público mais jovem não quer lidar com coxas e sobrecoxas — quer carne branca sem osso, prática, rápida e instagramável. “Costumávamos ser um ícone americano. Em algum momento, paramos de agir como tal”, afirmou a executiva em entrevista à Bloomberg.
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Os números confirmam o desafio: desde 2020, a venda de frango com osso caiu 4%, enquanto a de sem osso subiu 11%, conforme levantamento da Circana. Isso explica por que marcas como Chick-fil-A e Popeyes cresceram em ritmo acelerado, enquanto o KFC foi a única grande rede do setor com queda nas vendas em 2024.
Apesar disso, a Yum! Brands Inc., dona do KFC, ainda colhe frutos do sucesso do Taco Bell, que responde por 82% dos lucros da empresa nos EUA. As ações da Yum! subiram 6% em 2025, impulsionadas pela popularidade dos tacos e burritos, que agora também incorporam o frango crocante no cardápio.
Aprendendo com o Taco Bell
Inspirado nesse sucesso, o KFC decidiu apostar na inovação e nostalgia. A marca trouxe de volta o carismático Coronel Sanders — interpretado agora pelo chef e ator Matty Matheson — e relançou clássicos dos anos 1990, como o molho Honey BBQ e as batatas rústicas. O retorno viralizou quando a empresa enviou batatas inteiras com carimbo da data de lançamento a influenciadores. Uma simples postagem no X (antigo Twitter) com a frase “HERE, DAMN.” alcançou quase 80 milhões de visualizações.
Ao mesmo tempo, a rede cortou o preço do sanduíche de frango de US$ 5,49 para US$ 3,99, mesmo com a alta do custo do frango no atacado — uma jogada estratégica para atrair millennials e relembrar o público do sabor original. “Há uma forte conexão nostálgica com o KFC. Precisamos lembrar às pessoas o que nos tornou tão grandes no começo”, explica Tan-Gillespie.
Mas a nostalgia, sozinha, não basta. A geração Z, faixa mais assídua nos fast-foods, representa apenas 6% da base de clientes do KFC, segundo a Numerator. Para eles, frango é sinônimo de nuggets e tenders — opções que ocupam apenas um quarto do cardápio da rede.
O novo KFC: menos ossos, mais estratégia
Para conquistar o paladar e o feed da geração Z, o KFC está reformulando seu cardápio principal. A ideia é criar baldes de tenders, versões individuais e até combos para duas pessoas — formatos mais práticos e populares entre jovens consumidores. Durante o March Madness, o torneio universitário de basquete nos EUA, a rede testou seu “primeiro balde novo em quase uma década”: uma refeição de US$ 7 com tenders, purê de batata e molho gravy.
Essa mudança, no entanto, não é inédita. Em 2013, o KFC já havia tentado popularizar o frango sem osso com uma campanha ousada: consumidores comiam o balde e ficavam chocados ao descobrir que, na verdade, não havia ossos. A publicidade foi bem recebida, mas durou apenas três meses. “Talvez tenha sido um pouco à frente do seu tempo”, reconhece Tan-Gillespie.
A aposta do novo CEO e a concorrência voraz
O sucesso ou fracasso dessa guinada será um teste para Chris Turner, novo CEO da Yum! Brands, que acaba de assumir o comando do grupo. Turner precisa decidir até que ponto vale “abandonar os ossos” — literalmente e simbolicamente — para revitalizar o KFC. O risco é perder clientes fiéis sem conseguir atrair os novos.
“A marca representa algo específico, mais famosa pelo frango no balde com osso”, explica Mark Kalinowski, CEO da Kalinowski Equity Research. “Lançar outros produtos não muda automaticamente a percepção do público.”
Essa dificuldade fica evidente em Nova York: enquanto Raising Cane’s, Popeyes e Jollibee exibem lojas lotadas em Times Square, o KFC mais próximo da região fechou na pandemia. Hoje, a unidade mais próxima fica a 20 minutos a pé, desgastada e cercada por bares e pubs.
Segundo documentos da Yum!, desde 2023 o grupo fechou 300 lojas do KFC, mas abriu 412 novas unidades do Taco Bell, mostrando onde estão as prioridades de investimento. O Taco Bell, inclusive, adicionou frango crocante ao menu em 2024 e viu suas vendas do ingrediente crescerem 50% em dois anos, com projeção de atingir US$ 5 bilhões até 2030.
Um desafio de identidade e renovação
O KFC dos EUA não recebe grandes investimentos há uma década, quando a Yum! aportou US$ 185 milhões em publicidade e equipamentos. Esse abandono é perceptível até para clientes fiéis, como Precious McMillon, de 34 anos, moradora de Louisville, Kentucky. “O KFC é ultrapassado, simplesmente não modernizado”, disse ela à Bloomberg.
Para reverter essa imagem, a empresa lançou o conceito “Saucy by KFC”, um restaurante piloto aberto em Orlando no ano passado, focado em tenders com molhos variados. Segundo o CEO David Gibbs, um terço dos clientes tem menos de 30 anos, e novas unidades estão previstas para 2025.
A informação foi divulgada por Bloomberg, que destacou ainda que os resultados do terceiro trimestre da Yum! Brands serão conhecidos em 4 de novembro, e podem revelar se a aposta da companhia finalmente começou a dar resultado.
Um mercado bilionário e em expansão
O momento é decisivo. O consumo de frango nos EUA cresceu 19% nos últimos 10 anos, superando de longe o avanço de 5,6% da carne bovina, segundo Brian Earnest, economista do CoBank. A projeção do Departamento de Agricultura dos EUA aponta que até 2030 os americanos comerão 105 libras de frango por pessoa por ano.
A febre começou em 2019, quando o Popeyes lançou o lendário sanduíche de frango, criando uma “corrida do frango” que viralizou nas redes sociais. O KFC, embora presente, ficou em terceiro plano enquanto Chick-fil-A e Popeyes trocavam farpas no Twitter e vendiam tudo em questão de horas. Desde então, mais de 60% dos fast-foods americanos passaram a incluir sanduíches de frango em seus menus, segundo a Datassential.
“O KFC tinha um produto tão bom quanto os rivais, mas não se comprometeu totalmente com o conceito sem osso”, explica Kalinowski. “Muitos franqueados ainda preferem vender o frango tradicional no balde, e isso trava a inovação.”
Agora, a marca tenta provar que tradição e modernidade podem coexistir. Abandonar os ossos é mais do que uma mudança de cardápio — é uma batalha por relevância em um mercado cada vez mais competitivo, digital e liderado por novas gerações que querem praticidade, preço e experiência.

 
                         
                        
                                                     
         
                         
                         
                         
                        
 
        
 
                     
         
         
         
         
         
         
         
         
        
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