Ilha japonesa de Minamitori esconde mais de 200 milhões de toneladas de metais estratégicos. Mas a China já ensaia como pressionar a região com manobras navais ousadas
Em um momento em que o Japão busca reduzir sua dependência da China no fornecimento de terras raras, um dos recursos mais estratégicos do século XXI, um fato inusitado acendeu o alerta em Tóquio. Pouco depois de confirmar a presença de um gigantesco depósito de minerais no fundo do mar, próximo à ilha japonesa de Minamitori, uma frota chinesa liderada por um porta-aviões cruzou uma área sensível da zona econômica exclusiva (ZEE) japonesa.
Coincidência? No tabuleiro geopolítico atual, poucos acreditam em acasos.
Tesouro submarino que pode mudar o jogo
Em 2022, o Japão iniciou uma ofensiva tecnológica e científica para encontrar fontes alternativas de terras raras. A missão era clara: reduzir a dependência da China, que hoje domina cerca de 60% da produção global desses minerais essenciais para baterias, motores elétricos, turbinas e sistemas militares de ponta, segundo a Agência Internacional de Energia.
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O esforço começou a dar frutos em 2024, quando pesquisadores localizaram um enorme campo de nódulos polimetálicos no fundo do mar, nas proximidades da ilha Minamitori, a 1.900 km de Tóquio. Estima-se que existam ali mais de 230 milhões de toneladas de minerais críticos, incluindo manganês, cobalto, níquel e elementos de terras raras.
Esse achado transformou rapidamente a remota ilha em um novo epicentro geoeconômico para o Japão e um alvo potencial de interesses internacionais.
A movimentação inesperada da marinha chinesa
Quase em paralelo com a divulgação desses depósitos submarinos, a marinha da China realizou um movimento inédito: pela primeira vez, um grupo de combate naval com um porta-aviões adentrou a ZEE japonesa naquela região.
A frota chinesa, composta por um porta-aviões, dois destróieres com mísseis guiados e um navio de abastecimento, navegou a cerca de 300 km ao sudoeste da ilha Minamitori, antes de seguir para exercícios aéreos em águas internacionais.
A movimentação foi monitorada de perto pelas forças de defesa japonesas, que enviaram o destróier Haturo para acompanhar cada passo da esquadra chinesa. O governo japonês afirmou ter transmitido uma “mensagem apropriada” a Pequim, mas não confirmou oficialmente se houve um protesto diplomático formal.
Minamitori: ilha remota, mas com valor estratégico
Embora não seja habitada por civis, Minamitori abriga estações da agência meteorológica japonesa, unidades das forças de defesa e da Guarda Costeira. Sua importância estratégica cresceu justamente devido aos depósitos submarinos de minerais críticos, cada vez mais cobiçados em tempos de transição energética e corrida tecnológica.
Estudos recentes da Universidade de Tóquio apontam que os recursos minerais da área poderiam suprir parte significativa da demanda global por décadas. Segundo o professor Yutaro Suzuki, especialista em geologia marinha, “os nódulos encontrados ali contêm concentrações de elementos de terras raras que podem garantir a autossuficiência japonesa em setores-chave”.
A presença súbita da marinha chinesa nas proximidades levantou, portanto, preocupações não só militares, mas também econômicas.
Não foi um caso isolado
Embora a operação perto de Minamitori tenha sido a primeira com um porta-aviões nesta região específica da ZEE japonesa, não se trata de um evento isolado. Em setembro de 2024, o porta-aviões chinês Liaoning realizou uma manobra semelhante entre as ilhas de Yonaguni e Iriomote, perto de Taiwan.
Em ambas as ocasiões, a China tem demonstrado uma estratégia clara de expandir seu alcance naval no Pacífico Ocidental. Segundo análise do Center for Strategic and International Studies (CSIS), Pequim vem conduzindo uma campanha deliberada para aumentar a tolerância internacional à presença de suas forças em áreas tradicionalmente dominadas pelos Estados Unidos e seus aliados.
Uma escalada tática em um contexto já tenso
As tensões regionais não são novidade. Japão e China mantêm uma disputa territorial pelas ilhas Senkaku (conhecidas como Diaoyu na China), situadas no Mar da China Oriental. A China intensificou suas patrulhas navais na região, enquanto os Estados Unidos reforçam alianças militares com Japão, Coreia do Sul e Filipinas.
O recente episódio em Minamitori foi interpretado por analistas como um novo degrau na escalada. O porta-voz do Ministério da Defesa japonês avaliou a manobra como parte dos esforços chineses para “aprimorar suas capacidades operacionais em regiões distantes”.
Embora Tóquio tenha optado por uma resposta contida e baseado na vigilância, especialistas alertam que a tendência é de um aumento gradual da pressão chinesa. O professor James Holmes, do U.S. Naval War College, observou em entrevista à Nikkei Asia: “Cada incursão chinesa serve como um teste. Quanto mais normalizadas essas operações se tornarem, mais difícil será contestá-las no futuro.”
Uma nova realidade no Pacífico
Há poucos anos, imaginar uma frota chinesa com um porta-aviões operando tão perto do território mais oriental do Japão seria considerado improvável. Hoje, essa é uma nova realidade no cenário geopolítico da região.
O trânsito da frota chinesa em torno de Minamitori não apenas desafia o equilíbrio regional, como também sinaliza um passo concreto no projeto de normalização da presença naval chinesa em áreas cruciais para a segurança territorial e para o futuro tecnológico do Japão.
No jogo estratégico do Pacífico, cada movimento naval carrega mensagens políticas. E o xadrez entre Japão, China e Estados Unidos parece cada vez mais dinâmico — e imprevisível.