Irã e Rússia conectam sistemas bancários fora do SWIFT, unem cartões Mir e Shetab e criam rede de pagamentos paralela para driblar sanções e reforçar blocos aliados.
Desde 2022, com a intensificação das sanções ocidentais, a Rússia e o Irã aceleraram uma cooperação que estava nos bastidores há anos: a criação de um sistema de pagamentos paralelo ao SWIFT, a rede internacional que conecta mais de 11 mil instituições financeiras em 200 países.
Em 2023, os bancos centrais de Moscou e Teerã formalizaram a ligação entre o SPFS russo (Sistema de Transferência de Mensagens Financeiras) e o SEPAM iraniano, permitindo que transações comerciais fossem liquidadas diretamente em moedas nacionais, sem necessidade de dólar e sem passar pela infraestrutura ocidental.
Agora, em 2025, essa integração evoluiu e já inclui cartões bancários interoperáveis, ampliando o acesso de consumidores e empresas a uma rede financeira anti-sanções.
-
Irã: AIEA alerta que não consegue monitorar estoques de urânio e aumenta tensões internacionais
-
Governo Trump encerra proteção legal para 268 mil venezuelanos; deportações começam em 60 dias
-
Coreia do Norte pode ser a grande campeã da guerra geopolítica contemporânea. União entre China e Rússia beneficia o país, além de desafiar a soberania dos EUA
-
BRICS+ cresce e já soma 11 países que concentram petróleo, gás e e metade da população mundial; rumores da entrada do Canadá e inclusão dos Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Indonésia muda o tabuleiro contra o dólar, aponta especialista
Cartões Mir e Shetab: integração que chega ao consumidor
A etapa mais visível dessa parceria é a integração entre os cartões Mir (da Rússia) e Shetab (do Irã).
- Cartões Mir, criados em 2015, tornaram-se o principal sistema de pagamentos da Rússia após a exclusão parcial do país das redes Visa e Mastercard em 2022.
- Shetab é o sistema bancário doméstico iraniano, que conecta bancos e caixas eletrônicos em todo o país desde os anos 2000.
Com a integração, turistas russos no Irã podem pagar com seus cartões Mir em estabelecimentos locais, enquanto iranianos têm acesso a terminais russos por meio da rede Shetab. Essa interoperabilidade, que começou em fase piloto em 2024, está em expansão para incluir milhões de cartões ativos.
O objetivo: driblar sanções e criar alternativas
O movimento tem um propósito claro: driblar as sanções ocidentais que limitam a capacidade de Irã e Rússia de acessar mercados globais e sistemas financeiros tradicionais.
Sem acesso pleno ao SWIFT, os dois países criaram uma infraestrutura que garante:
- Liquidação de transações bilaterais em rublos e riais, sem dólar.
- Pagamentos seguros para exportadores e importadores mesmo sob sanções.
- Rede de cartões doméstica independente das bandeiras americanas.
Esse é mais um passo no esforço de criar uma arquitetura financeira paralela, que não dependa dos Estados Unidos ou da União Europeia.
Comércio em crescimento entre Moscou e Teerã
O comércio bilateral entre Irã e Rússia cresceu fortemente nos últimos anos. Em 2022, as trocas somaram cerca de US$ 4 bilhões.
Em 2024, o valor já superava US$ 5 bilhões, impulsionado por exportações de grãos russos, petróleo iraniano e equipamentos industriais.
A expectativa é que a integração bancária eleve ainda mais esse número. Com transações diretas em moedas locais, empresas economizam custos cambiais e reduzem o risco de bloqueios externos.
O bloco anti-sanções em formação
A parceria Irã–Rússia não acontece isoladamente. Ela se conecta a um esforço maior de países que buscam alternativas ao sistema financeiro ocidental.
- China expandiu o uso do CIPS (Cross-Border Interbank Payment System) para liquidações em yuan.
- Índia já realizou importações de petróleo russo em rupias, ainda que com entraves.
- Países do BRICS discutem ampliar a liquidação em moedas locais e reduzir o uso do dólar no comércio interno do bloco.
Nesse contexto, a rede Teerã–Moscou funciona como modelo e ensaio para outras parcerias financeiras fora do eixo Washington–Bruxelas.
As reações do Ocidente
A criação dessa rede paralela preocupa EUA e União Europeia. O SWIFT é mais do que uma plataforma técnica: é uma ferramenta de poder geopolítico.
Controlar quem pode ou não acessar a rede equivale a ter influência sobre o comércio e o sistema bancário global.
Washington já sinalizou que pode sancionar bancos de terceiros países que se integrem ao sistema Irã–Rússia. Mas, diante da crescente multipolaridade, essas ameaças perdem parte da eficácia. Cada vez mais, países buscam rotas de escape para manter seu comércio ativo.
Limitações e desafios da rede paralela
Apesar do avanço, a integração bancária Irã–Rússia ainda tem limitações:
- Escala restrita: cobre apenas os dois países, com potencial para expansão gradual.
- Moedas frágeis: tanto o rublo quanto o rial sofrem com volatilidade e inflação.
- Aceitação internacional: fora do eixo Irã–Rússia, os cartões Mir e Shetab ainda têm alcance limitado.
Ainda assim, especialistas avaliam que o movimento é estratégico e simbólico. Ele mostra que existem alternativas técnicas ao SWIFT e que países sancionados podem cooperar para reduzir vulnerabilidades.
O futuro da cooperação Irã–Rússia
Os próximos passos incluem:
- Expansão do uso dos cartões Mir e Shetab em todos os bancos comerciais dos dois países.
- Inclusão de novas moedas na rede, como o yuan chinês.
- Integração futura com o sistema do BRICS, criando um ecossistema de pagamentos paralelo mais robusto.
Se essa tendência continuar, a rede Irã–Rússia pode se tornar um protótipo de sistema financeiro multipolar, no qual blocos regionais constroem suas próprias infraestruturas sem depender do Ocidente.
Irã e Rússia: um eixo financeiro fora do SWIFT
Ao conectarem seus sistemas bancários, Moscou e Teerã deram um passo além da cooperação energética e militar: criaram um eixo financeiro alternativo.
A integração Mir–Shetab simboliza não apenas resistência às sanções, mas também a construção de uma nova ordem financeira.
Embora limitado em escala, o movimento tem efeito simbólico global: prova que a hegemonia do dólar e do SWIFT pode ser contestada. E, no jogo de longo prazo, abre espaço para que outros países sigam o mesmo caminho.