Trabalhador tentou simular acidente de trabalho para obter indenização, mas perícia revelou versão falsa. Justiça confirmou multa por litigância de má-fé e manteve decisão que destacou contradições nos relatos do empregado.
A 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região manteve, por unanimidade, a condenação de um orientador de vendas por litigância de má-fé ao tentar vincular problemas no punho a um suposto acidente laboral.
A multa aplicada ficou em R$ 1,4 mil, equivalente a 2% do valor atribuído à causa, e confirma a sentença da juíza Marinês Denkievicz Tedesco Fraga, do Posto da Justiça do Trabalho de Tramandaí.
Decisão do TRT-RS confirma condenação
No julgamento do recurso do empregado, os desembargadores entenderam que houve omissão deliberada de fato relevante.
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O próprio trabalhador havia relatado, a uma colega, ter desferido um soco em uma porta de clínica após desentendimento por suposto atendimento negado à esposa.
Em juízo, porém, tentou afastar esse episódio e sustentar que as lesões decorreram de atividades desempenhadas na empresa.
Versões conflitantes e ausência de nexo com o trabalho
Ao ser encaminhado a atendimento médico quando passou mal no serviço, o autor disse, no posto de saúde, ter caído sobre o punho depois de carregar caixas muito pesadas.
Embora essa narrativa apontasse para um acidente típico, a perícia médica judicial descartou o nexo entre as moléstias — tendinite e síndrome do túnel do carpo no punho direito — e as tarefas exercidas.
O laudo registrou que não havia esforços repetitivos ou excesso de peso no desempenho habitual das funções, o que afasta a caracterização de doença ocupacional.
Sentença destacou falta de credibilidade
Na origem, a magistrada considerou que os relatos do trabalhador retiravam confiabilidade de sua própria versão.
Em trecho destacado na decisão, a juíza afirmou:
“O reclamante vem ao Poder Judiciário requerendo pagamento de indenização por dano moral e material em razão de um soco que desferiu fora do ambiente de trabalho, tentando imputar à reclamada a responsabilidade pela sua falta de controle.
Dispõe o artigo 793-B da CLT que se considera de má-fé aquele que altera ‘a verdade dos fatos’ e usa ‘do processo para conseguir objetivo ilegal’.”
Ainda conforme a sentença, houve menção a alegações inverídicas apresentadas pelo autor em outro processo contra a mesma empresa, o que reforçou a necessidade de observância da boa-fé objetiva antes, durante e após a extinção do contrato.
Recurso rejeitado e multa mantida
Inconformado, o empregado recorreu ao TRT-RS alegando que imprecisões ou omissões na petição inicial não poderiam ser interpretadas como dolo.
Sustentou que a lesão decorreria de ambiente inadequado, não do episódio do soco.
A Turma rejeitou os argumentos e manteve a penalidade por má-fé processual.
A relatora, desembargadora Rosane Serafini Casa Nova, registrou no acórdão:
“No caso em exame, o reclamante omitiu na petição inicial fato crucial para o deslinde do feito, relacionado ao trauma sofrido em sua mão fora do ambiente de trabalho (a mesma que sofre das moléstias ora em discussão). A omissão de fatos relevantes e a alteração da verdade caracteriza litigância de má-fé, ensejando a aplicação de multa.”
Base legal e jurisprudência citadas
A decisão amparou-se em dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que tratam de responsabilidade civil e boa-fé processual.
Foram mencionados os artigos 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, relativos à indenização por danos e à proteção à honra e à imagem.
Também os artigos 186 e 927 do Código Civil, sobre ato ilícito e obrigação de reparar.
Na esfera trabalhista, constaram referências à Lei 8.213/1991, especialmente os artigos 19 e 20, que definem acidente do trabalho e equiparações.
Além disso, os artigos 793-A, 793-B e 793-C da CLT tratam expressamente da litigância de má-fé e suas consequências.
Em matéria processual, foi citado o artigo 80 do CPC, que enumera as condutas caracterizadoras da má-fé.
Como reforço jurisprudencial, constaram a OJ 348 da SDI-I do TST e a Súmula 37 do TRT-RS.
Essas referências sinalizam parâmetros sobre honorários e base de cálculo, compondo o conjunto normativo aplicado no julgamento.
O eixo principal do caso, porém, foi a incompatibilidade entre as versões do autor e as conclusões periciais, somada à omissão de fato essencial ocorrido fora do ambiente laboral.
Contradições e ausência de prova do acidente
O ponto de partida foi a justificativa de ausência dada a uma colega de trabalho, quando o empregado reconheceu ter golpeado a porta da unidade de saúde.
Em momento posterior, após sentir-se mal no serviço, descreveu no atendimento médico uma queda sobre o punho após manuseio de cargas pesadas.
Esse conflito de narrativas foi determinante para a formação do convencimento judicial.
Além do laudo que descartou esforço repetitivo e sobrecarga de peso na função, o conjunto probatório não trouxe comprovação do alegado acidente de trabalho nas dependências da empresa.
Boa-fé objetiva e dever de lealdade processual
A análise do caso reiterou a centralidade da boa-fé objetiva na condução dos processos trabalhistas.
O dever de lealdade, segundo a fundamentação, se projeta antes, durante e após o contrato e também no foro judicial.
Isso impõe às partes a exposição fiel dos fatos e a abstenção de manobras que distorçam a realidade.
Assim, a ocultação do episódio do soco na porta e a tentativa de deslocar a origem das lesões para o ambiente corporativo contrariam o padrão de conduta exigido pelo ordenamento.
Consequências da decisão
Com a confirmação da multa por litigância de má-fé, o trabalhador permanece sujeito ao pagamento do valor fixado de R$ 1,4 mil.
A Turma firmou que a ausência de comprovação do acidente e o afastamento do nexo causal, aliados à omissão de fato relevante, inviabilizam o pleito de indenizações por danos morais e materiais.
A decisão foi unânime e registra, ao final, a possibilidade de recurso pelas vias cabíveis.
Também participaram do julgamento o desembargador Raul Zoratto Sanvicente e o juiz convocado Ary Faria Marimon Filho.
Diante de um cenário em que versões divergentes e exames técnicos caminham em sentidos opostos, o que você considera mais eficaz para coibir a litigância de má-fé: multas mais severas, maior rigor probatório ou medidas educativas sobre boa-fé processual?