Inadimplência no agronegócio brasileiro bate recorde e já supera R$ 12 bilhões em dívidas atrasadas. Banco Central endurece renegociação, juros altos pressionam produtores e crédito futuro pode ficar mais restrito.
O agronegócio brasileiro vive um momento de alerta: o setor acumula nível recorde de endividamento e inadimplência, situação agravada pelas novas exigências do Banco Central (BC) para a renegociação de dívidas. A combinação de juros altos, queda nos preços das commodities e barreiras externas, como o “tarifaço” imposto pelos Estados Unidos, pressiona produtores rurais e empresas do agro, elevando o risco de calote e reduzindo o espaço para crédito futuro.
Banco Central muda regras e renegociação fica mais difícil
No final do primeiro semestre, o BC introduziu alterações no Manual de Crédito Rural (MCR), impondo critérios mais rígidos para que produtores renegociem suas dívidas. Agora, as instituições financeiras precisam comprovar que o devedor enfrenta um problema temporário de caixa e que possui capacidade de honrar os pagamentos ao longo do tempo.
Além disso, a análise deve considerar o conjunto das atividades do mutuário, incluindo bens que possam ser vendidos, receitas de outras atividades e compromissos financeiros assumidos em barter, CPRs, mercado de capitais, bancos, cooperativas e tradings.
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Segundo Ademiro Vian, economista da FGV, a medida deve reduzir a margem de manobra dos produtores:
“Obter prorrogações de prazo ficará mais difícil. O índice de inadimplentes crescerá, limitando o crédito para operações futuras”, alerta.
Dívida recorde já afeta lucros dos bancos
O Banco do Brasil (BB), maior financiador do agro, reportou que o setor deixou de pagar R$ 12,73 bilhões em dívidas com atrasos superiores a três meses. O valor impactou diretamente o lucro do banco no segundo trimestre de 2024.
A presidente do BB, Tarciana Medeiros, foi categórica:
“É o maior nível de inadimplência já visto no agro na história do Banco do Brasil”.
A instituição tem mais de R$ 404 bilhões em carteira no setor e viu a inadimplência saltar de menos de 1% em 2023 para quase 2,5% em 2024, já se aproximando de 4%. Os maiores atrasos estão no Centro-Oeste e Sul, principalmente entre sojicultores, produtores de milho e pecuaristas.
Outros bancos também reforçam os sinais de alerta. O Santander, com R$ 22 bilhões em crédito rural, admite que a inadimplência tende a crescer. Já Itaú e Bradesco, que somam cerca de R$ 210 bilhões no agro, afirmam que a situação está sob controle, mas reconhecem que o cenário é desafiador.
Juros de 20% ao ano e pressão sobre o produtor
Na Agrishow 2024, o diretor de agro do Santander, Carlos Aguiar, já previa dificuldades:
“Com juros na casa dos 20% ao ano e preços das commodities em queda, o produtor terá dificuldade para liquidar as dívidas”.
Meses depois, no Congresso da Andav, em São Paulo, Aguiar foi ainda mais enfático:
“O produtor precisa desalavancar. Vender ativos, sejam imóveis ou máquinas, para sair desse endividamento”.
De boom de investimentos ao risco de colapso financeiro
Até 2023, o agro brasileiro surfava na onda de demanda crescente, preços em alta e custos controlados. Produtores e empresas aproveitaram para expandir investimentos em terras e máquinas, recorrendo inclusive ao mercado de capitais. Mas o cenário mudou rapidamente com:
- queda das commodities,
- custo elevado do crédito,
- tarifas externas e
- eventos climáticos adversos.
Para Vian, muitos produtores se endividaram sem preparo:
“Houve exageros em compras de terras e troca de máquinas desnecessárias. Com os juros atuais, a rentabilidade do agro não cobre o custo do recurso obtido”.
Ajuste duro e crédito mais escasso
Apesar do cenário crítico, dirigentes de bancos como Itaú e Bradesco defendem que o setor tem histórico de recuperação e deverá retomar a lucratividade. No entanto, desta vez, há um agravante: o governo federal dispõe de menos recursos para socorrer produtores.
Especialistas recomendam que agricultores adotem medidas de ajuste financeiro, incluindo venda de ativos e redução de alavancagem, para evitar que o nível recorde de inadimplência no agronegócio se transforme em uma crise de crédito ainda maior.