A norma 13.116 impede que municípios legislem sobre a fiação elétrica, criando um vácuo de responsabilidade que perpetua a poluição visual e os riscos à população.
O emaranhado de cabos que domina a paisagem da maioria das cidades brasileiras contrasta fortemente com a organização de metrópoles como Paris, Madrid e Nova York, que há décadas investem no enterramento de suas redes. No Brasil, a poluição visual é apenas o sintoma mais aparente de um problema profundo: a complexa e perigosa infraestrutura da fiação elétrica aérea. Este modelo, além de esteticamente desagradável, expõe a população a riscos constantes de acidentes e deixa o sistema vulnerável a apagões, como aponta uma análise detalhada do canal Conhecimento Global.
O centro do problema reside em um impasse jurídico que paralisa qualquer avanço significativo. Enquanto os municípios tentam criar leis para forçar a modernização e o enterramento dos cabos, uma legislação federal centraliza essa decisão na União. O resultado é um cenário de inércia, onde concessionárias de energia e telecomunicações se amparam na lei federal para não arcar com os custos bilionários da mudança, e a população continua a conviver com postes sobrecarregados e fios que representam uma ameaça diária.
O custo bilionário da modernização
Um dos principais argumentos utilizados para justificar a manutenção do modelo aéreo é o custo financeiro. A diferença de valores entre os dois sistemas é gritante. Segundo estimativas de mercado, enquanto a construção de 1 quilômetro de rede aérea custa em média R$ 100 mil, o mesmo trecho com cabos subterrâneos pode saltar para mais de R$ 840 mil. Em alguns casos, essa disparidade é ainda maior, como demonstrou a Celesc, distribuidora de energia de Santa Catarina, ao informar que o custo da rede subterrânea poderia ultrapassar R$ 1,7 milhão por quilômetro.
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Essa diferença de preço se explica pela complexidade e pelos materiais envolvidos. Cabos aéreos são mais simples, utilizando o próprio ar como isolante natural. Já os cabos subterrâneos exigem múltiplas camadas de proteção contra umidade, pressão do solo e calor. Além disso, a infraestrutura subterrânea demanda transformadores encapsulados, dutos de polietileno de alta densidade, caixas de passagem de concreto e câmaras subterrâneas, equipamentos muito mais caros e duráveis, projetados para operar em ambientes fechados e com pouca ventilação.
O labirinto jurídico que paralisa o avanço
Apesar dos altos custos, o maior obstáculo para a modernização da fiação elétrica no Brasil é a burocracia. O caso mais emblemático, conforme destacado pelo canal Conhecimento Global, ocorre em São Paulo. Em 2005, a prefeitura sancionou a Lei nº 14.023, que obrigava as concessionárias a enterrarem 250 km de cabos por ano, sem repassar os custos aos consumidores. Se cumprida, a lei teria garantido mais de 2.000 km de redes subterrâneas na cidade atualmente. No entanto, o Sindicato da Indústria da Energia no Estado de São Paulo recorreu à Justiça, alegando que o município não tinha competência para legislar sobre concessões federais.
A batalha judicial se arrastou por uma década, até que, em 2015, a Justiça Federal suspendeu a lei municipal. A decisão criou um precedente que se espalhou pelo país, derrubando leis semelhantes em outras capitais. No mesmo ano, a situação foi consolidada com a sanção da Lei Federal nº 13.116, que deixou explícito que cabe exclusivamente à União regulamentar os aspectos técnicos das redes de energia e telecomunicações. Na prática, a lei tornou qualquer iniciativa municipal inconstitucional, gerando um impasse definitivo: prefeituras não podem obrigar, e concessionárias não têm incentivo para investir.
Desafios operacionais e a falta de planejamento
Mesmo que o impasse jurídico fosse resolvido, a complexidade técnica das obras seria um desafio gigantesco. Um projeto da Enel em São Paulo, na Vila Olímpia, levou anos para enterrar apenas 4,2 km de fios, a um custo de R$ 5 milhões por quilômetro. As obras são lentas, pois as escavações só podem ocorrer durante a madrugada para não impactar o trânsito, gerando reclamações de moradores por causa do barulho. Além disso, o subsolo das grandes cidades brasileiras é desorganizado, com mapas de galerias de água, gás e esgoto muitas vezes imprecisos, o que causa atrasos e paralisações.
Por trás disso, há uma falta crônica de planejamento a longo prazo. Políticos evitam iniciar “obras enterradas” que não geram visibilidade ou retorno eleitoral imediato, preferindo projetos que garantam inaugurações dentro de seus mandatos. Do lado das concessionárias, que operam com contratos de 30 anos, a pressão por resultados trimestrais para acionistas desincentiva investimentos bilionários que não aumentam o faturamento a curto prazo. Segundo especialistas consultados pelo canal Conhecimento Global, a própria indústria nacional de materiais não estaria preparada para atender a uma demanda em larga escala, caso um projeto nacional de enterramento fosse iniciado.
O preço da inércia: riscos, apagões e mortes
Manter a fiação elétrica exposta tem um custo humano e social altíssimo. O sistema aéreo é extremamente vulnerável a eventos climáticos. A tempestade que atingiu São Paulo em novembro de 2023, com ventos de mais de 100 km/h, deixou mais de 2 milhões de pessoas sem energia e causou prejuízos bilionários. Regiões inteiras ficaram no escuro por dias, mostrando como a queda de uma única árvore pode paralisar bairros inteiros.
Os números de acidentes são ainda mais alarmantes. Um levantamento do Instituto de Defesa dos Consumidores (Idec) revelou que, entre 2009 e 2024, foram registradas cerca de 36.000 ocorrências envolvendo fiações, resultando em mais de 4.000 mortes. Apenas entre 2022 e 2024, foram 660 óbitos. Um desses casos trágicos foi o do porteiro Leonardo Monsores da Silva, no Rio de Janeiro, que morreu eletrocutado ao encostar em um poste. Segundo a Anatel, dos 50 milhões de postes no país, cerca de 10 milhões estão sobrecarregados com fios e ligações irregulares, aumentando exponencialmente o risco para a população.
Os benefícios além da estética
A modernização da infraestrutura traria vantagens que vão muito além da aparência. A principal delas é a confiabilidade do sistema. Segundo dados da União Europeia, consumidores europeus ficam, em média, apenas 12,2 minutos por ano sem energia. No Brasil, essa média ultrapassa 10 horas anuais. Essa diferença gritante reflete décadas de investimento em redes subterrâneas e manutenção preditiva na Europa.
Com a remoção dos postes e da fiação elétrica aérea, as ruas se tornam mais seguras e organizadas. As árvores podem crescer livremente, sem as podas agressivas e constantes necessárias para evitar o contato com os cabos. Além disso, a melhoria da paisagem urbana tende a valorizar os imóveis e a atrair mais turismo, gerando um ciclo positivo para a economia local. A inércia atual, portanto, não representa apenas uma escolha por um modelo ultrapassado, mas uma renúncia a um futuro mais seguro, eficiente e qualificado para as cidades brasileiras.
A complexidade para enterrar a fiação elétrica no Brasil envolve custos, leis e política. Diante dos riscos e da baixa qualidade do serviço atual, qual você acredita que deveria ser o primeiro passo para resolver esse problema?
Você concorda com a centralização dessa decisão no governo federal ou acha que os municípios deveriam ter autonomia? Deixe sua opinião nos comentários, queremos ouvir quem vive isso na prática.