Imagens desclassificadas e inteligência artificial revelam locais de bombas enterradas há décadas, acelerando esforços para salvar vidas e recuperar terras agrícolas no Sudeste Asiático
Nos campos de arroz do Camboja e nas florestas do Vietnã, perigos do passado continuam à espreita. Décadas após o fim dos conflitos armados, bombas e minas terrestres ainda afetam milhares de vidas.
Agora, uma união entre tecnologia e memória histórica começa a revelar onde esses explosivos permanecem ocultos.
Marcas de uma guerra que não terminou
Entre o fim dos anos 1960 e 1990, o Camboja viveu uma longa guerra civil. Estima-se que cerca de dez milhões de minas e explosivos tenham sido espalhados pelo país.
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A maioria continua ativa, mesmo após o fim oficial do conflito em 1998. Desde então, mais de 20 mil pessoas morreram em incidentes com minas. Outras 45 mil ficaram feridas.
Segundo Tobias Hewitt, diretor nacional da ONG HALO Trust no Camboja, ainda são registrados mais de 50 acidentes por ano. “O número está diminuindo constantemente, mas ainda é um problema enorme“, afirmou ao site Space.com.
O Vietnã vive situação semelhante. Durante a Guerra do Vietnã, os Estados Unidos lançaram milhões de toneladas de bombas sobre o país.
Muitas não explodiram, especialmente em áreas agrícolas. O solo úmido e macio amorteceu os impactos, mas não impediu a ameaça.
“A terra mais fértil é também a mais perigosa“, explicou Erin Lin, cientista política da Universidade Estadual de Ohio. Agricultores continuam a trabalhar esses terrenos porque dependem deles. “Se não fizermos isso, não teremos como sobreviver“, disse Hoàng Thi Mai Chi, gerente do Grupo Consultivo de Minas no Vietnã.
Fotos do espaço revelam pistas do perigo
Por anos, o trabalho de localizar minas foi feito com detectores de metal, em processos longos e imprecisos. Isso começou a mudar em 2011, quando os EUA desclassificaram imagens dos satélites espiões HEXAGON, da Guerra Fria.
Essas imagens mostram o terreno como era nas décadas passadas. “Conseguimos sobrepor essas imagens ao Google Earth e identificar estradas antigas“, contou Hewitt.
Essas estradas são pistas importantes. Tropas em retirada costumavam colocar minas ao longo delas. No entanto, muitas rotas desapareceram sob a vegetação ou plantações.
“Sem saber que havia uma estrada ali, as pessoas acham que é apenas uma terra comum e a cultivam“, disse Hewitt. Isso, infelizmente, leva a acidentes.
Com a ajuda das imagens, a HALO Trust já mapeou milhares de locais suspeitos no oeste do Camboja. Mesmo assim, cada área precisa ser investigada pessoalmente.
O processo envolve alinhar imagens antigas com mapas modernos e analisar tudo passo a passo.
Inteligência artificial entra na guerra contra as minas
Enquanto isso, no Vietnã, o cientista de dados Philipp Barthelme começou a estudar imagens desclassificadas da CIA durante a pandemia.
Ele treinou um modelo de inteligência artificial (IA) para identificar crateras de bombas. Seu objetivo: prever onde as bombas podem ter caído, mas não explodido.
“O mais simples é detectar as crateras. O desafio é entender como isso pode ajudar no trabalho das ONGs de desminagem”, afirmou Barthelme. Seu projeto virou um doutorado na Universidade de Edimburgo.
No entanto, há limites. Bombas grandes criam crateras visíveis. Já munições menores, como as de fragmentação, não deixam marcas fáceis de identificar.
Outro avanço veio com o DeskAId, uma ferramenta de IA desenvolvida pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha.
Criado por Martin Jebens e sua equipe, o sistema usa dados históricos e imagens de satélite para prever áreas com minas. Ele analisa a proximidade de estradas, construções e hospitais — locais comuns de conflitos passados.
O sistema, em teste no Camboja, alcançou precisão de até 92%. Apesar dos bons resultados, os criadores alertam: apenas humanos podem confirmar o que as máquinas sugerem.
“Há um potencial enorme para economia de tempo, dinheiro e, principalmente, de vidas“, disse Andro Mathewson à revista New Scientist.
Limites de recursos e desafios no solo
Apesar dos avanços, o trabalho ainda enfrenta obstáculos. O Camboja já limpou mais de 3.200 km² de áreas contaminadas.
No entanto, restam cerca de 470 km². No Vietnã, a extensão exata ainda é desconhecida. Muitas áreas atingidas são montanhosas e isoladas, exigindo longas viagens.
Durante o segundo mandato de Donald Trump, os Estados Unidos suspenderam por mais de um mês a ajuda externa para remoção de bombas. Para programas que dependem desse financiamento, a pausa foi preocupante.
Seán Moorhouse, consultor em explosivos, questiona o papel dos EUA. “Existe uma obrigação moral, já que foram eles que lançaram as bombas. Qualquer corte no financiamento seria desastroso para o Vietnã”, disse.
Memórias vivas e esperança de futuro
Hoje, Hoàng Thi Mai Chi continua ajudando famílias de agricultores no Vietnã. Ela viu de perto os horrores da guerra, quando ainda era criança. Agora, dedica sua vida a evitar que outros passem pelo mesmo.
“Até meus filhos hoje perguntam sobre a guerra”, contou ela. “Mas temos que seguir em frente. Trabalhamos com diferentes países, não só os Estados Unidos, para reconstruir o Vietnã.”
Para essas comunidades, paz não significa apenas o fim dos tiros. Significa recuperar a terra, passo a passo, de um passado que insiste em permanecer enterrado.