ITER, reator experimental de fusão nuclear na França, usa solenoide colossal para tentar reproduzir a energia do Sol e transformar o futuro energético
É preciso vencer uma barreira fundamental da física para liberar novas formas de energia. Núcleos atômicos carregados positivamente resistem naturalmente a qualquer tentativa de aproximação. Apenas o interior das estrelas consegue quebrar essa barreira.
Mas um projeto monumental promete desafiar esse limite aqui na Terra: o ITER, o Reator Termonuclear Experimental Internacional. O coração desse empreendimento é um solenoide colossal que aguarda sua primeira pulsação.
Um projeto de escala inédita
O ITER está em construção desde 2007 em Cadarache, no sul da França. Diferente de pequenas bancadas de testes espalhadas pelo mundo, trata-se da primeira instalação de grande porte dedicada à fusão nuclear.
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O reator é fruto de uma cooperação internacional rara. Trinta e três países participam da iniciativa, além de dezenas de empresas espalhadas por três continentes.
De acordo com Bernard Bigot, diretor-geral da Organização ITER, essa é a colaboração científica mais complexa já realizada.
Componentes inéditos estão sendo fabricados em várias regiões, exigindo soluções de engenharia de alto nível.
O coração magnético do ITER
O solenoide é o núcleo magnético que sustenta o projeto. Ele mede 18 metros de altura, tem 4,25 metros de diâmetro e ultrapassa mil toneladas.
Segundo os responsáveis, esse ímã gera um campo magnético 280 mil vezes mais forte que o da Terra. A força seria suficiente para erguer um porta-aviões a dois metros de altura.
O componente foi construído com participação de oito empresas dos Estados Unidos. Seu suporte suporta 100 meganewtons, o equivalente ao dobro do empuxo do ônibus espacial da NASA.
Como o plasma é mantido
Dentro do anel em formato de rosquinha, o solenoide envolve o plasma junto a outras bobinas externas. Ele também fornece impulsos elétricos que ajudam a aquecer e moldar a mistura de hidrogênio e deutério.
Para atingir a fusão, o plasma precisa chegar a temperaturas extremas: cerca de 150 milhões de graus Celsius. Esse aquecimento é garantido não apenas pelo solenoide, mas também por micro-ondas e feixes de nêutrons.
O conjunto completo de ímãs – 18 toroidais e 6 poloidais – terá peso aproximado de 3 mil toneladas, o equivalente a seis aviões Airbus A380-800.
Comparações com o Sol
Dentro do Sol, a temperatura é de “apenas” 15 milhões de graus. No entanto, aqui na Terra precisamos multiplicar esse valor por dez para manter o plasma estável.
Até hoje, só conseguimos reproduzir esse fenômeno por frações de segundo. O tokamak, tecnologia soviética da década de 1950, tornou-se o modelo mais consolidado. Mas ainda apresenta limitações importantes.
Pulsos e limitações
O ITER não conseguirá manter funcionamento contínuo. O solenoide só pode operar em pulsos que variam de 300 a 500 segundos.
Em fases de teste avançadas, essa duração poderá alcançar até 3 mil segundos, pouco mais de 50 minutos. Ainda assim, não é o mesmo que um funcionamento permanente.
O cronograma atual prevê a entrada em operação do reator em 2035. O prazo inicial era 2016, mas atrasos se tornaram comuns nesse tipo de megaempreendimento.
Energia do futuro? Entre esperanças e dúvidas
A fusão nuclear é vista como uma esperança energética para o futuro. Porém, as expectativas acumulam décadas sem resultados concretos em geração de energia.
O astrofísico Josef M. Gaßner acredita que não verá uma usina de fusão em funcionamento durante sua vida. Para ele, os obstáculos técnicos ainda são numerosos.
Vale lembrar que o ITER não tem como meta gerar energia para a rede. Seu papel é demonstrar que reatores futuros podem ser viáveis. A tarefa de fornecer eletricidade caberá a projetos posteriores, como a usina DEMO.
O próximo passo: DEMO
A DEMO pretende suceder o ITER e fornecer centenas de megawatts à rede elétrica já em meados do século.
Será um reator de demonstração, projetado para mostrar que a fusão nuclear pode se tornar fonte prática de energia.
Enquanto isso, outros caminhos são explorados. Stellarators como o Wendelstein 7-X, na Alemanha, mostram potencial promissor. Empresas privadas também buscam alternativas para superar as limitações do tokamak.
Se esses esforços resultarão em sucesso, ainda não está claro. Pode ser que muitas promessas ainda precisem de décadas.
Mesmo assim, o ITER representa um dos maiores símbolos da busca científica por imitar o Sol. É a tentativa de transformar o impossível em realidade, porque apenas assim se abre caminho para o possível.
Com informações de Xataka.