Dourado da proa à âncora, o History Supreme foi anunciado como o iate mais caro do mundo, avaliado em US$ 4,8 bilhões. Mas nenhuma prova de sua existência foi encontrada — nem fotos, registros ou porto conhecido
Em 2011, o mundo conheceu — ao menos pelas manchetes — o History Supreme, supostamente o iate mais caro da história. Avaliado em US$ 4,8 bilhões, o navio teria sido construído com 100 mil quilos de ouro e platina, além de detalhes ainda mais extravagantes, como uma parede com fragmentos de meteorito e ossos de tiranossauro.
O projeto foi atribuído ao designer britânico Stuart Hughes, já conhecido por personalizar produtos eletrônicos de luxo.
Porém, catorze anos depois, o History Supreme permanece envolto em mistério.
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Nenhuma fotografia legítima, documento técnico ou registro marítimo comprova sua existência.
Para muitos especialistas, o barco de ouro é, na verdade, um mito bem construído — ou uma jogada de marketing que saiu do controle.
O surgimento do “iate de ouro”
A história começou no Reino Unido, em meados de 2011. Stuart Hughes anunciou que havia sido contratado por um bilionário malaio para projetar o iate mais luxuoso já construído.
Segundo o designer, o navio teria 30 metros de comprimento, baseado no modelo Baia 100, da fabricante italiana Baia Yachts.
O projeto, conforme divulgado no próprio site de Hughes, teria levado três anos para ser concluído e custado £ 3 bilhões (cerca de US$ 4,8 bi à época).
As imagens mostravam um barco reluzente, com casco e interior revestidos por metais preciosos. Haveria ainda um aquário de 68 kg de ouro maciço, uma garrafa de licor adornada com diamante de 18,5 quilates e até uma cama feita com fragmentos de meteorito e osso de T-Rex.
O comprador foi descrito apenas como “um proeminente empresário da Malásia”.
Rapidamente, a imprensa internacional apontou Robert Kuok, o homem mais rico do país, como possível dono — embora ele nunca tenha confirmado nem comentado o assunto.
A história parecia feita sob medida para viralizar: ouro, dinossauros, um bilionário misterioso e um preço tão alto que superava o PIB de pequenos países.
A explosão na mídia e a ausência de checagem
A notícia se espalhou com velocidade impressionante. Portais britânicos como o Daily Mail, o Metro e The Sun publicaram textos exaltando o “iate de £ 3 bilhões”, repetindo praticamente o mesmo comunicado de imprensa divulgado por Hughes.
Sites especializados em luxo amplificaram ainda mais a repercussão, descrevendo o History Supreme como “a maior joia flutuante do planeta”.
Nenhum desses veículos, no entanto, apresentou evidências de construção, registro ou fotografias originais do iate.
A revista Motor Boat & Yachting (MBY), referência em náutica, foi uma das primeiras a questionar a veracidade da história.
Em 25 de julho de 2011, publicou um artigo apontando diversas inconsistências — como o peso absurdo de ouro (100 toneladas), a ausência de registros no estaleiro e o fato de que as imagens divulgadas eram fotos editadas de um modelo Baia 100 real.
Pouco depois, o gerente de vendas da Baia Yachts, Mario Borselli, confirmou à imprensa que as fotos haviam sido roubadas do site oficial e colorizadas digitalmente. “É uma história tão estúpida que não vale nem processo. Quem acreditaria que um barco teria 100 toneladas de ouro a bordo?”, ironizou o executivo.
A revelação: um barco que nunca existiu
Com o depoimento do estaleiro, o mito começou a ruir. No dia 5 de agosto de 2011, o Business Insider admitiu ter sido enganado e publicou nova matéria.
O veículo relatou ter solicitado imagens de alta resolução e detalhes técnicos a Hughes — que respondeu evasivamente e, depois, parou de se comunicar.
O site pediu desculpas ao empresário Robert Kuok por tê-lo mencionado e classificou o episódio como “um embuste clássico de marketing digital”.
Na mesma semana, Diane M. Byrne, editora do portal Megayacht News, publicou uma investigação intitulada.
Ela entrevistou engenheiros navais, analisou o peso declarado e concluiu que um Baia 100 jamais flutuaria com 100 toneladas adicionais de metais preciosos. “As leis da física simplesmente não permitiriam”, escreveu Byrne. Para ela, o projeto era “inconcebível tanto técnica quanto financeiramente”.
A partir daí, o consenso entre especialistas foi se consolidando: o History Supreme nunca existiu.
Mesmo assim, o mito persistiu em blogs e vídeos até os anos 2020 — especialmente por aparecer em listas de “iate mais caro do mundo”.
O “iate invisível”: nenhuma prova de registro
Além da inexistência física, não há qualquer documentação técnica sobre o History Supreme. Nenhum número IMO (registro internacional), porto de matrícula ou sinal MMSI (identificação marítima) foi encontrado em bases como MarineTraffic e Equasis.
O navio também jamais foi visto em marinas, feiras ou eventos náuticos. Considerando que superiates de porte muito menor costumam ser rastreados publicamente, seria impossível que uma embarcação bilionária permanecesse completamente oculta por mais de uma década.
A revista Yacht Harbour classificou o caso como “um dos maiores mitos da história náutica”, observando que muitos veículos de mídia foram enganados por “um press release ridículo”.
O site resumiu com ironia: “Para quem conhece o mundo dos superiates, a ideia de um barco de 30 metros revestido a ouro sempre foi absurda, mas ainda assim muita gente acreditou”.
Análise técnica: por que o projeto é impossível
Diversos engenheiros e arquitetos navais já explicaram por que o suposto iate de ouro seria inviável — do ponto de vista físico, estrutural e econômico.
Peso e estabilidade
Um casco de 30 metros como o Baia 100 tem deslocamento aproximado de 90 toneladas. Acrescentar 100 toneladas de metais preciosos dobraria o peso total, tornando o barco incapaz de flutuar.
O centro de gravidade ficaria instável, levando a risco imediato de afundamento. Segundo cálculos citados pela Motor Boat & Yachting, a probabilidade de navegabilidade seria inferior a 1%.
Estrutura e corrosão
Ouro e platina são extremamente densos e pouco adequados à estrutura naval. Além do peso, esses metais têm coeficientes térmicos e propriedades químicas incompatíveis com o alumínio e o compósito usados em cascos de iates modernos.
O contato direto com água salgada provocaria galvanização e delaminação, exigindo manutenção inviável. Nenhum estaleiro reconhecido já tentou algo semelhante.
Custo fora da realidade
Mesmo os maiores superiates do planeta — como o Eclipse (162 m, de Roman Abramovich) ou o Azzam (180 m, da família real dos Emirados) — custaram entre US$ 500 milhões e US$ 1,5 bilhão. Nenhum projeto ultrapassou a casa de US$ 2 bi. Para efeito de comparação, US$ 4,8 bi seriam suficientes para construir dez Eclipses.
Além disso, a aquisição de 100 toneladas de ouro representaria cerca de 5% da produção anual global do metal, algo impossível de realizar sem despertar atenção de bancos centrais e autoridades financeiras.
Falta de histórico técnico
Outro ponto levantado por especialistas é a ausência de detalhes náuticos. Hughes nunca apresentou planos de engenharia, motorização, desempenho, número de cabines ou dados de tonelagem — apenas descrições vagas de luxo.
Nenhum estaleiro assumiu ter recebido encomenda, e nenhuma seguradora marítima reconheceu o projeto.
Para a Admiral Marine, seguradora britânica especializada, o History Supreme é “quase certamente um mito de marketing”, pois “não há registro, fotos autênticas nem testemunhos verificados”.
Um estudo de caso sobre credulidade
O caso do History Supreme tornou-se uma lição sobre como notícias virais podem distorcer a realidade. O próprio designer Stuart Hughes, embora nunca tenha desmentido formalmente, tampouco apresentou provas tangíveis.
Seu nome, até então associado a objetos luxuosos como iPhones e iPads folheados a ouro, ganhou projeção global — exatamente o que uma campanha publicitária buscaria.
Para a Motor Boat & Yachting, o episódio revelou “a facilidade com que histórias absurdas são reproduzidas sem checagem mínima”.
Já a Megayacht News observou que o caso ilustra a importância de distinguir entre design de luxo e engenharia naval real. Byrne escreveu: “O History Supreme fez história — mas como ficção”.
Mesmo assim, a lenda persiste. Em 2024, o tabloide britânico The Sun voltou a mencionar o “iate banhado a ouro e com paredes de ossos de T-Rex”, ressaltando, porém, que ninguém jamais o viu e que provavelmente “nunca existiu de fato”.
Blogs e canais de curiosidades continuam listando o History Supreme como “o mais caro do mundo”, mesmo após a ampla refutação. A ausência de provas, paradoxalmente, alimenta o mito — quanto mais invisível o iate, mais lendário ele parece.
Conclusão: o luxo que nunca navegou
Quatorze anos depois de sua suposta construção, o History Supreme segue como o exemplo máximo de exagero no universo do luxo.
Nunca foi visto, registrado ou confirmado por qualquer entidade marítima, mas continua sendo citado como “o iate mais caro do mundo”.
A história combina elementos irresistíveis: riqueza sem limites, um designer excêntrico e a imaginação coletiva fascinada por excessos.
No entanto, ao examinar os fatos, o resultado é claro: não há iate, apenas uma narrativa brilhante — e falsa.
O caso é lembrado hoje em publicações náuticas e acadêmicas como um alerta sobre credulidade midiática.
Como escreveu o Yacht Harbour, “para os iniciados, sempre foi óbvio que um iate de 30 metros coberto de ouro não poderia existir; mas, às vezes, a ficção dourada navega mais rápido do que a verdade”.



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