A fábrica de Oppama, inaugurada em 1961 e símbolo da ascensão industrial japonesa, será fechada até 2028. A decisão da Nissan coloca em risco milhares de empregos e levanta incertezas sobre o futuro do vasto terreno ocupado pela planta.
A Nissan vai encerrar a produção de veículos em Oppama até março de 2028, em Yokosuka, ao sul de Tóquio, e transferir a montagem para a unidade de Kyushu, a cerca de mil quilômetros.
A decisão integra um plano amplo de reestruturação para reduzir capacidade e custos em meio à pior crise financeira da montadora em décadas.
No centro da mudança estão 2.400 empregos e o futuro de um terreno com mais de 1,7 milhão de m², cujo uso pós-fábrica ainda é incerto.
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Fechamento confirmado e impacto direto
Inaugurada em 1961, Oppama foi por anos a principal fábrica da Nissan no Japão e berço do Leaf, lançado em 2010 como o primeiro elétrico de grande escala da marca.
A empresa anunciou que a linha de montagem será desativada no fim do ano fiscal de 2027, com a produção remanejada para Kyushu.
Funcionários permanecerão empregados até o encerramento das operações no local, enquanto a empresa negocia realocação e recolocação. A perda atinge uma cidade que cresceu em torno da montadora.
Em Yokosuka, a Nissan emprega diretamente uma fatia relevante da população — Oppama fica em um distrito com cerca de 29,7 mil moradores, e a fábrica tornou-se rotina na vida local, com visitas à planta e atividades comunitárias articuladas pela companhia.
Terreno valioso e uso futuro em disputa
Sem decisão oficial sobre o terreno de mais de 1,7 milhão de m², proliferam hipóteses. Autoridades locais defendem que o espaço contribua para revitalização urbana e geração de empregos.
Circulam possibilidades como resort ou parque temático, bem como uso pela indústria de defesa, já que Yokosuka abriga instalações militares.
Há ainda relatos de que a Foxconn teria discutido alternativas com a Nissan para produzir veículos elétricos no local. A direção, porém, afirma que não considera terceirizar a produção e que avalia apenas “opções” para a área após o desligamento da linha.
Reestruturação global e números do ajuste
O fechamento de Oppama é peça de um realinhamento que prevê reduzir a capacidade anual de 3,5 milhões para 2,5 milhões de veículos, consolidar fábricas de 17 para 10 e eliminar cerca de 20 mil postos globalmente.
A empresa reportou prejuízo anual em 2024/25, pressionada por baixa de vendas em mercados-chave e encargos de reestruturação. No curto prazo, a estratégia busca elevar utilização de plantas e simplificar a operação.
A Nissan informou que estruturas próximas — como centros de pesquisa e pista de testes — permanecerão ativas na região de Oppama, preservando parte do ecossistema industrial.
Por que Oppama perdeu relevância
Há quase duas décadas, a fábrica montava sete modelos; hoje, apenas dois. O declínio reflete a mudança acelerada do mercado, com a Tesla ganhando espaço nos elétricos e, mais recentemente, a ofensiva de montadoras chinesas, lideradas pela BYD.
Mesmo tendo sido um marco no início da eletrificação, o Leaf perdeu tração diante de concorrentes com maior autonomia, software mais integrado e ciclos de atualização mais curtos.
Outro fator foi a necessidade de simplificar plataformas e concentrar volumes onde há escala competitiva. Ao transferir modelos para Kyushu, a Nissan tenta reduzir custos logísticos, equalizar a cadeia de fornecedores e elevar a taxa de uso das linhas.
Efeito social em Yokosuka
Nos arredores da planta, comerciantes e prestadores de serviço se preparam para a queda no movimento.
Dono de uma mercearia de família, Yuji Fujita definiu o anúncio como “o pior cenário possível” e lembrou o trauma de Zama, fechada em 1995, o primeiro encerramento de uma fábrica de automóveis no Japão no pós-guerra.
Moradores temem uma desorganização do mercado de trabalho local e maior êxodo de jovens. Ainda não há número fechado de transferências para Kyushu. Sindicatos pedem garantias de realocação e apoio para quem não puder se mudar.
A administração municipal pressiona por um plano de transição que reduza o impacto imediato em renda, comércio e serviços, e que atraia novos investimentos para o terreno, seja industriais, seja de serviços.
Pressão sobre fornecedores e consolidação no setor
A cadeia automotiva japonesa atravessa um período de ajuste. Fornecedores de pequeno e médio porte, menos capitalizados e expostos à queda de volume, sofrem com custos de transformação em elétricos, software e direção assistida.
O último ano fiscal registrou alta de falências entre empresas do entorno, movimento atribuído por consultorias à combinação de demanda instável, endividamento e atraso tecnológico.
No campo corporativo, a reestruturação da Nissan reativou conversas no mercado. KKR apareceu como interessada em ativos após o fracasso das tratativas com a Honda no início do ano.
A própria Foxconn, além dos rumores sobre Oppama, vem ampliando alianças automotivas na Ásia. Nenhum desses caminhos, contudo, foi transformado em decisão formal a respeito do futuro do terreno em Yokosuka.
Emprego vitalício em xeque
O caso Oppama simboliza também a erosão do shūshin koyō, o modelo de emprego vitalício que marcou o pós-guerra.
À medida que o país enfrenta envelhecimento demográfico e mão de obra escassa, empresas se veem forçadas a ajustar estruturas que eram consideradas perenes.
Fechamentos como o de Zama, nos anos 1990, pareciam exceção; hoje, sinais de consolidação e ajustes profundos multiplicam-se.
Nessa transição, a disputa política e social se volta a como manter a base produtiva do país numa fase em que tecnologia, capital e talento decidem a competitividade.
Em Yokosuka, permanece a dúvida sobre que combinação de indústria, serviços e inovação poderá substituir, em escala, uma fábrica que moldou a economia local por mais de seis décadas.
Alívio possível ou nova vocação?
Enquanto negociações avançam, a prefeitura insiste para que o uso futuro do terreno crie empregos e revitalize a região.
Se vier uma solução industrial — como uma parceria para produzir veículos elétricos —, parte do know-how e da cadeia de fornecedores pode ser preservada.
Caso prevaleça um projeto de lazer ou defesa, a vocação do distrito mudará, exigindo requalificação profissional e novos serviços.
Ainda que a decisão esteja tomada para a linha de montagem, a história do terreno de Oppama segue em aberto.
O desfecho definirá não só o destino dos 2.400 trabalhadores, mas também o perfil econômico de Yokosuka nas próximas décadas.