A Etiópia inaugura seu maior projeto hidrelétrico, a GERD, prometendo energia limpa para milhões enquanto Egito e Sudão alertam para riscos hídricos
A Etiópia inaugurou oficialmente, em 9 de setembro de 2025, a Grande Barragem da Renascença (GERD), considerada o maior projeto hidrelétrico da África.
Com capacidade para gerar mais de 5.000 megawatts (MW), a estrutura promete transformar a matriz energética do país e impulsionar o fornecimento de energia limpa para toda a região.
No entanto, o avanço da obra reacende tensões diplomáticas com Egito e Sudão, países que dependem diretamente das águas do Nilo Azul.
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Etiópia aposta em energia limpa com a GERD
A GERD é um marco estratégico para a Etiópia, que busca se consolidar como potência energética no continente africano. A barragem, localizada na região de Benishangul-Gumuz, próxima à fronteira com o Sudão, possui 145 metros de altura e 1.800 metros de largura. Seu reservatório pode armazenar até 74 bilhões de metros cúbicos de água.
O projeto hidrelétrico, iniciado em 2011, custou cerca de 4 bilhões de dólares e já vinha operando parcialmente desde 2022. Com a inauguração completa, a expectativa é dobrar a capacidade energética do país, onde mais da metade da população ainda vive sem acesso confiável à eletricidade. A energia gerada será utilizada para abastecer residências, indústrias e também para exportação.
Além de reduzir a dependência de fontes poluentes como carvão e lenha, a barragem representa um passo importante na transição da Etiópia para uma matriz baseada em energia limpa e renovável.
Egito e Sudão alertam para riscos hídricos
Apesar dos benefícios energéticos, a inauguração da GERD intensifica preocupações no Egito e no Sudão. Ambos os países estão localizados a jusante do Nilo Azul e dependem do rio para abastecimento de água potável, irrigação e agricultura. O Egito, em especial, retira cerca de 97% de sua água do Nilo e teme que o controle unilateral do fluxo pela Etiópia possa comprometer sua segurança hídrica.
O Sudão, por sua vez, enfrenta riscos diretos. A barragem está localizada próximo à fronteira sudanesa, e qualquer falha ou liberação abrupta de água pode causar inundações ou escassez. O país já lida com instabilidade política, guerra civil e desertificação, o que torna a gestão hídrica ainda mais crítica.
Ambos os governos exigem um acordo legal vinculativo que garanta o fluxo de água e mecanismos de cooperação, mas até o momento não houve consenso.
Projeto Hidrelétrico como símbolo de soberania da Etiópia
Para a Etiópia, a GERD é mais do que um projeto de infraestrutura: é um símbolo de soberania, orgulho nacional e independência energética. O governo etíope, liderado por Abiy Ahmed, defende que o projeto hidrelétrico não representa ameaça aos vizinhos e que pode, inclusive, trazer benefícios regionais.
A barragem pode ajudar a controlar enchentes no leste do Sudão e fornecer energia limpa para países vizinhos. A Etiópia já firmou contratos de exportação de eletricidade com Quênia, Sudão e Djibuti, e negociações estão em andamento com outros parceiros africanos.
Especialistas apontam que a geração de energia pela GERD não consome água, permitindo que o fluxo continue rio abaixo após passar pelas turbinas. Isso abre espaço para cooperação, desde que haja coordenação operacional entre os países envolvidos.
Impasse diplomático e ausência de acordo no projeto hidrelétrico
Desde o início da construção da GERD, em 2011, Egito e Sudão pressionam por um acordo juridicamente vinculativo que estabeleça regras claras para o enchimento do reservatório, operação da barragem e resolução de disputas. A Etiópia, no entanto, rejeita imposições externas e prosseguiu com o enchimento de forma unilateral.
As negociações mediadas pela União Africana, Estados Unidos e outras entidades internacionais não resultaram em consenso. O Egito chegou a considerar medidas diplomáticas mais duras, incluindo levar o caso ao Conselho de Segurança da ONU, mas até agora prevalece o impasse.
Segundo Tobias Zumbrägel, pesquisador da Universidade de Heidelberg, a GERD carrega forte carga simbólica e política. Para a Etiópia, ceder às exigências dos vizinhos seria abrir mão de sua autonomia sobre recursos naturais estratégicos.
Mudanças climáticas e o futuro da bacia do Nilo
A bacia do Nilo enfrenta desafios crescentes com os efeitos da mudança climática. Chuvas irregulares, secas prolongadas e aumento das temperaturas afetam diretamente o desempenho das hidrelétricas. Projeções indicam aumento na precipitação média na região, mas com maior variabilidade e eventos extremos.
A evaporação no planalto etíope é significativamente menor do que nas regiões áridas do Egito, o que torna o armazenamento de água mais eficiente na GERD. Isso abre espaço para uma gestão integrada entre as represas da Etiópia e do Egito, como a Represa Alta de Assuã.
Kevin Wheeler, pesquisador da Universidade de Oxford, destaca que a cooperação entre os países pode ser a chave para enfrentar anos de escassez hídrica. A água armazenada na Etiópia poderia ser liberada estrategicamente para ajudar os vizinhos em tempos críticos, desde que haja confiança mútua e coordenação técnica.
Energia limpa e integração regional na Etiópia
A GERD representa uma oportunidade única para promover integração energética na África Oriental. Com capacidade para abastecer milhões de pessoas e exportar eletricidade para países vizinhos, o projeto hidrelétrico pode impulsionar o crescimento econômico regional.
A energia limpa gerada pela barragem pode substituir fontes poluentes e contribuir para metas climáticas globais. Além disso, o projeto pode estimular investimentos em infraestrutura, tecnologia e capacitação técnica, fortalecendo a posição da Etiópia como líder em energia renovável no continente.
Caminhos possíveis para a estabilidade regional da Etiópia
A inauguração da Grande Barragem da Renascença da Etiópia (GERD) marca um divisor de águas — literal e figurativamente — para o futuro da África Oriental. O projeto hidrelétrico é uma conquista técnica e estratégica para a Etiópia, que busca garantir energia limpa, crescimento econômico e protagonismo regional.
No entanto, o sucesso da GERD depende da capacidade dos países envolvidos de transformar tensão em diálogo. A cooperação entre Etiópia, Egito e Sudão é essencial para garantir que os benefícios da barragem sejam compartilhados de forma justa e sustentável.
A gestão integrada dos recursos hídricos, baseada em ciência, transparência e respeito mútuo, pode abrir caminho para uma nova era de estabilidade e desenvolvimento. A GERD não precisa ser um ponto de ruptura — pode ser o início de uma parceria regional que valorize tanto a energia quanto a água como bens comuns.