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Governo quer colocar asfalto em BR que passa pela Amazônia, mas isso pode afetar áreas preservadas e pode agravar crise climática. É o que dizem pesquisadores

Escrito por Alisson Ficher
Publicado em 30/09/2024 às 18:47
Pavimentação da BR-319 ameaça Amazônia e clima do Brasil. Pesquisadores alertam para desmatamento, perda de chuvas e impacto em comunidades indígenas. (Foto: Divulgação/ IA)
Pavimentação da BR-319 ameaça Amazônia e clima do Brasil. Pesquisadores alertam para desmatamento, perda de chuvas e impacto em comunidades indígenas. (Foto: Divulgação/ IA)

Pavimentação da BR-319 pode causar danos irreversíveis à Amazônia, impactando o clima e as comunidades indígenas. Pesquisadores apontam que a obra favorece o desmatamento e a grilagem, além de alterar o regime de chuvas no Brasil.

Com a promessa de melhorar a infraestrutura e facilitar o transporte entre os estados do Amazonas e Rondônia, a pavimentação da BR-319 parece uma solução simples para muitos.

Porém, pesquisadores afirmam que os danos causados pela obra podem ser irreversíveis.

O debate sobre o impacto ambiental vem ganhando força, principalmente diante dos riscos de desmatamento acelerado e suas consequências para o clima.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recentemente visitou a região e defendeu a retomada da pavimentação da rodovia, assegurando que a obra não resultaria em desmatamento.

Lula afirmou que o governo tomaria medidas para impedir a destruição florestal e a grilagem de terras ao longo da rodovia, algo comum em áreas vulneráveis da Amazônia.

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No entanto, especialistas e comunidades locais discordam, apontando sinais evidentes de que a destruição já está em curso.

Impactos ambientais já são visíveis

Segundo ambientalistas, o progresso da BR-319 está resultando em um aumento expressivo de grilagem de terras, desmatamento e caça ilegal.

Moradores de Terras Indígenas (TIs) próximas à rodovia relatam que já podem perceber os danos, como o soterramento de nascentes e a exploração predatória de madeira.

Um morador, que preferiu manter o anonimato por medo de represálias, afirmou que as nascentes de 57 igarapés já foram destruídas devido às obras.

O biólogo Lucas Ferrante, da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), reforça que o impacto da pavimentação da BR-319 já afeta profundamente o modo de vida de comunidades indígenas.

A destruição da floresta não se limita à rodovia principal, mas se estende aos ramais – estradas menores que ligam as cidades à BR-319, incentivando a invasão de terras públicas por grileiros.

Pavimentação da BR-319 ameaça Amazônia e clima do Brasil. Pesquisadores alertam para desmatamento, perda de chuvas e impacto em comunidades indígenas. (Foto: Divulgação/ DNIT)
Pavimentação da BR-319 ameaça Amazônia e clima do Brasil. Pesquisadores alertam para desmatamento, perda de chuvas e impacto em comunidades indígenas. (Foto: Divulgação/ DNIT)

Mudanças climáticas podem se intensificar

A devastação causada pela BR-319 também coloca em risco o sistema de evapotranspiração da Floresta Amazônica, responsável pela formação dos “rios voadores” – grandes correntes de vapor d’água que ajudam a manter o regime de chuvas no Brasil.

Ferrante alerta que, a longo prazo, a pavimentação da rodovia pode reduzir em até 70% as chuvas que abastecem as regiões Sul e Sudeste do país.

Isso poderia gerar colapsos no sistema Cantareira, que abastece São Paulo, comprometendo o fornecimento de água para milhões de pessoas.

Além disso, as mudanças no ciclo hidrológico podem aumentar as temperaturas e intensificar ondas de calor na região de Manaus e na Amazônia Central.

Segundo Ferrante, a destruição da floresta também prejudica o transporte fluvial, essencial para as comunidades amazônicas, uma vez que o soterramento dos igarapés impede o fluxo natural de rios como o Madeira.

Retomada das obras intensifica o desmatamento

De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento na área da BR-319 cresceu 122% entre 2020 e 2022, coincidindo com o anúncio da retomada das obras pelo governo de Jair Bolsonaro em 2020.

Agora, sob o governo de Lula, a pavimentação continua avançando, alimentando o receio de que a situação piore ainda mais.

A organização Observatório do Clima entrou com uma Ação Civil Pública (ACP) em janeiro de 2024, exigindo a suspensão da licença prévia emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em 2022.

A ação destaca que a licença foi concedida sem levar em consideração dados técnicos e análises científicas que apontavam para os riscos ambientais.

Em resposta, a licença foi suspensa, mas as obras continuam em partes não asfaltadas da rodovia.

A BR-319 e os riscos para comunidades indígenas

A BR-319 passa por 13 municípios, 28 unidades de conservação e 69 comunidades indígenas, incluindo povos isolados, segundo levantamento do Observatório BR-319.

Para os críticos, a pavimentação ameaça diretamente essas populações, levando ao aumento do desmatamento e de conflitos fundiários.

Um indígena da etnia Apurinã, que vive nas terras Igarapé São João e Tawamirim, relatou que sua comunidade enfrenta pressões intensas da prefeitura de Tapauá para a abertura de novas estradas que conectariam suas terras à BR-319.

Ele também mencionou ameaças de morte por denunciar crimes ambientais, evidenciando a tensão que as obras estão gerando na região.

Seca histórica no Amazonas e as controvérsias da BR-319

O estado do Amazonas está enfrentando uma das piores secas de sua história, com comunidades isoladas e rios secos.

Para o biólogo Lucas Ferrante, a pavimentação da BR-319 não ajudará os municípios mais atingidos, já que muitos deles estão longe da rodovia e não se beneficiam diretamente dela.

A obra, segundo ele, apenas piora a situação ao prejudicar o ciclo de chuvas e o transporte fluvial, que é a principal forma de deslocamento na Amazônia.

“O Amazonas tem uma geografia única e não pode ser tratado da mesma forma que outros estados brasileiros”, afirma Ferrante, reforçando que os rios da região são fundamentais para a economia local.

Um projeto ultrapassado?

Conforme Paulo Busse, advogado do Observatório do Clima, o atual projeto da BR-319 não atende às exigências de proteção ao meio ambiente.

Ele sugere que um novo projeto, atualizado e que inclua cuidados com os povos tradicionais e o ecossistema, poderia ser discutido.

O projeto original da rodovia foi criado nos anos 60, quando as preocupações ambientais eram praticamente inexistentes.

Rever essa proposta sob uma ótica mais moderna é essencial para equilibrar o progresso com a preservação da Amazônia.

Até o momento, o governo federal não respondeu aos questionamentos sobre as declarações de Lula nem sobre a possibilidade de revisão do projeto.

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Alisson Ficher

Jornalista formado desde 2017 e atuante na área desde 2015, com seis anos de experiência em revista impressa e mais de 12 mil publicações online. Especialista em política, empregos, economia, cursos, entre outros temas. Se você tiver alguma dúvida, quiser reportar um erro ou sugerir uma pauta sobre os temas tratados no site, entre em contato pelo e-mail: alisson.hficher@outlook.com. Não aceitamos currículos!

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