Governo quer aproveitar alta popularidade após isenção do IR para destravar pautas trabalhistas e sociais, incluindo o fim da escala 6×1, a jornada de quatro dias e o plano nacional de tarifa zero no transporte público.
Impulsionado pela recente aprovação, na Câmara dos Deputados, da isenção do Imposto de Renda para salários de até R$ 5 mil — medida que segue ao Senado —, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva articula novos passos em duas frentes com apelo entre trabalhadores: pôr fim à escala 6×1 e avançar no debate da jornada de quatro dias, além de estruturar um plano de tarifa zero no transporte público com participação da União no custeio.
A coordenação política quer aproveitar a janela de popularidade para destravar a pauta no Congresso.
Segundo parlamentares envolvidos, a equipe do Planalto marcou conversas com líderes da base aliada para sondar caminhos e ajustar um texto viável.
-
Brasil esquece o dólar: moeda chinesa avança como nunca e ouro volta ao topo das reservas do Banco Central em meio à virada geopolítica global
-
Câmbio e endividamento reduzem efeito da nova isenção do IR na economia
-
Justiça condena empresa após funcionário ser pego pela Receita Federal
-
‘Quem pode, mete o pé do Brasil’: advogado dispara ao revelar que 11 mil brasileiros e empresas já mandaram dinheiro para fora após reforma tributária
A deputada Erika Hilton (PSOL-SP), autora da proposta de redução da jornada, relatou ter alinhado com a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, uma reunião com representantes de partidos de esquerda — PT, PSOL, PCdoB e PSB — e também de legendas aliadas como MDB e PSD.
A ideia, afirmou, é “entender como eles estão se posicionando e qual texto eles querem construir para tentar criar um consenso entre as lideranças”.
Na avaliação de Hilton, o tema “ganhou tração e não pode deixar essa bola quicando”.
Jornada de quatro dias e fim da escala 6×1
Protocolada em fevereiro, a PEC 8/2025 altera o inciso XIII do artigo 7º da Constituição para fixar a jornada em quatro dias por semana, com até oito horas diárias e 36 horas semanais, extinguindo o modelo 6×1.
O texto prevê compensação de horários e redução de jornada por meio de acordo ou convenção coletiva.
A proposição já obteve mais de 200 assinaturas para iniciar a tramitação e aguarda despacho do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) para seguir à CCJ.
Enquanto não entra formalmente no rito, o tema passou a ser debatido em subcomissão especial vinculada à Comissão do Trabalho.
O Planalto cita o compromisso público de Lula, feito no pronunciamento pelo Dia do Trabalhador, de “aprofundar o debate sobre a redução da jornada de trabalho” ouvindo “todos os setores da sociedade” para “permitir um equilíbrio entre a vida profissional e o bem-estar de trabalhadores e trabalhadoras”.
A leitura no governo é que a agenda, sensível às centrais sindicais, precisa ser combinada com segurança jurídica e análise de impactos setoriais para superar resistências.
Resistência de indústria e comércio
Entidades do setor produtivo se manifestam contra a mudança.
A CNI argumenta que a redução para 36 horas semanais traria aumento de custos, riscos à competitividade e impactos mais severos em micro e pequenas empresas.
Representantes do comércio também apontam possível pressão sobre preços e cortes de postos de trabalho caso a carga semanal caia sem readequações graduais.
Para essas entidades, eventuais alterações deveriam ser tratadas prioritariamente na negociação coletiva.
Ainda assim, defensores da PEC afirmam que a modernização da jornada — sem redução salarial — teria potencial de reduzir adoecimento, elevar produtividade e distribuir melhor o tempo entre trabalho, estudo e família, aproximando o Brasil de experiências internacionais de semana reduzida.
A disputa seguirá na CCJ e, se admitida, em comissão especial antes de chegar ao plenário.
Tarifa zero e modelo de subsídio federal
Em paralelo, o Planalto quer amadurecer um desenho nacional para tarifa zero em ônibus e trilhos a partir de subsídio federal combinado com estados e municípios.
A pedido de Lula, o Ministério da Fazenda elabora estudo de viabilidade sobre a gratuidade todos os dias, incluindo fontes de financiamento e formas de implementação gradual.
Interlocutores no governo e no Congresso reconhecem que o desenho não é simples: o modelo deve considerar realidades tarifárias distintas, qualidade do serviço e compartilhamento de custos.
O PT pretende nacionalizar o debate e transformá-lo em política pública.
O secretário nacional de Comunicação do partido, Éden Valadares, disse que é preciso trazer a discussão, que hoje ocorre cidade a cidade, para o âmbito federal.
Em suas palavras, aumentos de tarifa sempre reacendem a pauta nas capitais; por isso, a legenda defende modelagens escalonadas até a consolidação de uma política abrangente.
“Conseguirmos, como qualquer política pública nacional, apertar um botão ou virar uma chave e de repente todos os ônibus e metrôs do Brasil são grátis, não é assim. Vamos estudando, modulando, começa por um tipo de modelagem, por algumas cidades, e vai escalonando até virar uma política nacional”, afirmou.
Experiências locais e articulação no Congresso
Municípios e estados governados por partidos da base já operam gratuidade.
Maricá (RJ) oferece ônibus municipais sem tarifa desde 2014, com frota pública dedicada.
Teresina (PI) adotou tarifa zero no metrô/VLT a partir de janeiro de 2025, política anunciada pelo governo estadual e mantida ao longo do ano.
Esses exemplos vêm sendo usados como vitrines para discutir fontes de subsídio, desenho institucional e indicadores de desempenho.
No Legislativo, o tema também avança por meio de frentes e projetos.
O deputado Jilmar Tatto (PT-SP), coordenador da Frente Parlamentar da Tarifa Zero, participa de audiências públicas pelo país e mantém diálogo com a Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP).
Segundo o parlamentar, os municípios relatam dificuldades para reduzir tarifas por falta de subsídio regular.
Na visão dele, a entrada do governo federal com uma parcela do custeio poderia provocar contrapartidas de estados e prefeituras, criando um mecanismo de cofinanciamento.
Estratégia e desafios políticos
A estratégia do governo combina articulação legislativa e sinalização pública.
Na pauta trabalhista, o objetivo é destravar a admissibilidade da PEC na CCJ e organizar audiências com setor produtivo, trabalhadores e especialistas, de modo a ajustar o texto sem descaracterizar o núcleo de 36 horas semanais e semana de quatro dias.
No transporte, a Fazenda trabalha em cenários para subsídio federal e em modelos graduais, que podem começar por cortes parciais (faixas, horários ou dias específicos) e evoluir conforme a disponibilidade orçamentária e a adesão de entes federados.
No Planalto, auxiliares avaliam que a aprovação, na Câmara, da faixa de isenção do IR até R$ 5 mil — com compensações em alíquotas superiores — criou um ambiente de boa vontade política na base e entre segmentos do centro, algo raro em matérias de alto impacto social e fiscal.
Porém, tanto a jornada 4×3 quanto a tarifa zero esbarram em cálculos de custo e resistência setorial, o que exige negociação fina e previsibilidade de financiamento.
Em meio a esse tabuleiro, a pergunta que ecoa entre governo, Congresso, empresas e trabalhadores é simples e direta: o Brasil está disposto a reorganizar o tempo de trabalho e o modelo de financiamento do transporte público para dar um salto de qualidade na vida nas cidades — e, em caso afirmativo, por onde começar?