Meio século após o estudo “Limites do Crescimento”, novas análises mostram que a humanidade está em uma década decisiva para evitar declínio global.
Em 1972, o Clube de Roma lançou “Limites do Crescimento”. A publicação utilizava o modelo computacional World3 para simular como cinco forças interativas moldariam o futuro: população, produção industrial, produção de alimentos, uso de recursos e poluição.
A principal mensagem era clara: se o mundo seguisse o caminho do crescimento sem limites, a humanidade ultrapassaria a capacidade do planeta, com declínios inevitáveis no século XXI.
Além do alerta, o livro também mostrou alternativas. Uma transição gerida, baseada em estabilização da população, controle do consumo e investimentos em eficiência, poderia garantir padrões de vida sustentáveis.
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A obra foi polêmica, mas acabou moldando a conversa moderna sobre limites planetários e a necessidade de mudança.
A verificação de 2020
Quase cinco décadas depois, a analista Gaya Herrington revisitou o modelo.
Publicado no Journal of Industrial Ecology em 2020, seu estudo comparou cenários do World3 com dados reais de população, produção, mortalidade, fertilidade, recursos e bem-estar humano.
A conclusão foi inquietante. O mundo seguia um caminho próximo ao “business as usual”, isto é, a continuidade do crescimento como meta principal.
Nesse cenário, o modelo apontava para declínios em produção agrícola, capital industrial e bem-estar ao longo do século. Herrington destacou que isso não era uma previsão catastrófica, mas um alerta estrutural.
Segundo ela, a crise poderia se intensificar já na década seguinte, com impactos mais profundos até 2040.
Mesmo avanços tecnológicos sem precedentes não seriam suficientes, porque o crescimento ilimitado amplifica os estresses quando os limites ecológicos são violados.
Implicações do estudo
Herrington conduziu a pesquisa de forma independente, como parte de seu mestrado em Harvard. A KPMG, onde trabalhava, publicou o estudo, mas não se tratava de um relatório corporativo. O método foi simples: comparar dados reais com as curvas de feedback do World3.
O resultado mostrou que o padrão identificado em 1972 ainda descrevia o mundo atual. O crescimento sem ajuste estrutural leva inevitavelmente a uma fase de excesso seguida de declínio.
A atualização de 2022
Dois anos depois, em maio de 2022, Herrington publicou nova reflexão. No texto “O que um modelo mundial de 50 anos nos diz sobre o caminho a seguir hoje”, ela reforçou que os dados ainda estavam alinhados com múltiplos cenários. O detalhe crucial é que divergências mais significativas surgiriam após 2020.
Isso significa que estamos exatamente na janela de escolhas que definirão o futuro. O cenário chamado “Mundo Estabilizado” aparece como alternativa viável. Nele, a sociedade desloca seu objetivo da maximização da produção industrial para a eficiência de recursos, controle da poluição e fortalecimento dos serviços de saúde e educação.
Herrington destacou que o mundo real ainda não seguia claramente esse rumo, mas também não estava distante demais. Era uma chance de “agora ou nunca”. A questão central é se a humanidade conseguirá abandonar o crescimento como princípio organizador.
As bases de um futuro equilibrado
A diferença entre declínio e estabilidade não é abstrata. Depende da capacidade de redefinir prioridades em torno do bem-estar humano e ecológico. Herrington também indicou o livro “Terra para Todos”, publicado em 2022 pelo Clube de Roma, como guia prático de transformação.
O recado era direto. As decisões desta década moldarão a vida até o fim do século. Se mudarmos metas e investimentos, ainda é possível alcançar melhores resultados.
A recalibração do modelo
Após o trabalho de Herrington, uma nova equipe voltou ao World3. A pergunta agora era diferente: se os parâmetros fossem atualizados com dados modernos e maior poder computacional, os resultados mudariam?
A pesquisa, conduzida por Nebel e colegas e publicada no Journal of Industrial Ecology, recalibrou o modelo sem alterar sua estrutura básica. O objetivo era alinhar os parâmetros às evidências mais recentes.
O resultado, porém, foi semelhante. Mesmo com ajustes, o sistema ainda apontava para “ultrapassagem e colapso”. A produção industrial começaria a cair em meados da década de 2020. A população teria declínio a partir de 2030. A produção de alimentos atingiria o pico nesse período, sugerindo que ganhos tecnológicos podem aumentar o limite, mas também acentuar a queda quando este é ultrapassado.
Impactos ambientais e bem-estar
Os impactos ambientais também foram reavaliados. A poluição persistente estava abaixo da trajetória padrão original, mas a recalibração indicou que seus efeitos podem durar mais tempo, gerando níveis cumulativos mais altos.
Outro dado relevante foi a curva de “desenvolvimento humano”. Interpretada por Joachim Klement, essa curva sugere que o presente está próximo de um pico global. Se nada mudar, a média de bem-estar pode cair a níveis comparáveis aos de 1900 até o fim do século.
Os autores alertaram que os feedbacks de um sistema em expansão não são iguais aos de um sistema em declínio. Isso significa que a forma do colapso pode ser diferente do que o modelo prevê. Mas a mensagem principal é clara: a interrupção do crescimento exponencial decorre principalmente do esgotamento de recursos, com recessão interconectada prevista entre 2024 e 2030.
O ponto de convergência
Quando reunidos, os estudos de Herrington e de Nebel et al. chegam a conclusões semelhantes. O primeiro mostrou que os cenários originais ainda descrevem o mundo atual. O segundo comprovou que, mesmo com dados mais ricos, a dinâmica estrutural permanece a mesma.
Ambos reforçam que, sem mudança de objetivos, continuaremos em direção a limites inseguros, com declínios simultâneos na produção, alimentação e bem-estar.
O que aprendemos até aqui
O modelo de 1972 ainda explica a situação. Herrington mostrou que a trajetória recente acompanhou de perto o cenário de crescimento desenfreado. Sua reflexão de 2022 deixou claro que as escolhas após 2020 são decisivas.
Já a recalibração de Nebel et al. reforçou que não adianta intensificar o mesmo padrão. A estratégia de “mais do mesmo, só que mais rápido” não resolve. Pelo contrário, transforma soluções temporárias em novas fragilidades.
Uma janela estreita de ação
A mensagem que emerge é simples e ao mesmo tempo urgente. O caminho de estabilidade não é fantasia, mas sim resultado da mesma estrutura de feedback que gera colapso em outro contexto. Ao mudar os objetivos, é possível redirecionar os ciclos para fortalecer resiliência.
Esse caminho exige menos recursos por unidade de bem-estar, investimentos em redução da poluição e expansão de serviços sociais. Saúde e educação aparecem como fatores que melhoram a qualidade de vida sem depender do aumento constante de produção material.
Precisão sobre incertezas
Os estudos não afirmam quando exatamente cada país sentirá os efeitos. O modelo World3 trabalha com dinâmica global. Também não negam a importância da tecnologia. Pelo contrário, ela pode adiar picos e ampliar limites.
Mas há um risco: sem mudança estrutural, esses ganhos tecnológicos podem gerar superações mais severas. Dennis Meadows, coautor de “Limites do Crescimento”, já havia alertado que picos mais altos levam a quedas mais duras.
Herrington enfatizou que tecnologia com o mesmo objetivo de crescimento nos mantém na curva errada. Quando aplicada para eficiência, redução de danos e desenvolvimento humano, pode levar ao cenário de estabilidade.
A recalibração também destacou que sistemas em declínio se reorganizam de formas que o modelo original não prevê. Isso não é motivo para descartar o alerta. Pelo contrário, reforça a necessidade de agir antes, quando ainda há margem de manobra.
A década decisiva
O conjunto de estudos não aponta o colapso como inevitável. Mostra que ele é um risco real se mantivermos os mesmos objetivos. Evitá-lo depende de escolher novas prioridades.
Se o mundo insistir em crescimento ilimitado, os dados sugerem que entrará em fase de declínio ainda nesta década. Mas se adotar o “Mundo Estabilizado”, ainda há chance de alcançar equilíbrio entre bem-estar humano e limites planetários.