Nestlé, Unilever, Dengo e Mondelēz anunciam metas e aportes para soja, cacau, leite e café, enquanto estudos apontam potencial de US$ 100 bilhões no Cerrado até 2050; COP30 em Belém coloca o Brasil no centro do debate.
A expressão agricultura regenerativa saiu do jargão técnico para o centro das estratégias de grandes marcas de alimentos. O impulso vem de metas climáticas, pressão de consumidores e de investidores, além da proximidade da COP30, marcada para 10 a 21 de novembro de 2025, em Belém (PA).
Na prática, o conceito combina técnicas já difundidas no campo brasileiro — como plantio direto, integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) e uso de bioinsumos — com métricas de carbono, biodiversidade e água. É uma evolução do “produzir com menos impacto” para regenerar o que foi degradado.
O termo ganhou tração global nos anos 1980, quando Robert Rodale ajudou a popularizar a ideia de “regenerar, e não apenas sustentar”. No Brasil, a combinação entre tradição agropecuária e ciência da Embrapa acelerou a adoção de sistemas integrados com ganhos de produtividade e resiliência climática.
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O que é agricultura regenerativa e por que ganhou força às vésperas da COP30
“Regenerar” envolve melhorar a saúde do solo, reter carbono, aumentar biodiversidade e otimizar água e nutrientes. Técnicas como plantio direto protegem o solo com cobertura vegetal e mínimo revolvimento, enquanto a ILPF diversifica a produção na mesma área, combinando culturas, pastagens e árvores. O resultado esperado é maior produtividade com menor risco climático.
O governo federal também empurra essa agenda. O Programa Nacional de Bioinsumos incentiva substitutos biológicos a insumos químicos e, no crédito rural, o Plano Safra trouxe linhas para recuperação de pastagens e práticas de baixo carbono. Isso reduz desmatamento ao aproveitar áreas já abertas.
Com a COP30 em Belém, o Brasil ganha vitrine para apresentar soluções de baixa emissão na agropecuária. O evento deve ampliar compromissos empresariais, parcerias e financiamentos voltados a paisagens produtivas regenerativas.
Os números que sustentam a corrida, do Cerrado aos bilhões em cacau e soja
Um estudo conduzido pela BCG, em parceria com MAPA, CEBDS e WBCSD, estima que adotar práticas regenerativas em 32,3 milhões de hectares no Cerrado pode gerar até US$ 100 bilhões em valor até 2050, conciliando produtividade e conservação. É um potencial que ajuda a reposicionar o Brasil como líder de bioeconomia.
Além do ganho econômico, o foco está em recuperar áreas degradadas, estabilizar estoques de carbono e reduzir emissões do uso da terra. O avanço no Cerrado, onde se concentram cadeias como soja e carne, é considerado decisivo para metas climáticas e segurança alimentar.
No cacau e no café — cadeias sensíveis ao clima — a transição para sistemas sombreados e agroflorestais já mostra ganhos de produtividade e renda, com empresas criando prêmios ao produtor que adere às práticas.
Quem está colocando dinheiro na agricultura regenerativa agora: Nestlé, Unilever, Dengo e Mondelēz
Nestlé. A companhia afirma ter ultrapassado a meta global de 30% de matérias-primas com práticas regenerativas no Brasil um ano antes, e reporta 41% de adoção ao fim de 2024. Na linha Nescafé Origens do Brasil, a empresa obteve certificação de carbono neutro e mantém parceria com a SOS Mata Atlântica para plantar uma árvore por embalagem.
Unilever. No projeto Renova Terra, a empresa e a CJ Selecta anunciam R$ 32 milhões para transição regenerativa da soja no Cerrado, com meta de 45 mil hectares até 2030 — o equivalente a 70% a 90% da pegada de soja usada por Hellmann’s no Brasil.
Dengo. A fabricante de chocolates opera com 100% de fornecedores em sistemas agroflorestais (SAF) desde a fundação e estima fixação de ~60 t de CO₂ por hectare, combinando produção de cacau com restauração de paisagem na Mata Atlântica e Amazônia.
Mondelēz. Por meio do programa Cocoa Life, a companhia elevou o investimento global para US$ 1 bilhão até 2030 e já cobre mais de 90% do volume de cacau com o programa, mirando 100% até 2025. A aposta é em capacitação, renda e reflorestamento em países produtores — Brasil incluído.
Obstáculos pouco falados: o que falta para escalar, métricas, crédito e assistência técnica
Especialistas e investidores alertam para os obstáculos, lacunas de métricas e definições divergentes do que é “regenerativo”, risco que pode abrir espaço a greenwashing. Setores financeiros e ONGs cobram padronização de indicadores de solo, biodiversidade e emissões para comparar projetos e liberar capital em escala.
No campo, produtores pedem assistência técnica contínua e financiamento acessível para cobrir custos de transição (sementes para cobertura, adubação verde, cercamento para manejo rotacionado, mudas florestais). Linhas de crédito para recuperação de pastagens e programas de bioinsumos ajudam, mas ainda não chegam com a velocidade necessária aos pequenos e médios.
Escalar a agenda também passa por compras preferenciais e prêmios de preço estáveis. Quando marcas pagam valores diferenciados por grãos de origem regenerativa, o produtor tende a permanecer no modelo e a disseminar práticas na região, criando redes de aprendizado.
O que muda para quem produz e para quem compra
Para o produtor, a adoção de práticas como plantio direto e ILPF tende a reduzir custos no longo prazo (menos revolvimento de solo, melhor ciclagem de nutrientes) e blindar a lavoura contra estiagens e extremos climáticos. Para a indústria, cadeias mais resilientes significam menos risco de suprimento e marcas alinhadas a metas ESG.
Para o consumidor, podem surgir selos e linhas neutras em carbono — como no Nescafé Origens — e, no médio prazo, maior oferta de produtos com rastreabilidade e restauração embutida. O desafio é evitar repasse de custos sem transparência e garantir que cada real investido gere benefício ambiental mensurável, não apenas comunicação.
No agregado, o Brasil tem a chance de liderar: ciência aplicada no campo, biomas estratégicos e grandes compradores já comprometidos. A COP30 pode ser o palco para atrelar metas empresariais a indicadores públicos e financiamento competitivo, acelerando a virada de chave.
E você, acredita que esses bilhões vão realmente regenerar o campo brasileiro ou servirão mais de vitrine de marketing? O produtor deve receber prêmios maiores por grão regenerativo? Deixe sua opinião nos comentários e conte como esse tema deveria afetar seus hábitos de compra.