Relatório da AIE mostra que quase 90% dos investimentos em petróleo desde 2019 têm servido apenas para compensar perdas na produção, e não para atender ao crescimento da demanda.
A Agência Internacional de Energia (AIE) publicou em 16 de setembro o relatório “Implicações das taxas de declínio dos campos de petróleo e gás”, revelando que o setor enfrenta um dilema histórico. De acordo com o documento, quase 90% dos aportes feitos desde 2019 foram direcionados apenas para compensar perdas naturais de produção, e não para expandir a oferta.
A estimativa da entidade é que, em 2025, os investimentos em petróleo fiquem em torno de US$ 570 bilhões. Esse volume seria suficiente para garantir um crescimento modesto nos próximos anos, mas a AIE alerta: qualquer redução pode transformar a expansão em estagnação.
A composição da oferta mudou nas últimas décadas
O relatório evidencia uma transformação significativa na origem do petróleo mundial. Em 2000, os campos convencionais respondiam por 97% da produção global. Já em 2024, essa participação caiu para 77%, reflexo do avanço do petróleo não convencional e do gás de xisto.
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Mesmo com essa diversificação, a produção segue concentrada em megacampos localizados na Rússia, no Oriente Médio e na América do Norte. A análise de mais de 15 mil áreas de exploração mostra que o declínio pós-pico chega a 5,6% ao ano no petróleo convencional e 6,8% no gás. O ritmo varia conforme o porte do campo, mas a tendência geral é de queda mais acelerada do que no passado.
Risco de quedas drásticas sem novos aportes
O relatório da AIE é categórico: se os investimentos parassem hoje, a produção mundial de petróleo cairia em média 8% ao ano. Para o gás, a redução seria ainda maior, de 9% ao ano. As perdas equivaleriam, no caso do petróleo, a toda a produção anual de países como Brasil e Noruega. No gás, seriam comparáveis à produção de toda a África.
Esse cenário se agrava pela crescente dependência de fontes não convencionais, que apresentam declínio muito mais rápido. Nos Estados Unidos, por exemplo, a produção de gás e petróleo de xisto pode cair mais de 35% em apenas um ano sem novos investimentos.
No entanto, a dinâmica varia entre regiões. Em países dependentes de fontes não convencionais, como os EUA, as quedas poderiam atingir 65% em dez anos. Já no Oriente Médio e na Rússia, onde predominam supercampos convencionais de declínio mais lento, a redução projetada é de cerca de 45%.
Essa concentração tende a aumentar a dependência global de poucas áreas produtoras, elevando os riscos para a segurança energética e deixando o mercado mais vulnerável a crises geopolíticas.
O desafio da reposição de reservas
A AIE calcula que, para manter os níveis atuais de produção até 2050, será necessário incorporar mais de 45 milhões de barris por dia de petróleo de novos campos convencionais. No caso do gás, a necessidade é de 2.000 bilhões de metros cúbicos adicionais.
Embora haja descobertas significativas ainda não desenvolvidas, o relatório lembra que projetos convencionais levam, em média, quase 20 anos para entrar em operação. Isso significa que a resiliência da oferta global dependerá de decisões rápidas de investimento e de regulação clara.
A agência reforça que o desafio não está apenas na reposição das reservas, mas também no equilíbrio entre a segurança energética e os compromissos climáticos. “Uma queda relativamente pequena no investimento em upstream pode significar a diferença entre o crescimento da oferta de petróleo e gás e a estagnação da produção. Ao mesmo tempo, menos investimento é necessário em um cenário de contração da demanda”, destacou o relatório.
Esse dilema coloca em evidência a necessidade de políticas públicas eficazes, parcerias internacionais e estratégias empresariais que conciliem expansão da oferta com os objetivos de transição energética.