Com reservas de 21 milhões de toneladas, Brasil busca transformar terras raras em indústria de alto valor, mirando autonomia estratégica em setores como energia limpa, mobilidade e tecnologia.
Na última segunda-feira, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou que a China precisa fornecer ímãs aos americanos ou enfrentará tarifas de 200% “ou algo parecido”.
A fala reforça o clima de tensão na disputa comercial e tecnológica entre as duas maiores economias do mundo, que desde o início do tarifaço têm imposto medidas de retaliação mútua.
A China, em contrapartida, tem buscado manter o controle sobre a oferta de terras raras.
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Em abril, o governo incluiu ímãs e outros itens estratégicos em sua lista de restrições de exportação, numa resposta direta às pressões de Washington.
Esse cenário escancara a importância dos minerais críticos e mostra como eles se tornaram alvos de disputas diplomáticas e econômicas.
Os ímãs entram nesse jogo porque estão presentes em praticamente toda a tecnologia moderna. De celulares a foguetes, eles sustentam setores que movimentam trilhões de dólares.
Portanto, o impacto de sua oferta vai muito além do comércio: afeta a soberania de países e a segurança de cadeias industriais inteiras.
O que são as terras raras
As terras raras formam um grupo de 17 elementos químicos. Apesar do nome, não são exatamente raros, mas sua extração e refino exigem tecnologia e investimentos elevados.
Eles são fundamentais para fabricar smartphones, carros elétricos, turbinas eólicas, equipamentos médicos, sistemas de defesa e até foguetes.
Os ímãs mais potentes do mundo são produzidos a partir de ligas que incluem neodímio e samário. Em aplicações de alta performance, como motores de veículos elétricos ou caças militares, adiciona-se disprósio para garantir maior estabilidade térmica.
Esses detalhes técnicos explicam porque controlar esse mercado é visto como uma arma estratégica.
Segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos, o Brasil possui cerca de 21 milhões de toneladas em reservas de terras raras.
Esse número coloca o país na segunda posição global, atrás apenas da China.
Além de reservas abundantes, o Brasil também tem energia limpa e competitiva, fator que pode ser decisivo para atrair investidores em busca de alternativas sustentáveis.
O Brasil no mapa das terras raras
Apesar da riqueza natural, o Brasil ainda exporta grande parte dos minerais em estado bruto.
Isso significa que o valor agregado da cadeia industrial acaba ficando em outros países.
O Ministério de Minas e Energia (MME) reconhece essa lacuna, mas aposta na possibilidade de criar uma indústria robusta a partir do potencial existente.
Nos últimos anos, iniciativas começaram a desenhar um novo cenário.
Entre elas, o Projeto MagBras, desenvolvido pelo SENAI, que busca estruturar uma cadeia nacional de produção de ímãs permanentes voltados para carros elétricos, energia renovável e eletrônicos.
Outro destaque é o fundo de participação de R$ 1 bilhão para pesquisa mineral, com foco em empresas juniores que podem trazer inovação.
Também estão em andamento as debêntures incentivadas para projetos ligados à transformação de minerais estratégicos.
Além disso, uma chamada pública de R$ 5 bilhões, organizada pelo BNDES, FINEP e o próprio MME, apoia plantas industriais e planos de negócio no setor.
O Serviço Geológico Brasileiro (SGB) realiza estudos para mapear melhor as reservas e analisar o reaproveitamento de rejeitos de mineração.
Oportunidade bilionária
O valor estratégico das terras raras vai muito além da mineração. O verdadeiro impacto econômico está em sua transformação em produtos industriais de alto valor.
Enquanto a exportação bruta gera ganhos limitados, o refino e a produção de ímãs podem movimentar bilhões de reais.
Essa mudança pode reduzir a dependência externa do Brasil em setores-chave. Hoje, praticamente todos os ímãs permanentes usados na indústria nacional são importados, principalmente da China.
Criar capacidade interna de produção significa não apenas gerar empregos e atrair investimentos, mas também fortalecer cadeias industriais ligadas a energia limpa, mobilidade elétrica e tecnologia de ponta.
Além disso, a aposta em terras raras pode ampliar a relevância do Brasil no cenário global.
Num momento em que grandes potências disputam esses recursos, quem tem capacidade de explorar e refinar ganha poder de negociação.
É nesse ponto que o país pode se transformar em ator estratégico, equilibrando dependência e autonomia.
A disputa global
Enquanto o Brasil se organiza para ocupar espaço, a disputa internacional segue acirrada. Neste ano, os Estados Unidos firmaram uma parceria com a Ucrânia para explorar seu potencial mineral.
Trump também chegou a anunciar um suposto acerto com a China para fornecimento temporário de ímãs e terras raras, embora Pequim nunca tenha confirmado oficialmente.
Apesar desses movimentos, especialistas afirmam que a vantagem continua com a China.
Além de concentrar as maiores reservas já em exploração, o país domina o processamento, detém patentes e desenvolveu know-how tecnológico ao longo de décadas.
Esse conjunto faz com que Pequim mantenha enorme poder de barganha, capaz de afetar cadeias produtivas globais.
Perspectivas para o Brasil
A chance de o Brasil se firmar como protagonista depende de decisões rápidas. O momento é favorável, porque a pressão entre EUA e China abre espaço para novos fornecedores.
A corrida global por minerais críticos exige que países diversifiquem suas cadeias de suprimento.
Se conseguir avançar em tecnologia de refino e criar polos industriais, o Brasil pode se transformar em alternativa confiável. Isso não significa rivalizar com a China, mas ocupar um espaço que pode render bilhões e reduzir a vulnerabilidade externa.
O caminho, porém, exige superar obstáculos como burocracia, insegurança regulatória e a falta de investimentos privados em larga escala.
O esforço também depende de articulação entre governo, universidades e empresas. Somente assim será possível transformar reservas em produtos acabados e disputar mercado internacional.
O ganho vai além da balança comercial: pode gerar empregos qualificados, atrair centros de pesquisa e criar uma cadeia integrada de inovação.
O Brasil, dono da segunda maior reserva mundial de terras raras, ainda está distante de converter esse potencial em liderança industrial.