Decisão inédita do TST altera critérios tradicionais de estabilidade provisória, reduzindo exigências formais e abrindo espaço para debates sobre proteção social, segurança jurídica e impactos diretos nas relações de trabalho.
O Tribunal Superior do Trabalho fixou a tese 125 e afastou a antiga exigência de afastamento superior a 15 dias e de auxílio-doença acidentário para assegurar a garantia provisória de emprego do artigo 118 da Lei 8.213/1991, desde que, mesmo após o término do contrato, seja reconhecido o nexo causal ou concausal entre a doença ocupacional e as atividades exercidas.
A mudança reposiciona a fronteira entre proteção social e previsibilidade jurídica e põe em tensão critérios operacionais tradicionalmente adotados pelo INSS.
O que exatamente decidiu o TST
No julgamento do incidente repetitivo, a corte consolidou o entendimento de que a estabilidade pode ser reconhecida mesmo sem a soma dos requisitos objetivos antes tidos como indissociáveis.
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O enunciado fixado é claro: “Para fins de garantia provisória de emprego prevista no artigo 118 da Lei 8.213/1991, não é necessário o afastamento por período superior a 15 dias ou a percepção de auxílio-doença acidentário, desde que reconhecido, após a cessação do contrato de trabalho, o nexo causal ou concausal entre a doença ocupacional e as atividades desempenhadas no curso da relação de emprego”.
A formulação atende a um problema recorrente da saúde ocupacional: efeitos tardios.
Há doenças e sequelas que não se manifestam de imediato, o que tornava insuficiente, em muitos casos, o filtro dos 15 dias.
Com a tese, empregados que comprovem a relação entre a atividade e a doença, ainda que tardiamente, passam a ter resguardado o período de estabilidade.
Alcance e limites: estabilidade não é automática
Embora a flexibilização dos critérios objetivos amplie a tutela, o precedente não universaliza a estabilidade.
A legislação previdenciária define acidente do trabalho como evento que, no exercício da atividade, causa lesão corporal ou perturbação funcional com perda ou redução da capacidade laborativa, ainda que temporária.
Sem impacto real na aptidão para o trabalho, não se configura a proteção.
A simples emissão da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), obrigação administrativa do empregador, não comprova por si só o direito à estabilidade.
É indispensável demonstrar que houve adoecimento ocupacional ou sequela decorrente de acidente, com repercussão sobre a capacidade de trabalho.
Pequenas ocorrências, como cortes superficiais, escoriações ou entorses sem incapacidade, não se encaixam no resultado pretendido pelo precedente.
Doenças ocupacionais x acidentes leves
A tese nasceu com foco nas doenças ocupacionais e nas situações em que o nexo causal seja reconhecido após o fim do vínculo.
Nesses casos, a proteção se justifica porque o adoecimento pode ser insidioso, acumulativo ou de diagnóstico complexo.
Já para acidentes de menor gravidade, que não geram afastamento significativo nem reduzem a capacidade, a estabilidade não se aplica.
A interpretação extensiva que transforme todo evento em gatilho automático de estabilidade contraria o objetivo da norma.
Além disso, decisões específicas lembram que a reafirmação de jurisprudência em repetitivos destacou a excepcionalidade ligada às doenças, o que tem alimentado a leitura de que, nos acidentes típicos sem sequelas, persistem exigências mais estritas de comprovação.
Em outras palavras: a proteção existe, mas depende de prova robusta do dano funcional.
Segurança jurídica e função social da estabilidade
O artigo 118 da Lei 8.213/1991 tem como finalidade assegurar ao trabalhador acidentado tempo de recuperação e reintegração.
Ao relativizar a necessidade do benefício previdenciário, o TST preserva a essência do instituto, voltando-se para a realidade clínica em vez de critérios exclusivamente burocráticos.
Ao mesmo tempo, o recado é explícito: estabilidade não é privilégio, e sim um instrumento dirigido a quem teve a capacidade efetivamente reduzida por doença ou sequela relacionada ao trabalho.
Papel dos advogados: distinguishing como chave
Diante do novo arranjo, ganha peso o trabalho técnico de distinguishing.
Identificar peculiaridades que afastem o enquadramento automático do caso concreto no precedente é o que evita tanto a negação indevida de proteção quanto sua banalização.
Compete às partes demonstrar, com documentos médicos e elementos do ambiente de trabalho, se houve ou não nexo causal/concausal e qual o grau de comprometimento da capacidade laboral.
Em muitos processos, a discussão deixará de orbitar apenas o número de dias de afastamento para se concentrar na prova pericial, no histórico clínico e nas condições concretas de trabalho.
Essa mudança desloca o debate do checklist formal para a materialidade da lesão.
TST x INSS: critérios em rota de colisão
A tese 125 desafia o modelo previdenciário que, historicamente, atrelou a estabilidade ao afastamento superior a 15 dias e à concessão do auxílio-doença acidentário.
Ao desvincular a estabilidade dessa porta de entrada, a Justiça do Trabalho cria um precedente que pode resultar em decisões trabalhistas reconhecendo a garantia mesmo quando o benefício previdenciário não foi concedido ou sequer requerido.
Esse descompasso produz efeitos práticos.
Empresas precisarão aperfeiçoar suas rotinas de investigação de acidentes e doenças, inclusive após desligamentos, sob pena de reconhecer estabilidade tardiamente.
Trabalhadores, por sua vez, ganham uma via mais condizente com as especificidades clínicas de doenças ocupacionais, sobretudo as de evolução lenta.
Evitar a banalização da estabilidade
Sem incapacidade real, a estabilidade não se legitima.
Para preservar o equilíbrio, a prova deve evidenciar inaptidão ou redução da capacidade decorrente de doença ocupacional ou sequela.
Retornos rápidos às atividades, sem necessidade de recuperação, não sustentam a garantia provisória.
Essa linha de corte protege o instituto contra o uso indiscriminado e mantém a coerência com o objetivo de reinserção e recuperação do trabalhador afetado.
Ao mesmo tempo, a tese reforça que a ausência de benefício previdenciário não impede o reconhecimento judicial da estabilidade quando o nexo for demonstrado.
A análise, portanto, migra do rito administrativo para a prova técnica no processo trabalhista.
Impactos operacionais nas empresas e trabalhadores
Para as empresas, o cenário aponta para investimentos em prevenção, monitoramento de saúde ocupacional e documentação consistente.
Programas de ergonomia, avaliações periódicas e registros clínicos detalhados passam a ter papel central na gestão de risco.
No contencioso, a qualidade dos laudos internos e a integração entre RH, SSMA e jurídico podem ser decisivas.
Para os trabalhadores, a principal consequência é o acesso a uma proteção menos dependente de marcos administrativos e mais aderente à ciência médica.
A orientação adequada no momento do desligamento e a guarda de prontuários e exames tornam-se medidas prudentes para eventuais reconhecimentos posteriores de nexo.
O que fica do precedente do TST
A tese 125 reafirma a tutela da saúde do trabalhador sem abandonar a necessidade de prova qualificada.
Estabilidade provisória exige demonstração de dano funcional relacionado ao labor.
Casos leves, sem repercussão na capacidade de trabalho, continuam fora do alcance.
Assim, a garantia se mantém focada em quem efetivamente precisa do tempo protegido para se recuperar e retomar a atividade.
Diante de interpretações apressadas, a pergunta que permanece é direta: como a comunidade jurídica vai aplicar a tese 125 sem transformar a estabilidade em regra geral para qualquer ocorrência no ambiente de trabalho?