Transporte ferroviário do Rio enfrenta desafios históricos, com viagens mais longas, composições antigas e insatisfação crescente dos passageiros, enquanto o governo busca soluções para o futuro do sistema.
O transporte ferroviário de passageiros na Região Metropolitana do Rio de Janeiro está prestes a passar por uma nova fase.
Após quase 27 anos de operação, a SuperVia, responsável pela administração do sistema desde novembro de 1998, deve devolver o serviço ao governo do Estado do Rio de Janeiro até o fim de setembro de 2025.
A decisão foi formalizada em um acordo judicial assinado em dezembro de 2024 e representa o encerramento de um ciclo marcado por desafios estruturais, queda na qualidade do serviço e crescente insatisfação dos usuários, conforme apuração do jornal O Globo.
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Aumento do tempo de viagem e trens sucateados
Atualmente, o cenário é de deterioração.
O tempo de deslocamento dos passageiros aumentou de forma significativa em comparação ao início da concessão.
No ramal Santa Cruz, por exemplo, o trajeto entre a Estação Pedro II (Central do Brasil) e Santa Cruz, que era realizado em 75 minutos em 1998, agora leva 98 minutos nos horários de pico — um acréscimo de 23 minutos.
Em Belford Roxo, o percurso subiu de 53 para 64 minutos, enquanto a linha Gramacho, que antes era concluída em 37 minutos, hoje dura 59.
O ramal Japeri registrou a maior diferença: o tempo do trajeto, antes de 75 minutos, saltou para 103 minutos.
Já em Deodoro, a diferença foi menor, passando de 40 para 50 minutos.
Estagnação no número de passageiros
Essas mudanças não se restringem à duração das viagens. O número de passageiros transportados permanece estagnado.
Segundo reportagem publicada por O Globo, a média diária atual é de aproximadamente 300 mil usuários, o mesmo patamar registrado há quase três décadas.
A meta estabelecida no início da concessão, de atingir dois milhões de passageiros por dia em cinco anos, não foi alcançada.
O cenário revela um impasse entre a promessa de modernização e a realidade dos trens sucateados.
Infraestrutura ferroviária em situação crítica
A operação em diversos trechos é feita com trens fabricados entre as décadas de 1950 e 1960, especialmente em linhas não eletrificadas.
O desgaste da infraestrutura impacta diretamente a velocidade e a segurança das composições.
De acordo com Valmir de Lemos, presidente do Sindicato dos Maquinistas, em entrevista concedida ao jornal O Globo, a necessidade de redução da velocidade é consequência direta do estado precário da via permanente — denominação técnica para trilhos, dormentes e sistemas de sinalização.
Atualmente, há trechos em que os trens circulam entre 40 e 50 quilômetros por hora, patamar inferior ao registrado em anos anteriores.
A situação é agravada pela presença de trilhos antigos e dormentes de madeira deteriorados, que elevam o risco de acidentes.
O engenheiro ferroviário Hélio Suevo Rodrigues, vice-presidente da Associação dos Engenheiros Ferroviários, também relatou ao jornal que, além da via permanente, a deterioração do sistema de sinais e o aumento do furto de cabos contribuem para a redução da velocidade operacional.
Segundo ele, há trechos em que o limite de velocidade chega a 40 quilômetros por hora, enquanto antes era comum alcançar 60 a 70 quilômetros por hora em determinados pontos.
Superlotação e falhas técnicas constantes
Entre os problemas enfrentados diariamente pela população estão a superlotação, falhas técnicas e aglomeração nas estações, especialmente nos horários de pico.
Ao longo de três semanas de viagens em composições da SuperVia, jornalistas de O Globo presenciaram passageiros precisando caminhar pelos trilhos para concluir o trajeto após uma composição parar a poucos metros da estação final, além de panes nas portas dos trens que colocaram em risco a segurança dos usuários em pleno horário de pico.
Cemitério ferroviário e riscos para a população
Além das dificuldades cotidianas, a SuperVia deixa como legado um verdadeiro cemitério ferroviário.
No pátio da estação de Japeri, na Baixada Fluminense, 79 composições fabricadas nas décadas de 1970 e 1980, classificadas como inservíveis pelo Departamento Técnico de Patrimônio da Companhia Estadual de Transporte e Logística (empresa pública que sucedeu a Companhia Fluminense de Trens Urbanos, Flumitrens), aguardam destino.
Muitas dessas unidades tiveram peças retiradas, como cabos de alta e baixa tensão, componentes elétricos e portas, tornando os vagões alvo de vandalismo e uso irregular.
O jornal também apontou relatos de moradores próximos, que destacam riscos adicionais como assaltos noturnos e a presença de usuários de drogas nos vagões abandonados, ampliando o clima de insegurança nos arredores.
Em outro pátio, próximo à estação Deodoro, 113 vagões antigos aguardam leilão, resultado de um processo judicial iniciado ainda nos anos 1990, antes mesmo do início da concessão da SuperVia.
Viagens canceladas, atrasos e impacto diário
Dados obtidos por O Globo junto à Agência Reguladora de Transportes Públicos do Rio de Janeiro (Agetransp) indicam a dimensão do problema.
Somente em 2024, foram registradas 4.990 viagens canceladas ou interrompidas por motivos não justificados, uma média de 13 ocorrências diárias.
O número revela a frequência das falhas e o impacto direto na rotina dos usuários, que precisam adaptar-se à incerteza dos horários e à possibilidade de transtornos inesperados.
Resposta da SuperVia e perspectivas para o futuro
Em resposta às críticas, a SuperVia informa que realiza inspeções regulares de acordo com normas nacionais e internacionais e que, nos últimos 18 meses, substituiu mais de 45 mil dormentes e 402 toneladas de trilhos.
A empresa também atribui parte das dificuldades à redução do número de passageiros após a pandemia da Covid-19 e ao aumento dos furtos de materiais essenciais para o funcionamento do sistema.
Como consequência, a concessionária precisou ajustar os intervalos e horários dos trens.
Com o fim da concessão se aproximando, o governo do Estado do Rio de Janeiro discute o modelo de gestão que será adotado para garantir a continuidade do transporte ferroviário na Região Metropolitana.