Herdeiro que vive sozinho em imóvel herdado pode pedir usucapião e ficar com a propriedade integral, enquanto outros irmãos podem recorrer à Justiça para garantir indenização ou forçar a venda judicial do bem.
Um herdeiro que permaneceu sozinho na casa dos pais, arcando com despesas e mantendo o imóvel sem oposição dos demais, pode obter a propriedade integral por usucapião especial urbano e, com isso, excluir os irmãos da herança.
A hipótese está prevista no artigo 183 da Constituição Federal e no artigo 9º do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que autorizam a transferência do domínio quando há posse mansa e pacífica de imóvel urbano de até 250 m², por cinco anos ininterruptos, com finalidade de moradia e desde que o possuidor não seja proprietário de outro bem.
Usucapião especial urbano: requisitos e limites
A usucapião especial urbano exige moradia no local, área máxima de 250 m² e inexistência de outro imóvel em nome do possuidor.
-
A farra de 313 mil reais: Mãe solteira gasta metade de depósito errado e recebe sentença suspensa e ordem de serviço comunitário por roubo
-
Família perde R$ 11 mil em golpe de falso corretor e Pix na compra da casa própria no Rio — “ele tinha acesso total aos condomínios”
-
Kremlin vs. Casa Branca: qual sede de governo protege melhor o presidente?
-
O “rio de duas cores” no Brasil onde águas negras e barrentas correm lado a lado por quilômetros sem se misturar, criando uma fronteira líquida na imensidão da Amazônia
Além disso, a ocupação deve ocorrer sem contestação efetiva e com comportamento típico de dono.
Na prática, a Justiça costuma valorizar provas de que o morador cuidou da casa, pagou IPTU, contas e manutenção, demonstrando ânimo de proprietário.
Há, ainda, situações em inventários em que o herdeiro ocupante sustenta usucapião com base no Código Civil, quando o lapso de tempo é maior e as condições jurídicas são diferentes, como nos casos de posse exclusiva por longos anos.
Em ambos os cenários, a essência do debate é a mesma: a posse contínua e sem oposição, somada a atos de domínio.
Quando a Justiça reconhece a perda da fração dos irmãos
Tribunais vêm confirmando que irmãos coproprietários podem perder a fração ideal se não reagirem ao uso exclusivo prolongado.
Em caso citado pelo advogado João Victor Duarte Salgado, do escritório Celso Candido de Souza Advogados, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que os demais herdeiros deixaram de se manifestar por 15 anos.
Nesse período, um deles morou sozinho no imóvel, pagou impostos e preservou a casa.
Segundo o profissional: “O filho ficou morando no imóvel, pagou os impostos, manteve o bem, fez melhorias e ele morou como se fosse dono, sem oposição dos irmãos. Então, nesse período […] ele passou a ter o período aquisitivo de usucapião”.
Esse tipo de decisão reforça a necessidade de vigilância dos coproprietários.
A ausência de atos concretos de oposição — como notificações formais, tentativa de regular dividir o uso ou buscar solução judicial — pode abrir caminho para a consolidação da propriedade em nome de quem ocupa.
Como evitar a usucapião dentro da família
Para reduzir o risco de perda da fração hereditária, a orientação é documentar por escrito o uso do bem comum.
João Victor faz um alerta: “Acordo verbal, nem entre irmãos não vale, a ideia é colocar tudo no papel”.
Ele recomenda instrumentos como comodato, cessão gratuita parcial de uso ou contrato de locação, conforme a conveniência das partes e a duração pretendida.
Com isso, o ocupante passa a usar o imóvel com autorização expressa e reconhecida pelos demais, o que contraria a ideia de posse exclusiva e impede o prazo aquisitivo de correr.
Ainda que a confiança entre familiares pese, a formalização cuida de imprevistos, mudanças de renda ou necessidades distintas com o passar do tempo.
Nas palavras do advogado: “As pessoas confiam umas nas outras e se esquecem que o contexto da vida de cada um pode alterar. A formalização de acordos traz uma segurança para os dois lados”.
Extinção de condomínio: alternativa para quem não ocupa
Quando não há acordo escrito e o cenário indica avanço para a usucapião, o coproprietário que não usufrui do imóvel pode recorrer à ação de extinção de condomínio.
O objetivo é encerrar a copropriedade de um bem indivisível, com a venda judicial e a divisão do produto entre os condôminos.
Em julgamento recente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) autorizou a alienação de uma casa herdada utilizada apenas por dois dos três irmãos e fixou indenização mensal de R$ 755,55 ao irmão excluído do uso.
Nessa espécie de litígio, quem está fora do imóvel pede duas providências: compensação financeira pelo uso exclusivo dos demais e a venda do patrimônio, se não houver consenso para aquisição da parte alheia.
O entendimento dos tribunais privilegia o direito de qualquer condômino de não permanecer vinculado indefinidamente a um bem comum.
Indenização por uso exclusivo e preferência na compra
Segundo João Victor, a disputa costuma se desdobrar em dois pedidos complementares.
O primeiro mira a indenização pelo período em que o imóvel foi utilizado só por alguns, funcionando como um “aluguel” proporcional da quota de quem ficou de fora.
O segundo busca a venda judicial do bem para encerrar a copropriedade.
Nessa etapa, os ocupantes têm preferência de compra.
Se não a exercem, o juiz determina leilão com nomeação de leiloeiro, data e regras para a praça.
Concluída a alienação, cada condômino recebe sua parte conforme a fração ideal, abatidas eventuais compensações ou despesas comuns devidamente comprovadas.
Em paralelo, permanece possível ajustar, por acordo, prazos e valores, desde que formalizado por escrito e homologado se necessário.
Sinais de alerta e providências imediatas
Quem herda um imóvel com irmãos deve observar sinais de exclusividade na posse: troca de fechaduras sem entrega de chaves, recusa sistemática à visitação, pagamento solitário e contínuo de tributos e obras sem comunicação.
Tais elementos, somados, podem caracterizar o exercício de domínio por apenas um coproprietário.
Diante desse quadro, convém formalizar um termo de uso ou notificar o ocupante para delimitar condições, rotinas e responsabilidades, quebrando a aparência de posse exclusiva.
Outra providência útil é registrar acordos no processo de inventário ou, se o inventário já acabou, firmar instrumento particular com assinaturas reconhecidas, de preferência com assessoria jurídica.
Assim, as regras ficam claras e o histórico de comunicações formais afasta a alegação de que a posse sempre foi exclusiva e inquestionada.
O que fica de lição para famílias em inventário
Casos de usucapião entre herdeiros não decorrem apenas de má-fé.
Em muitas famílias, a combinação de urgência prática — um dos filhos se muda para cuidar do imóvel — com a falta de documentação sustenta, anos depois, o argumento de posse própria.
A legislação oferece caminhos tanto para regular o uso compartilhado quanto para encerrar a copropriedade sem prejuízo de quem não ocupa.
A escolha depende do diálogo e, quando ele falha, da atuação rápida para resguardar direitos.
Na sua opinião, valeria mais a pena formalizar desde cedo uma cessão de uso gratuita entre irmãos ou partir direto para a extinção de condomínio quando o convívio no imóvel comum se mostra inviável?
Caráter é algo raro no Brasil.