Ferrovia histórica retorna com trem turístico, resgatando parte do passado da Revolução de 1932 e revitalizando o turismo regional com trajeto entre Cruzeiro e o sopé da Serra da Mantiqueira.
Após mais de três décadas sem receber passageiros, uma das mais emblemáticas ferrovias do Sudeste brasileiro será palco, neste mês de julho de 2025, de um marco histórico no turismo ferroviário nacional.
A ferrovia que conectava São Paulo a Minas Gerais, peça fundamental durante a Revolução Constitucionalista de 1932, volta a operar parcialmente com a pré-estreia do trem turístico Expresso Mantiqueira, iniciativa que celebra o resgate de parte da memória ferroviária do país.
De acordo com o jornal Folha de S. Paulo, os passeios inaugurais do Expresso Mantiqueira ocorrem nos dias 5 e 6 de julho, com saídas a partir da estação central de Cruzeiro, situada a 219 quilômetros da capital paulista.
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Este trecho inicial, totalmente restaurado, terá 12 quilômetros de extensão, cruzando áreas urbanas, zonas rurais e incluindo o primeiro túnel do antigo traçado ferroviário, antes de alcançar a estação Rufino de Almeida, já no sopé da Serra da Mantiqueira.
Restauração dos trilhos históricos
A restauração dos trilhos, coordenada pela Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) por meio de sua regional Sul de Minas, devolve à população uma parte do antigo percurso da chamada Estrada de Ferro Minas e Rio, cuja construção remonta ao final do século XIX.
Para o projeto de resgate, voluntários e especialistas realizaram um trabalho minucioso de escavação manual de trilhos, substituição de dormentes e reconstituição de aterros, utilizando como referência registros históricos e engenharias da época.
Expresso Mantiqueira: locomotiva histórica e experiência turística
O Expresso Mantiqueira fará uso de uma locomotiva diesel-elétrica fabricada em 1958 nos Estados Unidos pela American Locomotive Company, equipamento que operou por diversas companhias ferroviárias do estado de São Paulo antes de ser restaurado pela própria ABPF.
O trem, composto também por um carro de passageiros aberto do tipo jardineira, foi preparado para proporcionar uma experiência histórica e visual ao visitante, destacando o cenário do Vale do Paraíba e o contato com a natureza local.
A viagem inaugural tem bilhetes disponíveis ao custo de R$ 50, podendo ser adquiridos antecipadamente pela internet ou diretamente no guichê da estação nos dias do evento.
Segundo a organização, os horários das partidas serão ajustados conforme a demanda de interessados.
Durante o percurso, turistas poderão observar paisagens que alternam trechos planos urbanos e áreas de vegetação nativa, além de cruzar um pequeno túnel de 10,8 metros.
Este trajeto é reconhecido por entusiastas ferroviários como um dos mais desafiadores e pitorescos do antigo ramal entre Cruzeiro e Passa Quatro, cidade mineira localizada a 35 quilômetros do ponto de partida em São Paulo.
Túnel da Mantiqueira: marco histórico da Revolução de 1932
O objetivo da ABPF é retomar o acesso ao icônico Túnel da Mantiqueira, de 998 metros de extensão, que marcou a história nacional como palco de combates durante a Revolução Constitucionalista de 1932.
A região, considerada estratégica para o deslocamento de tropas à época, testemunhou episódios de resistência e centenas de mortes, incluindo a do tenente-coronel Fulgêncio de Souza Santos, comandante do 7º Batalhão da Força Pública de Minas Gerais, cujo nome batiza uma das estações do trajeto restaurado.
A ferrovia Minas e Rio, inaugurada em 1884 após quatro anos de obras, desempenhou papel essencial no escoamento de produtos agrícolas e transporte de passageiros entre os estados de São Paulo e Minas Gerais.
Com o tempo, ela foi incorporada a diferentes redes ferroviárias, como a Rede Sul Mineira de Viação, Rede Mineira de Viação, Viação Ferréa Centro-Oeste, Rede Ferroviária Federal e, mais tarde, passou a integrar o sistema Fepasa (Ferrovia Paulista S.A.).
O ramal acabou desativado no início dos anos 1990.
Recuperação e desafios para o turismo ferroviário
A ABPF, entidade fundada na década de 1970 com a missão de preservar o patrimônio ferroviário brasileiro, lidera o projeto de reativação do trecho paulista do Expresso Mantiqueira, considerado o maior desafio logístico e histórico desde sua criação.
Para viabilizar o trajeto até o Túnel da Mantiqueira pelo lado de Cruzeiro, ainda será necessário restaurar aproximadamente 24 quilômetros de linha férrea, além de promover a substituição de mais de 28 mil dormentes e instalar cerca de 114 mil pregos.
Não há prazo definido para a conclusão dessa etapa, já que os recursos utilizados são majoritariamente próprios da associação, com apoio de doações como a recente entrega de 3 mil dormentes feita pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
Enquanto isso, o trecho mineiro da ferrovia, entre Passa Quatro e o Túnel da Mantiqueira, já opera com passeios turísticos regulares promovidos pelo Trem da Serra da Mantiqueira, fortalecendo o potencial turístico e histórico da região.
Ao todo, restam 18 quilômetros a serem restaurados para completar a conexão histórica entre as duas cidades.
Durante o evento de pré-estreia do Expresso Mantiqueira, a estação ferroviária de Cruzeiro será palco também de seu primeiro encontro de ferromodelismo, entre os dias 5 e 6 de julho, das 9h às 17h, com a participação de expositores de diferentes cidades, reforçando o interesse pelo universo ferroviário no Brasil.
Contexto da Revolução Constitucionalista e impacto na ferrovia
O calendário da Revolução Constitucionalista de 1932 permanece como referência para compreender a relevância deste patrimônio.
O movimento, iniciado oficialmente em 9 de julho daquele ano, opôs o estado de São Paulo ao governo federal de Getúlio Vargas, em busca de uma nova Constituição.
Em meio ao conflito, a região da Serra da Mantiqueira foi estratégica tanto para o transporte de tropas quanto para episódios históricos de resistência, sendo a ferrovia cenário de batalhas e manobras que influenciaram o desfecho do movimento.
Com a pré-estreia do Expresso Mantiqueira e o trabalho contínuo de restauração da ferrovia, o turismo histórico, a valorização cultural e a memória da Revolução de 1932 ganham novo impulso na região do Vale do Paraíba, prometendo atrair visitantes, pesquisadores e entusiastas ferroviários.
Diante desse cenário de resgate histórico e preservação, o renascimento do trem turístico representa não apenas uma oportunidade de lazer e aprendizado, mas também um convite para refletir: quais outras linhas e patrimônios do passado ainda aguardam para serem redescobertos e valorizados no Brasil?