Em Piracicaba, no fim do século XIX, um fazendeiro paulista doou terras e fortuna para erguer uma escola agrícola pioneira, que anos depois seria incorporada à USP e transformaria a ciência e o agronegócio no Brasil.
A doação de 319 hectares e um projeto pessoal de ensino agrícola iniciado no fim do século XIX resultaram na criação da instituição que, anos depois, integraria a Universidade de São Paulo.
O paulista Luiz Vicente de Souza Queiroz investiu recursos próprios e articulou parcerias para erguer, em Piracicaba (SP), a escola que se tornaria a ESALQ/USP, referência na formação de profissionais que marcaram a ciência agrária no país.
Origem e formação de Luiz de Queiroz
Filho do Barão de Limeira e neto de grandes proprietários rurais, Luiz de Queiroz nasceu em São Paulo, em 12 de junho de 1849.
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Enviado ainda jovem à Europa, estudou na Escola de Agricultura de Grignon, na França, e em Zurique, na Suíça.
O contato com currículos práticos, pesquisa aplicada e gestão moderna de fazendas consolidou a convicção de que a agricultura brasileira dependia de educação técnica e de uma escola especializada.
De volta ao Brasil na década de 1870, assumiu a herança paterna e trouxe para Piracicaba um repertório que unia agronomia, indústria e infraestrutura.
A aposta na formação profissional, porém, não viria de forma imediata: antes, ele investiu em iniciativas empresariais locais.
Herança e modernização em Piracicaba
Com a morte do pai, em 1872, coube a Queiroz administrar a Fazenda Engenho d’Água, às margens do rio Piracicaba.
A geografia do salto e a força hidráulica levaram à instalação da Fábrica de Tecidos Santa Francisca, empreendimento que integrou lavoura e indústria e colocou a cidade no mapa da modernização paulista.
A experiência de montar equipe, importar maquinário e organizar produção ajudou a sedimentar sua visão sobre gestão e tecnologia no campo.
Enquanto o algodão abastecia a tecelagem, o fazendeiro estudava modelos de fazenda-escola conhecidos na Europa.
O objetivo não era apenas ensinar técnicas, mas introduzir um padrão de ensino prático, com campo experimental, internato e corpo docente especializado, capaz de irradiar conhecimentos para a agricultura paulista.
A fazenda São João da Montanha
O projeto ganhou endereço ao final da década de 1880.
Em 1889, Queiroz adquiriu a Fazenda São João da Montanha, propriedade de 319 hectares que julgou adequada para sediar a futura escola.
A partir daí, encomendou plantas arquitetônicas no exterior e iniciou obras e adaptações no imóvel, instalando-se na antiga sede para acompanhar os trabalhos de perto.
As despesas subiram rapidamente.
Diante da escalada de custos, buscou apoio do governo paulista, sem sucesso nas primeiras tentativas.
Para evitar a paralisação completa, decidiu transferir a fazenda ao Estado, com uma cláusula central: a escola deveria ser concluída no prazo máximo de dez anos.
O modelo de doação condicionada, comum em iniciativas filantrópicas do período, assegurava que o investimento privado não se perderia e pressionava o poder público a concluir a obra.
Projeto pedagógico e parcerias internacionais
Ao mesmo tempo, Queiroz trouxe referências de escolas norte-americanas e europeias.
Em 1891, contratou profissionais para colaborar na implantação acadêmica e administrativa, alinhando o currículo a práticas internacionais e ao ensino prático em fazenda-modelo.
A proposta envolvia internato estudantil, aulas de campo e experimentação agrícola, numa estrutura que antecipava a integração entre ensino, pesquisa e extensão hoje associada às universidades.
Mesmo com a doação e com o plano pedagógico delineado, a construção enfrentou novas interrupções por restrições orçamentárias do Estado.
A virada do século se aproximava, e o fundador seguia sem ver as portas abertas.
Fundação da escola agrícola
Luiz de Queiroz morreu em 11 de junho de 1898. Três anos depois, em 1901, o governo paulista inaugurou a escola agrícola prática na fazenda doada, cumprindo a cláusula de prazo e dando início às atividades regulares de formação técnica em Piracicaba.
Com o avanço acadêmico e a ampliação de cursos, a instituição evoluiu e, em 1934, passou a integrar a recém-criada Universidade de São Paulo como uma de suas unidades fundadoras, consolidando a denominação Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”.
A partir desse enquadramento universitário, a escola expandiu departamentos, laboratórios e áreas experimentais, absorvendo novas frentes de pesquisa e fortalecendo vínculos com centros científicos no Brasil e no exterior.
A trajetória institucional, iniciada antes mesmo da USP existir, foi incorporada à arquitetura universitária que se formou no estado naquele ano.
ESALQ/USP e impacto no agronegócio brasileiro
Ao longo do século XX, a ESALQ/USP tornou-se polo de excelência em ciências agrárias.
A escola formou engenheiros agrônomos, pesquisadores e gestores públicos e privados que lideraram a modernização agrícola no país.
Linhagens de pesquisa em solos, fitotecnia, genética, economia agrícola e manejo florestal se consolidaram, assim como projetos de extensão capazes de transferir tecnologia ao produtor rural.
Enquanto o Brasil se urbanizava e ao mesmo tempo ampliava sua fronteira agrícola, professores e egressos da unidade estiveram à frente de programas de melhoramento genético, mecanização, manejo sustentável e políticas de crédito e assistência técnica.
Essa rede de formação e pesquisa reforçou a produtividade no campo e ajudou a ordenar cadeias de valor, do suprimento de insumos ao processamento de alimentos.
O legado de Luiz de Queiroz
O nome de Luiz de Queiroz permanece no prédio histórico, nos arquivos e na rotina acadêmica de Piracicaba. Seu legado não se resume ao gesto de doar uma fazenda.
Ele articulou modelo pedagógico, buscou padrões internacionais e condicionou a doação a um prazo para garantir a execução.
O resultado foi a criação de uma escola que, de forma pioneira, estruturou lideranças técnicas para a agricultura antes da própria existência da USP.
Mais de um século depois, a área do campus, os laboratórios e as estações experimentais espelham a visão original de integrar prática e ciência.
Ainda que o fundador não tenha acompanhado a inauguração, sua iniciativa transformou-se em infraestrutura permanente de conhecimento, com papel reconhecido na formação de quadros para o agronegócio brasileiro.