De um modelo de negócio altamente lucrativo a esquemas de dados e lobby político, entenda os fatores que explicam a onipresença desses estabelecimentos no país.
A sensação de que existe uma farmácia em cada esquina não é apenas uma força de expressão. Segundo informações apuradas pelo portal Fatos Desconhecidos, dados de 2025 revelam que existem mais de 93.000 farmácias no Brasil, o que equivale a aproximadamente uma para cada 2.000 habitantes. Embora a primeira explicação aponte para a clássica lei de oferta e demanda, a realidade por trás dessa expansão massiva é muito mais complexa e envolve estratégias de mercado agressivas, o uso controverso de dados pessoais e até mesmo a influência de esquemas criminosos e lobby político.
O crescimento é inegável: em pouco mais de 20 anos, o número de drogarias saltou 63%, consolidando o Brasil como o nono maior mercado global de medicamentos. Contudo, o que sustenta essa onipresença vai além da simples venda de remédios. Fatores como modelos de franquia acessíveis, a diversificação de produtos, que transformaram farmácias em centros de conveniência, e práticas obscuras, como a coleta de CPFs para fins de marketing, são peças-chave de um quebra-cabeça que revela por que esse setor prospera de forma tão consistente, mesmo em cenários de crise econômica.
A lógica do mercado: demanda, proximidade e lucratividade
A base para entender o fenômeno das farmácias no Brasil começa, sim, no comportamento do consumidor. O brasileiro possui uma cultura de automedicação e busca por soluções rápidas para sintomas comuns, o que cria uma demanda constante. Conforme apurado pelo Fatos Desconhecidos, o setor farmacêutico movimentou mais de R$ 150 bilhões anualmente, um número que reflete não apenas a necessidade, mas um hábito de consumo profundamente enraizado na população. Muitas vezes, a palavra do farmacêutico ainda carrega um peso similar ao de um médico em comunidades menores.
-
Quem recebe herença np Brasil tem que pagar imposto?! Saiba como funciona e quais estratégias reduzem custos em 2025
-
Idosa de 71 anos faz pix errado de mais de R$ 36 mil por engano, tenta reaver o dinheiro e descobre que a beneficiária se recusou a devolver
-
Citibank comete erro e transfere US$ 900 milhões por engano; ao reaver o dinheiro, descobre que credores se recusam a devolver US$ 500 milhões e inicia uma batalha histórica na Justiça
-
Correios à deriva e com prejuízos bilionários levantam alerta fiscal: empresa vive de dívidas renegociadas e pode exigir aporte do Tesouro para sobreviver
Essa demanda é explorada por uma estratégia de saturação geográfica. Em entrevista ao Brasil Journal, Flávio Correia, representante da Drogasil, explicou o motivo de vermos concorrentes lado a lado: “cinco passos fazem a diferença”. A conveniência é tão crucial que a proximidade imediata supera a concorrência. Essa lógica se prova resiliente: em 2016, enquanto o PIB brasileiro encolhia 3,6%, o setor farmacêutico crescia 18%. Fica claro que, para os grandes players do mercado, fechar uma loja significa diluir os clientes para todas as outras redes, justificando a presença massiva em um mesmo local.
Franquias e diversificação: um negócio acessível e versátil
Outro pilar que sustenta a expansão das farmácias no Brasil é a força do modelo de franquias. Em entrevista à revista Veja em 2024, Bruno Costa, diretor da rede A Fórmula, e Gustavo Freitas, presidente da Poupaqui, destacaram que o negócio é visto como um empreendimento altamente lucrativo e acessível. Com um investimento médio a partir de R$ 500 mil, o faturamento mensal pode chegar a R$ 200 mil, com uma lucratividade de até 20%. Isso atrai investidores de diversas áreas, já que a lei permite que qualquer pessoa seja dona de uma farmácia, desde que contrate um farmacêutico como responsável técnico.
Além disso, as drogarias deixaram de ser apenas pontos de venda de medicamentos. Como apontado por Sérgio Mena Barreto, CEO da Abra Farma, a diversificação do mix de produtos foi fundamental. Hoje, esses estabelecimentos funcionam como verdadeiros centros de conveniência, vendendo itens de higiene pessoal, beleza, dermocosméticos e até mesmo alimentos. Essa transformação amplia a base de clientes e a frequência de visitas, garantindo um fluxo de caixa constante que não depende apenas da venda de remédios.
O preço do desconto: seus dados pessoais valem ouro
Uma das estratégias mais controversas e que, segundo o Fatos Desconhecidos, explica parte do poder financeiro das redes é a coleta de dados via CPF. Ao oferecer descontos agressivos, que podem chegar a mais de 70%, em troca do CPF, as farmácias obtêm acesso a uma informação valiosíssima: seus hábitos de consumo. A jornalista Amanda Ross expôs como um medicamento genérico pode ter seu preço inflacionado em até 2.800% sobre o valor de custo, dentro do limite máximo permitido pela Anvisa, apenas para que o “desconto” pareça vantajoso.
O verdadeiro objetivo, no entanto, é mapear seu perfil. A farmácia sabe se você compra fraldas, antidepressivos, testes de gravidez ou produtos para doenças crônicas. Esses dados são usados para criar campanhas de marketing ultradirecionadas, mas o perigo pode ser ainda maior. A advogada Ana Lusa Dalari levanta a questão: não se sabe se há integração desses dados com bancos ou empregadores. Um financiamento negado, por exemplo, poderia ter como base uma informação de saúde obtida através do seu CPF na farmácia, uma prática que, embora sem confirmação, navega em uma zona cinzenta da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
A fachada do crime: lavagem de dinheiro e fraudes milionárias
A suspeita popular de que alguns estabelecimentos servem como fachada para lavagem de dinheiro encontrou respaldo em investigações da Polícia Federal. Em julho de 2025, uma operação desmantelou um esquema que utilizava farmácias, algumas existentes apenas no papel, para fraudar o programa Farmácia Popular. Em Águas Lindas (GO), duas drogarias “fantasmas” teriam recebido R$ 500 mil do governo. Os criminosos compravam farmácias inativas já cadastradas no programa, falsificavam receitas e usavam CPFs de pessoas inocentes para simular vendas.
O esquema, detalhado pelo Fatos Desconhecidos, movimentou cerca de R$ 9 milhões em lavagem de dinheiro e desvios, com os recursos sendo usados até para financiar o tráfico de drogas. O policial federal José Roberto Perez afirmou que a organização criminosa usou o programa social para lavar recursos e investir em suas atividades ilícitas. Embora não justifique a totalidade das 93.000 farmácias, esse caso prova que a alta lucratividade e a capilaridade do setor farmacêutico atraem organizações criminosas, que se aproveitam de sua imagem de negócio legítimo para ocultar operações ilegais.
Nos bastidores do poder: o lobby da indústria farmacêutica
A camada final que explica a força das farmácias no Brasil está na política. O lobby da indústria farmacêutica é uma força poderosa em Brasília, garantindo que a legislação favoreça seus interesses. Um levantamento de 2019 revelou que o setor doou R$ 13,7 milhões para as campanhas de 356 candidatos, formando a chamada “bancada dos medicamentos”. Essas doações, embora legais, criam um claro conflito de interesses, questionando se os políticos eleitos representarão a saúde pública ou os interesses de quem financiou suas campanhas.
Exemplos não faltam. Um ex-diretor da Hypera admitiu em delação premiada ter subornado políticos para aprovar a venda de medicamentos sem prescrição em supermercados, projeto que foi vetado na presidência. Nas eleições de 2018, empresários do setor, com patrimônios declarados de centenas de milhões, doaram milhões para outros candidatos, garantindo que sua influência permanecesse no Congresso. Como resume o pesquisador Jorge Bermudez, “muitas vezes o interesse da indústria não tem nada a ver com a saúde. A indústria quer o produto mais lucrativo para ela”.
A multiplicação das farmácias é um reflexo de um mercado saudável e competitivo ou revela um sistema com práticas questionáveis que vão da manipulação de preços à influência política? Acha que a coleta de dados em troca de descontos é uma troca justa? Deixe sua opinião nos comentários, queremos ouvir quem vive isso na prática.