Estados Unidos mantêm tarifa de 50% sobre café brasileiro, enquanto países aliados foram isentos. Exportações do Brasil para o mercado americano já caíram quase pela metade e Alemanha pode assumir a liderança nas compras do grão nacional.
O presidente do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Márcio Ferreira, alertou que os Estados Unidos podem registrar o maior valor já pago pelo consumidor de café na história caso não revertam a tarifa de 50% aplicada ao produto brasileiro.
A declaração foi feita nesta quarta-feira (10), em entrevista ao Record News Rural. Segundo Ferreira, os impactos da medida já aparecem nas exportações.
Em agosto, os embarques para o mercado norte-americano caíram quase pela metade em relação ao mesmo mês do ano anterior.
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“Houve uma redução de cerca de 47% na comparação com agosto de 2024. Mesmo quando olhamos julho, antes da tarifa, a queda foi de 27%”, explicou.
Alemanha assume protagonismo nas compras de café
O dirigente antecipou que o relatório estatístico mensal do Cecafé, previsto para a tarde desta quarta-feira, deve confirmar a Alemanha como principal destino do café brasileiro, superando os Estados Unidos.
De acordo com ele, o país europeu aumentou significativamente as aquisições e tende a ampliar participação no mercado global com o produto nacional.
Ferreira ressaltou que a Alemanha tem perfil reexportador, o que pode redirecionar parte desse café industrializado para outros mercados.
“Isso mostra uma realocação do comércio internacional, com a Europa ganhando espaço enquanto os Estados Unidos perdem participação”, observou.
Preços do café disparam nas bolsas internacionais
O executivo destacou ainda que a aplicação das tarifas coincidiu com uma disparada nas bolsas internacionais.
“No início de agosto, Nova York estava em 286 pontos e, no fim do mês, já tinha saltado para 386. Londres subiu 45% no mesmo período”, relatou.
Conforme Ferreira, a alta se deu antes mesmo da incidência da tarifa.
Ele explicou que, com o adicional de 50%, os preços poderiam chegar a níveis inéditos para os consumidores norte-americanos.
“Se aplicar essa taxa sobre as cotações atuais, o café nos EUA pode alcançar valores em torno de 570, algo jamais visto no mercado”, afirmou.
Setor espera revisão da tarifa nos EUA
Em Washington, representantes do setor participaram de reuniões com o Departamento de Estado e audiências públicas no escritório do representante comercial dos Estados Unidos.
O Cecafé foi representado pelo diretor-geral Marcos Matos. De acordo com Ferreira, houve sinais de abertura por parte do governo norte-americano.
“O presidente Donald Trump assinou uma ordem executiva retirando tarifas de outros produtos e deixou em aberto a possibilidade de estender essa isenção a itens não produzidos em território americano, como é o caso do café”, comentou.
Ele ponderou, no entanto, que a decisão depende também de articulação política.
“Valeu a pena nossa ida a Washington, mas agora precisamos aprofundar as conversas no Brasil para não perder essa janela de oportunidade”, acrescentou.
Estoques americanos garantem consumo por até três meses
O dirigente lembrou que os Estados Unidos ainda contam com estoque de café brasileiro suficiente para dois a três meses, mas que a situação pode se agravar caso não haja acordo.
“Essa volatilidade tende a continuar, porque não existe excesso de produção capaz de suprir integralmente a demanda americana”, afirmou.
Ele ressaltou que Europa e Ásia têm antecipado pedidos para garantir fornecimento diante da incerteza.
Conforme explicou, essa corrida influencia também a atuação de fundos especuladores e torrefadores, elevando ainda mais as cotações internacionais.
Consequências para produtores e consumidores
Além do efeito direto nas exportações, o setor teme mudanças no perfil de consumo dos EUA.
Segundo Ferreira, os norte-americanos podem reduzir compras de arábica brasileiro e recorrer a outros fornecedores ou a cafés robusta, cuja produção está em expansão em países como Vietnã e no próprio Brasil.
O presidente do Cecafé avaliou que, a médio e longo prazo, preços elevados estimulam novos plantios, principalmente de robusta, inclusive em estados que tradicionalmente não cultivavam o grão, como Mato Grosso.
“Um eventual excedente seria prejudicial, pois derrubaria as cotações internas e enfraqueceria ainda mais a participação do Brasil no mercado americano”, afirmou.
Café brasileiro fica mais caro no mercado interno
No Brasil, os reflexos já são sentidos. De acordo com Ferreira, torrefadoras tradicionais anunciaram aumentos de 10% a 15% nos preços ao consumidor.
Ele explicou que a elevação das bolsas internacionais foi imediata para os produtores, mas chega com atraso às prateleiras dos supermercados.
“O arábica subiu 33% em agosto e o conilon 50%. Esse movimento beneficia o produtor, mas para o consumidor a redução de preços, quando ocorre, também demora a se refletir na gôndola”, disse.
O dirigente ainda comentou que, em condições normais, havia expectativa de uma acomodação nos preços no último trimestre do ano.
“Com as tarifas e a alta já acumulada, é impossível falar em queda no curto prazo”, concluiu.
Governo brasileiro deve intensificar negociações
Ferreira adiantou que o Cecafé buscará reuniões em Brasília para apresentar ao governo os resultados da missão em Washington e defender um esforço conjunto pela isenção da tarifa.
“O momento exige diálogo entre autoridades brasileiras e norte-americanas para que possamos reverter essa situação o quanto antes”, afirmou ao Record News Rural.
Se a tarifa não cair, os Estados Unidos terão de escolher entre pagar preços recordes ou reduzir drasticamente o consumo de café brasileiro.