Etanol: combustível que fez do Brasil referência mundial em biocombustíveis, dominou a frota flex e reduziu a dependência do petróleo, mas não conquistou o mundo.
O etanol como combustível automotivo não nasceu por acaso no Brasil. Ele surgiu de uma necessidade estratégica nos anos 1970, quando o mundo enfrentava os choques do petróleo e os preços dispararam. Dependente da importação de derivados, o país buscava alternativas que reduzissem a vulnerabilidade econômica e fortalecessem a produção interna de energia.
Foi assim que, em 1975, nasceu o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), incentivando a substituição parcial da gasolina pelo etanol produzido a partir da cana-de-açúcar. Na época, surgiram os primeiros carros movidos exclusivamente a álcool, em uma experiência ousada que mudaria para sempre a relação do Brasil com os combustíveis.
Carros a álcool e o nascimento da cultura do biocombustível
Nos anos 1980, milhões de brasileiros dirigiam carros movidos apenas a álcool. O combustível, abundante e barato, chegou a representar mais de 90% das vendas de automóveis em determinados períodos. O etanol era visto como a grande resposta à dependência do petróleo.
-
Precisando de uma folga prolongada? Veja a lista de feriados nacionais e municipais de setembro
-
R$ 6 bi, 1,5 km e 3 minutos: primeiro túnel submerso do Brasil será montado com blocos que boiam e afundam em técnica nunca usada no país para ligar Santos e Guarujá
-
Brasileiros esquecem os EUA e tornam a Argentina o destino internacional favorito em 2025: país de Javier Milei recebe 1,42 milhão de turistas por avião e ultrapassa viagens aos Estados Unidos após 25 anos
-
‘Estamos jogados’: trabalhadores do Nordeste vão ao interior de SP a trabalho e são ‘abandonados’ sem salário em alojamentos insalubres
Mas a oscilação de preços, a dificuldade de distribuição em algumas regiões e a queda da competitividade diante da gasolina levaram o consumidor a desconfiar da solução.
Durante os anos 1990, a frota de carros a álcool entrou em declínio. Parecia o fim de um ciclo.
Foi nesse momento que surgiu a verdadeira revolução: a tecnologia flex fuel, capaz de rodar tanto com gasolina quanto com etanol em qualquer proporção.
O carro flex e a consolidação do etanol no Brasil
Em 2003, a Volkswagen lançou o Gol 1.6 Total Flex, o primeiro carro brasileiro produzido em série com a tecnologia. O sucesso foi imediato.
O motorista podia escolher o combustível mais vantajoso a cada abastecimento, sem risco de ficar preso à variação de preços.
Hoje, o carro flex domina mais de 80% da frota nacional, consolidando o etanol como um dos pilares do setor automotivo brasileiro.
Essa inovação não só reduziu a dependência da gasolina, como também deu impulso à cadeia produtiva da cana-de-açúcar, que gera milhões de empregos diretos e indiretos no país.
O papel do etanol de cana-de-açúcar na matriz energética
A força do etanol no Brasil se deve à competitividade da cana-de-açúcar. Diferente do milho usado nos Estados Unidos, a cana é mais eficiente na conversão energética e garante um custo mais baixo por litro de etanol.
Além disso, o combustível tem impacto positivo no meio ambiente, com menor emissão de dióxido de carbono em comparação com a gasolina. Essa característica fez do Brasil referência internacional em biocombustíveis sustentáveis.
O etanol nos Estados Unidos: gigante na produção, discreto no consumo
Os Estados Unidos são hoje o maior produtor mundial de etanol, à frente do Brasil. No entanto, o modelo americano é diferente.
Lá, o combustível é obtido principalmente do milho e não conquistou a frota automotiva da mesma forma.
A mistura mais comum é a E10, com 10% de etanol e 90% de gasolina, usada praticamente em todos os veículos. Existe também o E85, com 85% de etanol, mas a adesão é limitada porque poucos postos oferecem o produto.
Mesmo com incentivos fiscais, o carro flex não ganhou espaço entre os consumidores americanos. Resultado: o país produz volumes gigantes de etanol, mas o uso direto como combustível dominante é restrito.
O resto do mundo e as barreiras para o etanol
Na Europa, o etanol aparece em misturas como E5 ou E10, mas nunca se consolidou como combustível principal. O custo elevado da produção e a ausência de políticas de incentivo limitaram sua expansão.
Na Ásia, alguns países como a Índia estudam ampliar a mistura de etanol à gasolina (E20 até 2025), mas a escala ainda é pequena diante da frota global.
Nenhum país chegou perto da experiência brasileira de transformar o etanol em protagonista da mobilidade.
As barreiras logísticas, o custo elevado e a falta de infraestrutura explicam por que o combustível verde nunca conquistou o mundo.
Vantagens e desafios do modelo brasileiro
O Brasil mostra que é possível manter uma frota majoritariamente abastecida com etanol. Entre as vantagens estão:
- Menor dependência do petróleo importado;
- Redução nas emissões de gases poluentes;
- Estímulo à cadeia agrícola da cana-de-açúcar;
- Flexibilidade para o consumidor, que escolhe o combustível conforme o preço.
Mas há desafios: o preço do etanol oscila conforme a safra da cana, a competitividade cai quando a gasolina recebe subsídios, e os investimentos em expansão do setor enfrentam incertezas regulatórias.
O futuro do etanol na era da eletrificação
Com a ascensão dos carros elétricos, surge a dúvida sobre o papel do etanol nas próximas décadas. Para especialistas, o combustível continuará sendo essencial em países emergentes, onde a infraestrutura de recarga é limitada.
Além disso, cresce a aposta nos híbridos flex, que combinam eletricidade com etanol, criando um sistema de baixa emissão que aproveita a infraestrutura já existente no Brasil. Esse modelo pode transformar o país em referência global de mobilidade sustentável no período de transição energética.
O etanol é mais do que um combustível: é um símbolo da engenhosidade brasileira diante das crises do petróleo. Transformou a matriz energética do país, consolidou-se em milhões de veículos e reduziu a dependência externa de combustíveis fósseis.
Mesmo que não tenha conquistado o mundo, o etanol mostrou que há alternativas possíveis ao petróleo e que o Brasil pode liderar soluções inovadoras em energia.
No cenário global, ele permanece como uma experiência única: um combustível nacional que ousou desafiar gigantes, mas encontrou seu trono apenas no Brasil.