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“Estrada da Discórdia”: há mais de 40 anos, a polêmica BR-319 divide o país entre quem quer o asfalto que liga Manaus ao Brasil e quem teme o fim da floresta

Publicado em 09/10/2025 às 20:54
BR-319, estrada, Amazonas
Imagem: Divulgação / DNIT
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A pavimentação da BR-319, entre Manaus e Porto Velho, divide ambientalistas e políticos ao colocar em risco florestas essenciais para a formação das chuvas que abastecem grandes regiões agrícolas e cidades do país

A BR-319, rodovia de quase 900 quilômetros que conecta Manaus a Porto Velho, é palco de uma disputa que atravessa gerações. Construída nos anos 1970, a estrada é a única ligação terrestre entre o Amazonas e o restante do Brasil, mas mais da metade de sua extensão continua sem asfalto.

Durante a estação chuvosa, os trechos de barro se transformam em atoleiros, tornando o percurso praticamente intransitável.

Enquanto empresários, políticos e moradores pressionam pelo asfaltamento total, cientistas e ambientalistas soam o alarme.

O temor é que o projeto acelere o desmatamento em uma das áreas mais preservadas da Floresta Amazônica, como relatou o repórter Bernardo Esteves em reportagem publicada na revista piauí, após percorrer a rodovia em junho.

O papel invisível da floresta e os “rios voadores”

Os riscos apontados pelos especialistas vão muito além da perda de árvores. Estudos mostram que as florestas próximas à BR-319 são fundamentais para o equilíbrio hídrico de outras regiões do país.

O grupo da meteorologista Marina Hirota, da Universidade Federal de Santa Catarina, identificou que as árvores num raio de 100 quilômetros ao redor da estrada geram, todos os anos, cerca de 242 trilhões de litros de chuva — o equivalente a 5% de toda a precipitação produzida pela Amazônia.

Esse volume de vapor, carregado pelos chamados “rios voadores”, alimenta sistemas de chuva que atingem o Cerrado, o Pantanal, o Pampa e a Mata Atlântica.

Sem esse fluxo, regiões agrícolas e centros urbanos no Centro-Oeste, Sudeste e Sul podem sofrer reduções drásticas nas chuvas.

Impacto direto nas grandes cidades

O biólogo Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) há quase cinquenta anos, destacou à piauí que o impacto da estrada ultrapassa a fronteira amazônica.

Ele lembra que estados como Mato Grosso do Sul, Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul recebem boa parte das chuvas formadas a partir do vapor gerado pela floresta cortada pela BR-319.

A área da BR-319 é importante para a reciclagem da água que sustenta inclusive a cidade de São Paulo”, afirmou Fearnside.

O pesquisador relembrou ainda que a capital paulista enfrentou crises hídricas severas nos últimos anos, provocadas pela escassez de chuva e pela queda do nível dos reservatórios.

Um risco que vai além das fronteiras da floresta

Além das consequências locais, o desmatamento provocado pela pavimentação pode empurrar a Amazônia para o chamado ponto de não retorno — estágio em que a floresta perde sua capacidade de regeneração e se transforma em uma savana degradada.

Isso teria efeito direto nas metas climáticas do Brasil, dificultando o cumprimento dos compromissos assumidos no Acordo de Paris.

O aumento das emissões de carbono resultante da destruição da floresta comprometeria não apenas o país, mas também o esforço global para limitar o aquecimento do planeta a menos de 2 °C acima dos níveis pré-industriais.

Disputa política e entraves no licenciamento

Durante décadas, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) se recusou a autorizar o asfaltamento da BR-319.

O órgão entendia que os empreendedores não apresentaram provas de que a obra não causaria danos significativos às comunidades tradicionais e ao ecossistema local.

Essa posição mudou durante o governo Jair Bolsonaro. Com o então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas — hoje governador de São Paulo —, o projeto foi classificado como prioridade nacional.

Em 2022, o Ibama concedeu uma licença prévia para a pavimentação, contrariando pareceres técnicos internos.

A decisão, no entanto, não durou muito. Pouco tempo depois, a Justiça Federal anulou a autorização, alegando falhas no processo e ausência de garantias ambientais.

Desde então, o assunto segue em disputa judicial, sem perspectiva de desfecho.

Nova tentativa de consenso entre ministérios

No final do ano passado, representantes do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério dos Transportes e da Casa Civil chegaram a um acordo para a realização de uma avaliação ambiental estratégica.

O objetivo é mapear todos os possíveis impactos da pavimentação da BR-319 e propor medidas de proteção para a floresta e seus habitantes.

Apesar desse avanço institucional, ainda não há data prevista para a conclusão do estudo nem para a divulgação dos resultados. O impasse, portanto, continua.

Enquanto isso, a BR-319 segue dividindo opiniões e simbolizando o dilema amazônico entre progresso econômico e conservação ambiental.

O que está em jogo não é apenas o futuro da estrada, mas também o equilíbrio climático e hídrico de todo o território brasileiro.

Com informações de Folha Piauí.

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Romário Pereira de Carvalho

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