Com a China priorizando produção e preços e usando dumping, o governo mantém medidas antidumping para resguardar empregos no Brasil e a indústria brasileira, diante de pressões competitivas externas.
A China vem sendo acusada por especialistas de “exportar desemprego” ao combinar capacidade produtiva excedente com preços artificialmente baixos em vários setores, prática conhecida como dumping, para preservar empregos e atividade econômica dentro de seu próprio território. Na outra ponta, o Brasil tenta responder com 53 medidas antidumping em vigor contra a China, mas empresários e analistas avaliam que esse esforço ainda é insuficiente para evitar perdas de competitividade e fechamento de fábricas no país.
Conforme o jornal O Tempo, em meio à desaceleração global e à guerra comercial entre grandes potências, a discussão deixou de ser abstrata. Para setores da indústria brasileira, o avanço dos produtos chineses afeta diretamente margens e postos de trabalho, especialmente em cadeias já fragilizadas pela carga tributária elevada e pelo custo de capital. O debate sobre como equilibrar parceria estratégica com a China e defesa firme dos empregos no Brasil está no centro da agenda de política industrial, combinando decisões técnicas no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic) com escolhas políticas mais amplas sobre o papel do país no comércio internacional.
Como a China usa dumping para defender empregos internos

Na leitura de economistas e executivos ouvidos pelo setor produtivo, a China reagiu ao risco de desemprego elevado ampliando sua capacidade produtiva em escala muito superior à demanda doméstica e internacional.
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Para escoar esse volume, empresas chinesas praticam preços abaixo do valor considerado justo em mercados externos, caracterizando dumping em diversos segmentos, dos manufaturados a itens ligados à agroindústria.
Esse movimento permite que fábricas chinesas operem com altos níveis de utilização e mantenham milhões de trabalhadores empregados, mesmo quando margens de lucro são comprimidas.
O problema, alertam especialistas, é que o ajuste é empurrado para outros países, onde empresas locais não conseguem competir com os preços praticados pela China e acabam reduzindo produção, cortando investimentos e demitindo, em um processo que se traduz em “exportação de desemprego”.
Medidas antidumping em vigor e o alcance da defesa comercial brasileira

A Folha de S. Paulo relata que para tentar contrabalançar essa pressão, o governo brasileiro mantém 53 medidas antidumping contra a China, conforme balanço do Mdic.
Elas incidem sobre dezenas de segmentos da indústria brasileira e da agropecuária, com foco em produtos nos quais foram identificadas práticas de dumping e dano relevante à produção local.
Na prática, essas medidas adicionam sobretaxas ou valores fixos sobre produtos importados, recuperando parte da competitividade dos fabricantes nacionais.
Apesar disso, representantes do setor produtivo defendem que as medidas, embora fundamentais, não garantem sozinhas uma relação comercial equilibrada.
A percepção é de que o instrumento jurídico atua de forma cirúrgica, caso a caso, mas não resolve problemas estruturais como tributação elevada, infraestrutura deficiente e crédito caro.
Para empresários, um pacote de defesa comercial robusto deveria vir acompanhado de uma estratégia industrial de longo prazo, com reformas tributárias e incentivos à inovação que reduzam o custo Brasil.
Impacto direto sobre a indústria brasileira e empregos no Brasil
As entidades industriais alertam que, sem reação coordenada, a indústria brasileira perde espaço para importados chineses em segmentos de maior sensibilidade a preço, como calçados, têxteis, aço e produtos de consumo durável.
Em alguns desses setores, decisões recentes resultaram em medidas antidumping específicas, mas os empresários argumentam que a velocidade dos processos ainda é inferior à velocidade com que o mercado se desloca para opções mais baratas.
O reflexo mais imediato aparece nos empregos no Brasil, sobretudo em regiões que dependem de polos industriais intensivos em mão de obra.
Fábricas pressionadas por concorrência com a China relatam adiamento de investimentos, redução de turnos e, em casos extremos, encerramento de operações.
Quando o dumping não é enfrentado com agilidade, o ajuste recai sobre salários, postos de trabalho e fechamento de plantas, o que compromete a arrecadação de tributos e enfraquece cadeias produtivas locais.
O caso dos calçados e o risco de “importar sapatos e exportar trabalho”
Um dos exemplos citados por representantes empresariais é o setor calçadista.
Para conter a entrada de produtos da China a preços considerados desleais, foi fixada uma alíquota específica de 13,85 dólares por par importado no âmbito das medidas antidumping.
A intenção é reduzir a vantagem de custo que permite ao produto chinês chegar ao mercado brasileiro com preços muito inferiores aos praticados pela produção local.
Mesmo assim, parte das empresas aponta brechas e exceções.
Segundo relatos do setor, algumas companhias chinesas ficam fora do escopo da medida, o que mantém a pressão sobre fabricantes brasileiros.
Em discursos recentes, lideranças da cadeia calçadista alertam que, mantida a tendência de aumento das importações, o país pode “importar calçados e exportar postos de trabalho”, sintetizando a preocupação com o impacto direto sobre empregos no Brasil e sobre a sobrevivência de polos tradicionais do interior.
China, desemprego e o cálculo político de Pequim
Do ponto de vista de analistas internacionais, o governo da China considera preferível lidar com uma série de ações antidumping mundo afora a enfrentar índices de desemprego elevados em casa.
A lógica é que o custo político de ver fábricas cheias e algumas condenações em processos de dumping é menor do que o risco de conviver com milhões de trabalhadores sem ocupação, em um país onde a estabilidade social é prioridade absoluta.
Esse raciocínio ajuda a explicar por que a China aceita negociar e responder a medidas antidumping sem recuar de forma decisiva em sua estratégia industrial.
Em outras palavras, a prática de dumping é vista como subproduto de uma política de Estado que prioriza volume de produção, exportações e escala global, mesmo ao preço de tensões com parceiros comerciais.
Para países importadores, isso obriga a combinar instrumentos de defesa comercial com políticas internas de fortalecimento da indústria.
Limites das medidas antidumping e risco de escalada tarifária
Especialistas em comércio exterior lembram que medidas antidumping não são uma panaceia.
Em muitos casos, quando se mostra difícil comprovar dumping na forma clássica, governos passam a recorrer a outras ferramentas, como aumento de tarifas de importação ou concessão de subsídios internos à produção.
As duas saídas, embora legítimas em certos contextos, podem acionar respostas de parceiros e gerar escaladas de barreiras, como se observa em disputas recentes envolvendo outras grandes economias.
Há ainda o risco de que medidas mal calibradas acabem encarecendo insumos importantes para a própria indústria brasileira, especialmente em cadeias em que a China é fornecedora relevante de componentes.
Nesse cenário, a fronteira entre defesa comercial legítima e protecionismo disfuncional torna-se mais tênue, exigindo análises técnicas detalhadas e monitoramento permanente de impactos em preços, emprego e competitividade.
Brasil, China e o equilíbrio delicado da parceria comercial
Apesar da quantidade de processos em curso, representantes industriais afirmam que as medidas antidumping não comprometem a relação entre Brasil e China.
Ao contrário, argumentam que, por ser um grande comprador de commodities brasileiras, o país asiático também depende da estabilidade dessa parceria.
Culturas como a soja ilustram essa relação: em meio à disputa comercial com os Estados Unidos, a China reduziu fortemente suas compras de grão americano e ampliou as aquisições do Brasil, que exportou dezenas de milhões de toneladas para o mercado chinês em 2025.
Na visão de líderes empresariais, o Brasil é mais relevante para a China do que muitas vezes se reconhece no debate interno, especialmente em áreas em que não há oferta alternativa no curto prazo.
A leitura é de que Pequim compra determinados produtos brasileiros menos por opção e mais por necessidade, o que abre espaço para uma postura mais assertiva do país em defesa da indústria brasileira e dos empregos no Brasil, sem romper a cooperação estratégica no agronegócio e em outros segmentos.
Gargalos técnicos no Mdic e a necessidade de reforço institucional
Mesmo com o arcabouço atual, executivos e entidades relatam que a estrutura do Mdic ainda é insuficiente para dar conta do volume de pedidos de medidas antidumping.
Cada processo segue rito próprio, com etapas de coleta de dados, análise de dano, defesa das partes e decisão final.
Na prática, esse caminho pode se estender além do desejável para setores que vivem situações de urgência competitiva.
Dirigentes industriais defendem o reforço de equipes técnicas, com mais especialistas dedicados exclusivamente à defesa comercial, além de um alinhamento mais claro entre avaliação técnica e decisões políticas.
A avaliação recorrente é de que, sem uma postura mais agressiva e estrutura robusta, o país corre o risco de assistir a uma erosão gradual da base industrial, enquanto a China avança com produtos de alto volume e preços comprimidos, alterando o mapa do emprego industrial brasileiro.
Qual a linha entre parceria estratégica e dependência excessiva?
O diagnóstico traçado por especialistas é claro: ao praticar dumping, a China protege empregos locais e transfere parte do ajuste para economias importadoras, como o Brasil.
As medidas antidumping em vigor são importantes para mitigar esse movimento, mas, isoladamente, não resolvem os desafios estruturais da indústria brasileira nem garantem proteção duradoura aos empregos no Brasil.
Entre a necessidade de manter uma parceria estratégica com o maior comprador de commodities brasileiras e o dever de defender sua base produtiva, o país caminha em um fio estreito.
A discussão sobre defesa comercial deixou de ser tema restrito a técnicos em comércio exterior e passou a envolver diretamente trabalhadores e empresários que sentem na prática os efeitos da concorrência com produtos chineses no dia a dia.
Diante desse cenário, a grande questão é saber até que ponto o Brasil deve endurecer a resposta à China para proteger sua indústria e seus empregos sem romper pontes comerciais essenciais. E, para você, qual deveria ser o limite do país nesse equilíbrio entre parceria e proteção diante do avanço do dumping chinês?


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