Vagas de jovem aprendiz sobram no Brasil, mas muitos recusam registro formal para não perder benefícios sociais, gerando risco de apagão de mão de obra qualificada.
O programa de aprendizagem no Brasil nasceu em 2000 com a Lei da Aprendizagem (nº 10.097/2000), que obriga empresas de médio e grande porte a reservar de 5% a 15% de seus postos para jovens entre 14 e 24 anos em contratos especiais de até dois anos. O objetivo sempre foi duplo: oferecer primeira experiência formal de trabalho e ao mesmo tempo garantir formação técnica e cidadã.
Mais de vinte anos depois, porém, um paradoxo preocupa especialistas e empregadores. Apesar da obrigação legal e da demanda das empresas, milhares de vagas de aprendiz permanecem em aberto. O problema não é a falta de oferta — e sim a dificuldade em atrair jovens dispostos a assumir o vínculo formal.
Por que os jovens recusam a vaga formal
Relatórios de instituições como o Espro (Ensino Social Profissionalizante) e dados do Dieese indicam que parte dos jovens prefere atividades informais e temporárias, que garantem rendimento imediato, do que abrir mão de benefícios sociais ou se submeter a contratos de remuneração inicial baixa.
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Outro fator é a burocracia: muitos jovens enfrentam obstáculos para reunir documentos, comprovar matrícula escolar ou conciliar o horário de estudo com as exigências da vaga.
Em áreas de maior vulnerabilidade social, a pressão financeira leva muitos a optar por trabalhos eventuais em vez de um programa de aprendizado que paga pouco e exige frequência escolar regular.
Segundo Marcos Fava Neves, economista e professor da USP, “a aprendizagem é uma das políticas públicas mais inteligentes que o país tem, mas se o jovem não enxerga vantagem prática imediata, a adesão cai. É preciso equilibrar incentivo social com oportunidade real”.
As consequências para o mercado de trabalho
O risco mais evidente é um apagão de mão de obra qualificada no médio prazo. Se os jovens deixam de participar da aprendizagem, perdem acesso a cursos técnicos, treinamentos e ao primeiro registro formal em carteira — justamente o que lhes daria portas abertas em empregos futuros.
Para as empresas, isso significa dificuldade crescente em preencher funções operacionais e técnicas que dependem de qualificação básica. Já há relatos no setor de serviços, logística e comércio de vagas em aberto por meses, sem candidatos dispostos a cumprir os requisitos formais.
O peso dos benefícios sociais
Especialistas ressaltam ainda que a interação entre programas de transferência de renda e empregos formais precisa ser melhor ajustada.
Em regiões do Norte e Nordeste, há casos de famílias que recusam o registro formal de jovens justamente pelo medo de perder o Bolsa Família ou outros auxílios que complementam a renda.
De acordo com levantamento do Bnews, empregadores nordestinos têm encontrado resistência até em postos de trabalho com carteira assinada, fenômeno que também se repete na aprendizagem.
O problema não é a falta de interesse no trabalho, mas o receio de abrir mão de benefícios sociais que oferecem segurança mínima em um mercado marcado por alta rotatividade.
Caminhos para evitar o apagão
A solução, segundo especialistas em direito trabalhista e políticas sociais, passa por três frentes:
Flexibilização do vínculo: criar contratos de aprendizagem que não interfiram em benefícios sociais, reduzindo o dilema entre Bolsa Família e trabalho formal.
Incentivo às empresas: ampliar benefícios fiscais para empregadores que mantêm programas de aprendizagem ativos.
Educação e comunicação: explicar melhor aos jovens e às famílias que o programa de aprendizagem é uma porta de entrada, não uma armadilha trabalhista.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) já defende que a lei seja modernizada para refletir as novas realidades do mercado de trabalho e os desafios da inclusão social.
Se o país não resolver esse impasse, a geração atual de jovens poderá ser a primeira em décadas a ter menos acesso ao mercado formal do que seus pais.
O resultado é um ciclo vicioso: mais informalidade, menos qualificação e, consequentemente, um Brasil menos competitivo.
A aprendizagem foi criada para romper esse ciclo. Mas, enquanto não houver um equilíbrio entre incentivos sociais e estímulo ao emprego, as vagas continuarão sobrando — e as empresas, assim como os jovens, seguirão perdendo.