Escândalo em Goiás expõe suspeitas de fraudes milionárias no crédito rural, com venda de fazendas, operações bancárias e movimentações que envolvem produtor influente e dirigentes de cooperativa financeira sob investigação da Polícia Civil.
A Polícia Civil de Goiás investiga um suposto esquema de fraudes que envolve o agropecuarista Thiago da Matta Fagundes e dirigentes do Sicoob.
O inquérito nº 269/2023 apura estelionato, falsidade ideológica, fraude processual, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Somadas, as penas previstas por lei podem superar 30 anos de reclusão, além de multas.
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Conforme publicado pelo portal Compre Rural, o caso veio à tona após a venda de fazendas em Porangatu (GO) e operações financeiras que, segundo a investigação, teriam usado os mesmos imóveis como garantia em mais de uma operação de crédito.
Negócio de fazendas em Porangatu deu início à investigação
As apurações tiveram início após denúncia do empresário Fabiano Alves Tavares, que negociou a compra de três glebas avaliadas em R$ 34 milhões.
Para viabilizar a escritura, ele transferiu R$ 6,9 milhões a Thiago, quantia que, de acordo com o relato, deveria quitar dívidas junto ao Sicoob e liberar os imóveis para registro.
A transação foi noticiada pela imprensa especializada em 2024 e passou a integrar o material do inquérito. Na sequência, a situação se complicou.
Em vez de direcionar os recursos à liquidação do débito, Thiago teria firmado uma nova Cédula de Crédito Bancário (CCB nº 926994), no valor de R$ 14 milhões, mantendo como garantia as mesmas áreas já negociadas com o comprador.
A medida travou o registro da propriedade em nome de Fabiano e desencadeou pedidos de esclarecimento às autoridades.
O papel do Sicoob no caso
De acordo com relatórios da Polícia Civil, o Sicoob tinha ciência das tratativas entre vendedor e comprador.
Ainda assim, a cooperativa autorizou a renegociação do passivo, preservando como garantia os imóveis já comprometidos na venda.
Em depoimento, a diretora jurídica da instituição, Angélica Araújo Diniz, disse que acompanhou as conversas e confirmou que as áreas permaneceram vinculadas às operações.
Documentos e trocas de mensagens anexados ao inquérito indicam, segundo a investigação, a realização de retenções simuladas em contas.
Para os investigadores, esse expediente pode se enquadrar como fraude processual e, dependendo do fluxo financeiro, configurar lavagem de dinheiro.
A apuração mira, portanto, tanto a conduta do produtor quanto a eventual participação de dirigentes da cooperativa nas decisões que mantiveram os bens como garantia.
Transferências milionárias chamam atenção
Um ponto destacado no material do inquérito é a circulação de recursos a terceiros.
Em 4 de julho de 2023, houve uma transferência de R$ 4,3 milhões da conta de Thiago para Marco Túlio Marcelino, sogro do investigado.
Esse repasse integra o mapa de transações reconstruído pela equipe policial e ajuda a compor a linha do tempo das operações em análise.
Além das fazendas de Porangatu, os autos apontam que o investigado teria se valido de pessoas interpostas e empresas de fachada para contratar empréstimos elevados e movimentar capital fora do radar convencional.
A soma do prejuízo estimado supera R$ 100 milhões, alcançando produtores rurais, instituições financeiras e fundos de investimento, conforme os elementos colhidos.
Vítimas e prejuízos revelados
As peças do inquérito listam pecuaristas que teriam perdido áreas e rebanhos após operações que não se concretizaram como o prometido.
Há referência a fundos que aceitaram garantias posteriormente questionadas.
Em um episódio específico, a investigação afirma que houve falsificação de escritura pública de uma fazenda avaliada em R$ 100 milhões com o objetivo de levantar crédito junto ao Itaú.
Esse caso, segundo os policiais, ilustra o padrão de conduta sob apuração. Em Porangatu, Thiago é descrito como figura conhecida.
Depoimentos reunidos pela polícia relatam temor de moradores e investidores quanto a possíveis represálias, dada a influência atribuída ao investigado e o histórico de conflitos comerciais narrados por vítimas em potencial.
Esses relatos foram formalizados e passaram a compor a base de evidências da investigação.
Crimes em apuração e penas previstas
A Polícia Civil imputa aos investigados a prática de estelionato, falsidade ideológica, fraude processual, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
As penas máximas previstas no Código Penal e em legislações correlatas variam, em tese, de até cinco anos para estelionato e falsidade, dois anos para fraude processual e de três a dez anos para lavagem de dinheiro, além de três a oito anos para organização criminosa.
Consideradas em conjunto, as sanções podem ultrapassar a marca de três décadas de prisão, sem prejuízo de multas e reparações civis.
Cabe destacar que todos os citados são investigados e têm direito ao contraditório e à ampla defesa.
Eventuais denúncias criminais dependem da avaliação do Ministério Público a partir do conjunto probatório remetido pela polícia.
Até decisão judicial transitada em julgado, vigora a presunção de inocência.
Divulgação oficial e busca por novas vítimas
Em razão do interesse público, as autoridades mencionadas no inquérito informaram que divulgaram o nome e a imagem do principal suspeito, com o objetivo de identificar novos casos.
A orientação é para que pessoas que tenham realizado negociações semelhantes procurem a 4ª Delegacia de Polícia de Goiânia e apresentem documentos que possam colaborar com a investigação.
O material reunido tende a reforçar a identificação de padrões e a aferição de responsabilidades.
Impactos no crédito rural e próximos passos
O caso expõe fragilidades de governança e compliance em operações de crédito rural, sobretudo quando bens são mantidos como garantia em diferentes frentes de negociação.
Ao mesmo tempo, a investigação lança luz sobre a necessidade de verificações reforçadas por parte de cooperativas e bancos no momento de reestruturar dívidas, especialmente quando há conhecimento prévio de transações de compra e venda envolvendo os bens dados em garantia.
Segundo a Polícia Civil, o relatório final conclui pela existência de conluio entre Thiago e dirigentes do Sicoob.
Com a conclusão das diligências, os autos devem seguir ao Ministério Público, que decidirá sobre o oferecimento de denúncia e a eventual responsabilização penal dos envolvidos.
Eventuais medidas cautelares, como indisponibilidade de bens e bloqueio de valores, dependem de análise do Judiciário a partir dos elementos apresentados.
Enquanto o Ministério Público avalia os documentos, a orientação às partes interessadas é guardar e apresentar contratos, comprovantes de transferência, comunicações por escrito e qualquer registro de garantias vinculadas às operações.
Esses itens costumam ser determinantes para verificar a cadeia de titularidade e a coerência entre as obrigações assumidas e os bens ofertados.
Futuro da investigação
A apuração tende a avançar sobre a origem dos recursos, o tráfego de valores entre contas relacionadas e a eventual participação de terceiros na difusão de garantias supostamente irregulares.
Caso se confirmem as suspeitas, novas frentes podem ser abertas para apurar responsabilidades cível e administrativa de pessoas físicas e jurídicas.
Além disso, a coleta de novos depoimentos pode ampliar o número de vítimas formais e redesenhar o mapa do prejuízo consolidado.
Diante desse quadro, quais medidas de controle e transparência no crédito rural deveriam ser adotadas por cooperativas e produtores para evitar que operações com a mesma garantia se repitam e prejudiquem todo o ecossistema do agronegócio?