O erro de um sistema de pagamento na província de San Luis levou uma mulher argentina a receber por engano 510 milhões de pesos. Ela gastou tudo em um dia, virou ré por fraude e agora o caso é estudado como precedente jurídico
Por alguns dias, uma moradora da pequena cidade de San Luis, na Argentina, viveu o que descreveu como um “presente de Deus”. Verónica Acosta, de 42 anos, esperava o pagamento de uma pensão alimentícia de cerca de 8 mil pesos argentinos — o equivalente a menos de R$ 40.
➡️ Esta reportagem é uma atualização da matéria publicada no mês de maio. Leia a versão original aqui.
No entanto, ao acessar sua conta bancária, encontrou um depósito inacreditável de 510 milhões de pesos, valor equivalente a R$ 2,4 milhões.
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A transferência, feita pelo próprio governo provincial, foi resultado de um erro administrativo.
O sistema, que deveria realizar depósitos sociais, redirecionou acidentalmente a quantia milionária para a conta pessoal de Acosta.
A mulher, segundo o Ministério Público, não comunicou o erro e iniciou uma maratona de gastos em poucas horas.
O que se sabe que aconteceu
Segundo as investigações iniciais, Verónica fez 66 transferências bancárias no mesmo dia, distribuiu valores para familiares, comprou um carro, pisos, utensílios domésticos e eletrodomésticos.
Parte do dinheiro foi usada também para pagamentos diretos a conhecidos e comerciantes locais.
O caso veio à tona quando o sistema bancário identificou uma movimentação incompatível com o perfil da beneficiária e notificou o Tesouro de San Luis.
Poucas horas depois, o governo percebeu o erro e acionou a Justiça.
Em entrevista à imprensa argentina, Acosta afirmou que acreditou que o depósito fosse “um presente de Deus” e que não tinha consciência de que o dinheiro pertencia ao Estado. “Pensei que era um prêmio, uma bênção. Nunca imaginei que fosse um erro”, declarou à rádio local.
As autoridades, porém, entenderam de forma diferente. O Ministério Público de San Luis acusou Verónica e cinco familiares por fraude contra o Estado, retenção indevida de fundos públicos e uso ilegítimo de meios eletrônicos.
Todos chegaram a ser detidos preventivamente, e a Justiça fixou fiança de 5 milhões de pesos por pessoa, totalizando 30 milhões.
De acordo com o governo provincial, mais de 90% do valor foi recuperado em poucos dias, graças a bloqueios judiciais e devoluções automáticas.
O banco responsável conseguiu reverter 465,6 milhões de pesos diretamente às contas públicas, e outros 44 milhões foram rastreados e recuperados parcialmente.
Durante os depoimentos, os investigadores afirmaram que Verónica teve plena consciência da origem indevida do dinheiro, já que a transferência aparecia em seu extrato bancário identificada como pagamento do Estado.
A defesa, por outro lado, sustentou que não houve intenção criminosa e que a mulher apenas utilizou o valor acreditando estar recebendo um benefício ampliado ou retroativo.
O episódio gerou forte repercussão na Argentina. O caso foi apelidado pela imprensa local de “La mujer de los 500 millones” e virou tema de debates sobre falhas nos sistemas de pagamento eletrônico e sobre a responsabilidade de quem recebe valores indevidos.
Novidades e atualizações
Nos meses seguintes, a história ganhou novos capítulos. Após recursos apresentados pela defesa, a Justiça argentina decidiu revogar as prisões preventivas e anular as fianças milionárias impostas aos acusados.
Segundo decisão publicada em junho de 2025, o tribunal considerou que não havia risco de fuga e que as medidas eram desproporcionais diante da colaboração da ré. Assim, Verónica Acosta e os demais investigados foram libertados, permanecendo apenas sob obrigação de comparecer às audiências.
O caso continua tramitando no Juzgado de Instrucción de San Luis, e o Ministério Público mantém as três imputações principais:
- Estelionato (fraude) contra o Estado;
- Uso indevido de instrumento eletrônico;
- Apropriação indevida de fundos públicos.
De acordo com documentos divulgados pelo site Infobae, a Justiça confirmou que cerca de 465 milhões de pesos foram revertidos automaticamente, e que o restante foi recuperado por medidas de apreensão ou devolução voluntária.
A defesa de Verónica insiste na tese de que não houve má-fé. “Ela não pediu esse dinheiro, não falsificou nada, apenas acreditou estar recebendo um valor legítimo”, disse o advogado ao jornal La Nación. O defensor também destacou que, em poucos dias, o governo conseguiu quase a totalidade dos recursos, o que reforçaria a inexistência de dano permanente ao Estado.
Em decisão posterior, a Câmara Criminal de San Luis considerou que ainda é cedo para determinar dolo, mas manteve a investigação aberta. O Ministério Público, por sua vez, afirma que as ações de Acosta “foram incompatíveis com a boa-fé”, já que ela realizou dezenas de transferências em tempo recorde e tentou ocultar parte do valor distribuindo-o entre familiares.
A acusada voltou a se manifestar após ser liberada. Em entrevistas recentes, disse que “está arrasada psicologicamente” e que jamais pretendeu enganar ninguém. “Achei que fosse um presente, não um erro. Agora vivo um pesadelo”, afirmou.
Hoje, Verónica Acosta responde em liberdade, mas continua impedida de movimentar contas e adquirir bens até o julgamento final. A Justiça deve definir ainda em 2025 se o caso será arquivado ou se seguirá para audiência oral e pública.
Enquanto isso, o episódio se tornou um exemplo emblemático na Argentina sobre o uso responsável de meios eletrônicos e os limites legais para quem recebe valores indevidos — mesmo por erro alheio. A história de “la mujer de los 500 millones” segue dividindo opiniões: para uns, uma vítima das falhas do sistema; para outros, a protagonista de uma das fraudes mais inusitadas do país.