Criada em São Carlos nos anos 1950, a Companhia Brasileira de Tratores viveu o auge nas décadas de 1970 e 1980, fabricou mais de 100 mil tratores e simbolizou o orgulho nacional no campo
Nos anos 70 e 80, quem viveu no campo se lembra bem do som forte e inconfundível dos tratores CBT. As máquinas amarelas eram símbolo de orgulho, progresso e independência tecnológica. Elas representavam o Brasil que sonhava em ser potência no agronegócio e na indústria.
Criada como uma empresa 100% nacional, a Companhia Brasileira de Tratores transformou-se em sinônimo de força no campo, mas também em um exemplo clássico de como o sonho industrial brasileiro foi sufocado por crises e concorrência estrangeira.
CBT: um sonho brasileiro nascido em São Carlos
A Companhia Brasileira de Tratores (CBT) foi fundada em 1º de setembro de 1959, pelo empresário Mário Pereira Lopes.
-
Com 400 km² de salinas e produção de mais de 4 milhões de toneladas por ano, o “Império do Sal Brasileiro” funciona 24h, exporta para vários continentes e transforma o Nordeste em potência global da indústria mineral
-
Petrobras e BYD anunciam R$ 8 bilhões na Bahia e inauguram nova era da indústria no Brasil
-
Potencial mineral do Rio Grande do Sul impulsiona mineração sustentável, investimentos regionais, inovação tecnológica e crescimento econômico no Brasil
-
A maior fábrica de leite do país tem 100 mil m², processa 90 milhões de litros por mês e não pertence à Nestlé — mas à Itambé, que domina o setor lácteo brasileiro
O início foi modesto, em Ibaté (SP), onde a empresa fabricava motores e peças. Pouco depois, começou a montar tratores da marca norte-americana Oliver.
Em 1961, a companhia deu um salto importante ao inaugurar uma moderna fábrica no distrito de Água Vermelha, em São Carlos.
A partir dali, passou a desenvolver tecnologia própria, com foco na produção nacional. O primeiro modelo montado foi o Oliver 950, ainda sob licença.
Mas foi em 1962 que o marco histórico aconteceu: nasceu o CBT-1020, o primeiro trator totalmente nacional.
Esse lançamento mostrou que o Brasil podia projetar e fabricar tratores robustos, eficientes e adaptados à realidade do campo.
Foi um passo simbólico para o país que queria deixar de importar máquinas agrícolas e acreditar em sua própria engenharia.
A era de ouro: força, simplicidade e orgulho nacional
Durante as décadas de 1970 e 1980, a CBT viveu seu auge. Nesse período, produziu cerca de 111 mil tratores, tornando-se uma das maiores fabricantes da América Latina. Só até 1971, mais de 14 mil unidades já tinham saído da linha de montagem.
O sucesso vinha da combinação de força e simplicidade. Os tratores CBT eram reconhecidos por aguentar o trabalho pesado, com mecânica acessível e fácil de consertar.
O índice de nacionalização chegava a 80%, um feito notável para a época. Motores Perkins e Mercedes-Benz garantiam torque e potência para lidar com solos duros, abrir pastos e arar terras virgens.
Além disso, a empresa mantinha independência tecnológica. Enquanto outras fabricantes dependiam de licenças estrangeiras, a CBT desenvolvia seus próprios projetos.
Isso reforçava o sentimento de orgulho nacional em um Brasil que crescia e se modernizava.
O trator do desbravamento do Centro-Oeste
Nas décadas de 1970 e 1980, o país expandia suas fronteiras agrícolas para o Centro-Oeste. E foi com o ronco dos tratores CBT que muitas dessas terras começaram a ser abertas.
Em regiões de cerrado, como Goiás e Mato Grosso, eles se tornaram sinônimo de progresso.
Os produtores rurais confiavam nas máquinas por sua durabilidade e manutenção simples. Mesmo longe dos grandes centros, bastavam algumas ferramentas e um mecânico experiente para resolver qualquer problema.
Por isso, o CBT virou o trator do desbravamento — levando mecanização, produtividade e esperança a áreas até então isoladas.
O som do motor ecoando nos campos era mais do que o barulho de uma máquina em funcionamento. Era o som de um país acreditando no próprio futuro.
Inovação e o ousado projeto Javali
Nos anos 1980, a CBT começou a buscar novos caminhos. A empresa lançou o Javali, um utilitário 4×4 produzido entre 1988 e 1990.
O veículo usava motor turbo-diesel de três cilindros e era pensado para uso tanto rural quanto urbano.
Com visual simples, o Javali pretendia ser uma alternativa nacional aos veículos off-road estrangeiros. Era uma tentativa de renovação diante das mudanças do mercado e das dificuldades econômicas.
Embora não tenha conseguido reverter a crise, o modelo é lembrado como uma das últimas inovações da marca e um símbolo de resistência.
A queda: concorrência, custos e o fim de uma era
A partir dos anos 1990, tudo começou a desmoronar. A abertura econômica promovida pelo governo Collor trouxe tratores importados, mais modernos e baratos.
A CBT, com sua estrutura pesada e custos elevados, não conseguiu competir.
Em 1991, a produção despencou para 883 unidades. Três anos depois, em 1994, foram apenas 214 tratores.
Sem escala e sem fôlego financeiro, a empresa mergulhou em dívidas. Faltava investimento em tecnologia e sobra de concorrência estrangeira.
Em 1995, a produção parou de vez. Dois anos depois, em 1997, a falência foi decretada oficialmente. A antiga fábrica de São Carlos foi leiloada, encerrando um ciclo de quase quatro décadas.
O local ganhou novos destinos: hoje abriga o Centro Tecnológico da TAM e o Museu Asas de um Sonho, além do Aeroporto de São Carlos — construído pela própria CBT e batizado com o nome de seu fundador, Mário Pereira Lopes.
Um legado que ainda ecoa
Mesmo décadas depois, o nome CBT continua vivo na memória dos produtores e mecânicos. Muitos tratores seguem em funcionamento, resistindo ao tempo e à obsolescência.
É comum encontrar um CBT antigo ainda trabalhando em fazendas, como testemunha silenciosa de uma época de otimismo e orgulho nacional.
Essas máquinas não eram apenas equipamentos agrícolas. Elas simbolizavam o sonho de um país que queria produzir, inovar e competir de igual para igual com as grandes potências.
A história da CBT é também a história da indústria brasileira: marcada por conquistas, mas fragilizada por políticas instáveis e falta de investimento em longo prazo.
O trator que abriu o cerrado, arou terras e fez nascer fazendas, acabou soterrado por decisões econômicas e pela chegada massiva de marcas estrangeiras.
No fim das contas, nenhuma montadora brasileira sobreviveu ao avanço das multinacionais. A CBT foi mais uma vítima desse processo.
Mas, nas fazendas onde ainda se ouve o ronco de um trator amarelo em funcionamento, há mais do que nostalgia. Há resistência, memória e orgulho.
O som do motor CBT, mesmo antigo, continua ecoando como lembrança de um Brasil que acreditou no próprio poder de construir o futuro com as próprias mãos.
Com informações de Compre Rural.