Enel quer driblar curtailment com baterias em usinas de energia renovável na Bahia, mas aguarda marco regulatório e isenção de impostos para iniciar investimentos no setor.
A Enel avalia o uso de baterias como alternativa para seguir investindo em energia renovável no Brasil diante do cenário atual de curtailment, os cortes obrigatórios de geração. A declaração foi feita pelo presidente da companhia no país, Antônio Scala, durante evento realizado neste fim de semana na Bahia.
O executivo participou da inauguração oficial da usina eólica de Pedra Pintada, localizada em Ourolândia, a cerca de 400 quilômetros de Salvador. A unidade foi construída com investimento de R$ 1,8 bilhão e tem capacidade de geração de 194 megawatts (MW). No entanto, desde o início da operação comercial, a usina opera com geração reduzida, atingindo 11% a menos do que o previsto, devido aos cortes programados.
Enel projeta hibridização de usinas com uso de baterias
Segundo Scala, o futuro dos investimentos da Enel na geração de energia renovável depende da adoção de tecnologias de armazenamento. “As baterias podem ser a forma de seguir fazendo investimentos no Brasil”, afirmou o executivo, explicando que a hibridização das usinas começará pela Bahia.
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A empresa já estrutura planos para implementar sistemas de armazenamento nas usinas eólicas e solares, mas aguarda um avanço regulatório para o setor. Scala também defendeu a necessidade de incentivos fiscais para viabilizar a instalação de baterias no país. “Vamos precisar de um Ex-tarifário para introduzir baterias. A tecnologia está mais acessível no mercado internacional, mas no Brasil os custos ainda são elevados devido às taxas e impostos de importação.”
Empresa prevê R$ 25 bilhões em investimentos até 2025
De acordo com Scala, a Enel planeja investir R$ 25 bilhões no Brasil até 2025, sendo R$ 24 bilhões concentrados na área de distribuição. Os aportes em geração dependerão da evolução do problema do curtailment. O presidente da companhia destacou que o impasse precisa ser resolvido para viabilizar novos projetos de energia renovável.
A operação da empresa na Bahia, com 1,6 gigawatt (GW) de capacidade instalada, é uma das mais afetadas pelos cortes. Em algumas unidades, os curtailments já chegam a 35%, segundo a companhia. Na usina de Pedra Pintada, por exemplo, apenas um dos 43 aerogeradores funcionava na manhã da inauguração, em função das restrições operacionais.
Curtailment afeta recuperação dos investimentos no setor
Durante o evento, o diretor da Enel Green Power, Bruno Riga, destacou que os cortes na geração têm atrasado o retorno financeiro dos projetos. “Com esse nível de curtailment, precisamos de mais quatro ou cinco anos para recuperar o investimento em relação ao planejado. Isso pode comprometer a sustentabilidade financeira das empresas”, disse Riga.
Segundo ele, a estimativa inicial de retorno dos investimentos variava entre 10 e 15 anos. Com os cortes atuais, esse período pode se estender para até 20 anos. “Se o problema persistir, há o risco de que usinas encerrem a vida útil sem retorno financeiro completo”, afirmou.
Empresa defende solução legislativa para o curtailment
Scala também comentou que a solução mais imediata para o curtailment poderia vir por meio da Medida Provisória (MP) 1.300, que trata da reforma do setor elétrico. A proposta em discussão no Congresso pode incluir compensações econômicas aos geradores afetados pelos cortes.
Segundo ele, a atuação conjunta dos três poderes é necessária para resolver o problema. “Temos Legislativo, Executivo e Judiciário em ação, o que mostra a relevância do tema”, disse o executivo. Scala destacou que o Ministério de Minas e Energia já trabalha em uma proposta técnica baseada no reequilíbrio das fontes de geração.
Setor também busca alternativas judiciais e regulatórias
Enquanto o marco legal não avança, associações do setor têm recorrido ao Judiciário para defender os interesses dos geradores. A Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica) e a Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) lideram ações para buscar compensações e definir regras mais estáveis para o mercado.
O deputado João Carlos Bacelar (PT-BA), presente no evento, declarou que a inclusão do tema na MP traria mais segurança jurídica para os investidores. Ele argumentou que uma portaria do Ministério não teria o mesmo peso legal que uma medida aprovada pelo Congresso.
Safra de ventos intensifica efeitos do curtailment
De acordo com Scala, o problema tende a se agravar nos próximos meses, período que marca a safra de ventos no Nordeste. Durante essa época, há maior geração de energia pelas usinas eólicas, mas a demanda local é reduzida devido ao menor uso de energia para climatização.
A limitação na capacidade de escoamento pelas linhas de transmissão faz com que o excedente de energia precise ser cortado. “É quando o efeito da insuficiência da infraestrutura elétrica se torna mais evidente”, afirmou o presidente da Enel.
Sustentabilidade financeira está em risco para operadores menores
Riga alertou que operadores de menor porte podem ser mais vulneráveis ao cenário atual. Empresas com alto grau de alavancagem, estruturadas com base em project finance, enfrentam dificuldades para operar com cortes frequentes de geração. “Um operador menor não consegue sustentar um ou dois anos com perdas de 15%, 20% ou 30%”, disse.
Mesmo grandes grupos, como a Enel, afirmam que o problema pode comprometer decisões de novos investimentos caso não haja uma resposta institucional consistente. O armazenamento por baterias, segundo a empresa, representa uma solução de médio prazo que poderia manter a expansão da energia renovável no Brasil.