A tarifa de 50% dos EUA sobre o café brasileiro já chegou ao interior e pequenos produtores e cooperativas sentem o aperto no caixa, com compradores americanos adiando embarques e reduzindo contratos, o preço ao produtor cede e os prazos ficam mais longos.
A tarifa de 50% aplicada pelos Estados Unidos sobre o café do Brasil não é um ruído distante do mercado internacional. Ela já aparece nas conversas de cooperativas, nas contas de custeio e na incerteza de quem depende da colheita para pagar salários e manter a lavoura em pé. O efeito mais duro tende a recair sobre pequenos produtores, que têm menos colchão financeiro e maior dificuldade de negociar prazos e preços.
Desde o início de agosto, compradores americanos reduziram o ritmo de novos contratos com o Brasil e passaram a postergar embarques, aguardando desdobramentos diplomáticos e avaliando estoques de curto prazo. O atraso, para quem vende, significa caixa travado, custo financeiro maior e riscos de perda de preço.
Ao mesmo tempo, a possibilidade de desvio de comércio ganha força. Parte do volume historicamente destinado aos EUA pode migrar para China e Europa, movimento que não se faz da noite para o dia e que exige adaptação logística e comercial.
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Enquanto o contencioso se desenrola nos organismos internacionais, a vida no campo continua. E é justamente aí que o impacto social e econômico pode ser mais visível, sobretudo nas regiões onde a cafeicultura estrutura renda e emprego.
O que muda com a tarifa de 50% dos EUA no café do Brasil
A medida entrou em vigor no começo de agosto e redesenhou o custo relativo do café brasileiro no maior mercado consumidor do mundo. O governo americano classifica a tarifa como questão de “segurança nacional”, o que dificulta uma reversão imediata. O Brasil pediu consultas na OMC e os EUA aceitaram a abertura dessa etapa em 19 de agosto de 2025.
As consultas inauguram um canal formal de negociação, mas não suspendem automaticamente as tarifas. Em paralelo, cafeterias e torrefadores nos EUA relatam pressão de custos e risco de repasse ao consumidor, cenário que amplia a incerteza sobre a demanda por café de origem brasileira nos próximos meses.
Para o Brasil, o choque vem em um momento de safra relevante. A Conab projeta 55,7 milhões de sacas em 2025, alta de 2,7%. Em condições normais, parte importante desse volume encontra destino em compradores americanos. Com a tarifa, a equação muda, e a pergunta passa a ser: quem absorverá o café que deixar de ir para os EUA e em quais condições de preço.
Quem são os pequenos produtores de café e por que estão mais vulneráveis
A base da cafeicultura brasileira é formada por milhares de propriedades familiares espalhadas por MG, ES, SP, BA, RO e outros estados. Esse universo de pequenos e médios produtores é vital para o tecido econômico local, movimenta comércio, serviços e empregos rurais. Quando o preço na porteira cai ou atrasa, o impacto se propaga na cidade inteira.
Pequenos produtores costumam ter menor capital de giro, maior dependência do crédito de custeio e menor poder de barganha comercial. Por isso, choques externos que travam o fluxo de venda ou elevam custos de financiamento atingem com mais força esse grupo.
As cooperativas ajudam a amortecer o golpe com comercialização conjunta, assistência técnica e qualidade. Ainda assim, quando compradores adiam embarques ou evitam fechar novos lotes, a pressão chega ao produtor na forma de preço mais baixo e prazo mais longo de pagamento.
Além da renda, há o risco de abandono temporário de áreas ou de cortes em tratos culturais, o que compromete produtividade futura. Em cenários prolongados, pode haver desmobilização de mão de obra, afetando empregos no campo e na cidade. Esses são os efeitos que mais preocupam prefeitos, cooperativas e entidades do agro.
Efeito dominó no campo: preço ao produtor, crédito e cooperativas
Desde a virada de agosto, a sinalização que vem do trade é clara: postergam-se embarques do Brasil e reduzem-se novos contratos com origem brasileira, na expectativa de uma solução política. Para exportadores e cooperativas, isso significa estoque parado e custo financeiro maior, porque financiamentos de exportação como os ACCs ficam mais caros quando o embarque atrasa. Em mercados de futuros invertidos, empurrar um lote de setembro para dezembro pode inclusive gerar perda por diferença de mês, corroendo margens já apertadas.
Essa conta, inevitavelmente, encosta no preço ao produtor. Se a cooperativa está com a tesouraria pressionada, a tendência é acelerar a venda interna com desconto, alongar prazos ou segurar recebimentos. Para o produtor pequeno, a soma de custo de insumos, juros e preço mais baixo gera um aperto que ameaça investimento em poda, adubação e colheita subsequente. Quando esse ciclo se instala, a qualidade também sofre e o café perde valor agregado, criando um círculo difícil de quebrar.
Desvio de comércio e novos destinos: China e Europa entram no radar
Com o encarecimento de entradas brasileiras nos EUA, cresce a busca por novos destinos. A China autorizou 183 empresas brasileiras a exportar café por cinco anos, com vigência a partir de 30 de julho. Na prática, isso abre uma porta para realocar parte dos volumes que perderam competitividade no mercado americano.
A Europa também tende a absorver uma fatia, enquanto os Estados Unidos reforçam compras de Colômbia e Vietnã. O desvio, porém, exige ajustes logísticos, negociação de contratos e, em muitos casos, adequação de blends na torra no destino. Ou seja, ajuda, mas não elimina o choque de curto prazo na renda do campo.
Para mitigar perdas, cooperativas com histórico em cafés especiais e certificações podem acelerar canais diretos para mercados que pagam prêmio por qualidade e origem. Programas de qualidade pós-colheita e rastreabilidade tendem a ser diferenciais para recuperar preço unitário quando o volume está pressionado.