Depois de sucessivas estiagens e uma enchente histórica, agricultores enfrentam dívidas crescentes e incertezas. A mobilização pela securitização busca solução, enquanto o campo lida com perdas econômicas e impactos sociais profundos.
Após quatro estiagens consecutivas e uma enchente considerada a mais devastadora da história recente do Rio Grande do Sul, produtores rurais do estado enfrentam um cenário crítico de endividamento e incertezas.
Nos últimos cinco anos, cerca de 220 mil agricultores gaúchos viram suas propriedades serem impactadas por eventos climáticos extremos, o que resultou na perda de safras, comprometimento da produção e dificuldade de recuperação financeira.
O drama, que afeta famílias inteiras, se agravou com a enchente de maio de 2024, atingindo de pequenas propriedades a grandes produtores e colocando em risco o futuro do agronegócio regional. As informações foram originalmente publicadas pela Revista Oeste.
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Impacto das perdas e aumento do endividamento dos produtores rurais
A rotina de trabalho nas propriedades, como a de Rafael Herrmann, 43 anos, produtor rural em Boa Vista do Cadeado, no noroeste do estado, se transformou em um desafio diário para manter a produção de leite e sustentar a família.
Ele e a esposa, Indiara Cristiane Paez, administram 29 vacas leiteiras, além de novilhas e bezerras, mas o esforço não tem sido suficiente para garantir estabilidade financeira.
A situação de Herrmann representa milhares de outras famílias do campo que, apesar do trabalho árduo, acumulam dívidas e encontram obstáculos para renegociar os valores em atraso.
Segundo a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), as dívidas dos produtores gaúchos já somam R$ 72 bilhões somente no sistema financeiro formal.
Além do sistema bancário, produtores precisam lidar com compromissos financeiros junto a concessionárias de máquinas, revendas de insumos e cooperativas, elevando ainda mais a pressão sobre os orçamentos familiares.
Conforme apuração da Revista Oeste, o acúmulo de dívidas tem sido agravado pela dificuldade de acesso a crédito rural em condições adequadas.
Dificuldades com crédito rural e atuação das cooperativas
O acesso a crédito rural, instrumento fundamental para o funcionamento das propriedades, tornou-se um desafio extra diante das exigências impostas por cooperativas e instituições financeiras.
Agricultores relatam dificuldades para negociar dívidas mesmo quando apresentam laudos técnicos que comprovam prejuízos causados por intempéries climáticas, conforme prevê o Manual do Crédito Rural (MCR) e a Súmula 298 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Na prática, como relatou Rafael Herrmann em entrevista concedida à Revista Oeste, muitas instituições não seguem as normas do MCR e oferecem alternativas de crédito comercial, com taxas de juros que podem variar de 1,5% a 3% ao mês, bem acima das condições do crédito rural tradicional.
Para muitos agricultores, aceitar essas condições acaba sendo a única saída para manter a produção e preservar o nome limpo, indispensável para adquirir insumos e continuar operando.
A consequência, segundo produtores, é a formação de uma “bola de neve” de dívidas, que compromete a sustentabilidade do setor e fragiliza a economia local.
Protestos e pressão pela securitização das dívidas agrícolas
Diante da situação de calamidade, produtores rurais de diferentes cidades gaúchas se organizaram em protestos desde 13 de maio de 2024, reivindicando atenção das autoridades e pressionando parlamentares para a aprovação de medidas emergenciais.
O principal foco dos movimentos é o projeto de securitização das dívidas, atualmente em tramitação no Congresso Nacional.
A securitização consiste em transformar dívidas em títulos garantidos pelo Tesouro Nacional, possibilitando condições especiais de financiamento e prazos ampliados para pagamento.
A experiência de medidas similares na década de 1990, que permitiu o parcelamento das dívidas dos produtores gaúchos em até 25 anos, é frequentemente citada como exemplo de solução viável e já implementada no país.
Segundo detalhou a Revista Oeste, a aprovação desse tipo de projeto é vista por entidades do setor como fundamental para evitar o colapso financeiro do agronegócio gaúcho.
Arlei Romeiro, diretor financeiro da Associação dos Produtores e Empresários Rurais (Aper), destaca que a securitização daria novo fôlego ao produtor, permitindo reorganizar as finanças sem sacrificar o patrimônio, como acontece atualmente com a execução de bens e garantias.
Consequências sociais e familiares no meio rural do Rio Grande do Sul
Os efeitos da crise ultrapassam as barreiras econômicas e têm impacto direto no cotidiano das famílias rurais.
Enquanto parte dos produtores adere aos protestos em busca de respostas, outros relatam casos de depressão, adoecimento e até suicídios, agravados pela pressão financeira e pela falta de perspectivas de melhora imediata.
Muitos recorrem à venda de bens, animais e equipamentos para garantir o plantio e a colheita da próxima safra, na esperança de que o ciclo de perdas seja interrompido.
O jornal também apontou que esse cenário de vulnerabilidade social desafia políticas públicas e mobiliza entidades para buscar soluções efetivas.