Trabalhadora de Natal conseguiu reverter decisão do TRT e garantir pagamento de horas extras após o TST aplicar regra da Lei das Domésticas que obriga empregadores a registrar a jornada de trabalho.
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu, em 24 de setembro de 2025, que empregadores de Natal (RN) devem pagar horas extras a uma trabalhadora doméstica contratada após a Lei Complementar 150/2015.
A condenação foi fundamentada na ausência de registro de jornada, obrigação prevista em lei, o que levou à presunção de veracidade do horário informado pela empregada. A decisão foi unânime.
Jornada em duas casas e no canil
A trabalhadora ingressou no emprego em junho de 2023 para atender a duas residências de um casal divorciado.
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Além das atividades domésticas, cuidava de um canil de finalidade comercial mantido por uma das empregadoras.
Segundo a ação, o expediente ia das 7h às 17h. Os empregadores, no entanto, negaram a realização de labor extraordinário e sustentaram que não havia sobrejornada.
Decisão em primeira e segunda instâncias
Na primeira instância, o pedido foi rejeitado. O juízo entendeu que, por se tratar de trabalho doméstico, não existiria imposição legal de controle de ponto.
Por essa razão, caberia à empregada comprovar eventual extrapolação de jornada.
O Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (RN) manteve a sentença nos mesmos termos, preservando a distribuição original do ônus probatório.
Lei das Domésticas e o dever de registrar jornada
Ao julgar o recurso de revista, o relator, ministro Augusto César, enfatizou que, com a vigência da Lei das Empregadas Domésticas (LC 150/2015), houve mudança relevante.
O empregador doméstico passou a ter o dever de registrar o horário de trabalho, independentemente do número de empregados.
Ausente a apresentação dos cartões de ponto ou documento equivalente, forma-se presunção relativa de que a jornada alegada pela trabalhadora corresponde à realidade, salvo se existirem outros elementos nos autos que indiquem o contrário.
Reconhecimento das horas extras pelo TST
Com base nesse entendimento, a Sexta Turma reformou o acórdão regional e reconheceu o direito ao pagamento de horas suplementares, observados os parâmetros a serem fixados na fase de liquidação.
Ficou consignado que a falta de documentação de jornada, em contratos celebrados após a LC 150/2015, não pode resultar em prejuízo à parte que depende desses registros para demonstrar a extensão do serviço prestado.
Particularidades do vínculo empregatício
O caso traz um retrato específico da organização do trabalho.
A doméstica atendia duas casas pertencentes ao mesmo núcleo familiar e também desempenhava tarefas ligadas a um estabelecimento comercial de cães.
Para o TST, essas particularidades não afastam o regime previsto em lei quando o vínculo é doméstico e há continuidade da prestação de serviços.
O núcleo da controvérsia não era a natureza das atividades, mas a inexistência de comprovação formal da jornada.
Impacto da LC 150/2015
Antes da LC 150/2015, havia debates frequentes sobre a aplicabilidade integral de regras de jornada aos domésticos.
A legislação complementar, entretanto, passou a assegurar direitos como limite diário e semanal de horas, intervalos e remuneração de horas extras.
Nessa moldura, o registro de horários tornou-se ferramenta essencial para verificar o cumprimento desses direitos.
A decisão da Sexta Turma se alinha a essa lógica, reforçando que o controle de jornada não é acessório, mas componente necessário da relação de emprego doméstico.
A presunção relativa
Outro ponto destacado foi a natureza relativa da presunção.
Isso significa que a jornada narrada pela empregada prevalece na falta de registros do empregador.
Porém, pode ser afastada por outras provas robustas que apontem horário diverso.
Assim, o mecanismo não converte automaticamente qualquer alegação em verdade judicial, mas corrige um desequilíbrio probatório criado quando quem tem o dever legal de documentar não o faz.
Repercussão prática para empregadores e empregados
A decisão também corrige a compreensão adotada na origem, que atribuíra à trabalhadora o encargo integral de demonstrar a sobrejornada.
Segundo o TST, uma vez invertido o foco pelo legislador — exigindo do empregador o controle —, a ausência de prova patronal passa a repercutir diretamente no resultado do processo.
Ao reconhecer essa diretriz, a Sexta Turma reformou o entendimento do TRT da 21ª Região e do juízo de primeiro grau.
Do ponto de vista prático, o julgamento sinaliza a necessidade de procedimentos formais no âmbito doméstico.
Empregadores devem adotar método idôneo de anotação do horário, seja manual, mecânico ou eletrônico, mantendo guarda regular desses registros.
Em contrapartida, trabalhadoras e trabalhadores domésticos têm respaldo para exigir a organização da jornada e o pagamento adequado quando houver extrapolação do limite contratado.
Jornada alegada pela empregada
No caso concreto, a empregada relatou trabalhar das 7h às 17h.
Sem o ponto ou outro mecanismo de aferição apresentado pela parte empregadora, passou a prevalecer a jornada indicada na petição inicial.
Respeitada a possibilidade de ajuste na fase de cálculo conforme eventuais intervalos ou peculiaridades comprovadas no processo.
O TST, portanto, não tratou de um benefício automático, mas de uma consequência direta do descumprimento do dever de controle.
Orientação para futuras disputas trabalhistas
Ainda que cada caso tenha suas especificidades, o precedente reafirma o padrão jurisprudencial de que a LC 150/2015 produz efeitos concretos sobre a prova da jornada.
Ao empregar linguagem clara sobre a obrigatoriedade do controle e a presunção decorrente de sua falta, o voto do relator buscou dar segurança jurídica a empregadores e empregados, reduzindo litígios baseados em versões inconciliáveis não amparadas por documentos.
Para quem mantém vínculo doméstico, o recado é objetivo.
A documentação da jornada é indispensável desde a contratação, inclusive em arranjos com mais de um local de prestação de serviços vinculados ao mesmo empregador.
Sem isso, controvérsias sobre horas extras tenderão a ser resolvidas conforme a jornada narrada pela parte trabalhadora, salvo prova em contrário.
Como os lares que empregam profissionais domésticos vão se adaptar para registrar a jornada de forma simples, segura e contínua?