Valorização do yuan impulsiona moedas emergentes, pressiona o dólar e abre espaço para o real brasileiro ganhar força em meio ao cenário de desdolarização global e maior protagonismo da China no comércio internacional.
A valorização recente do yuan e a perspectiva de cortes de juros nos Estados Unidos criaram um ambiente favorável às moedas emergentes, entre elas o real.
Sinais de ajuste na política cambial de Pequim e a fraqueza do dólar reforçaram movimentos que, segundo analistas, se disseminam por pares como baht tailandês e peso mexicano, com reflexos diretos no Brasil.

Efeito do yuan nas moedas emergentes
Levantamentos apontam que oscilações do yuan têm repercussão quase imediata no conjunto das divisas de países em desenvolvimento.
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Em agosto, a correlação de 30 dias entre o par dólar–yuan e o MSCI Emerging Markets Currency Index alcançou 0,59, máxima desde maio de 2024.
Em termos práticos, variações do yuan tendem a ser acompanhadas por moedas como o real na mesma direção, em magnitude semelhante.
A leitura do mercado é que a China voltou a aceitar um renminbi mais firme.
Em 9 de setembro, o Banco do Povo da China (PBOC) fixou a taxa de referência no patamar mais forte desde novembro, em 7,1008 por dólar, gesto visto como mudança de postura após um período voltado à estabilização.
O movimento ocorreu em meio à expectativa de afrouxamento monetário nos EUA, o que reduz a atratividade relativa do dólar.
China muda o eixo da política cambial
A nova calibragem não representa, segundo especialistas, uma ruptura com o compromisso de “estabilidade em níveis razoáveis”, mas sinaliza maior tolerância a um yuan menos fraco.
Gestores de fundos têm ampliado apostas em opções para um câmbio abaixo de 7 por dólar até o fim de 2025, sustentados por perspectivas de suporte doméstico na China e por um ciclo de cortes nos EUA.
A leitura predominante é que um yuan firme reduz volatilidade entre emergentes e melhora fluxos para a região.
No mercado à vista, o offshore yuan já testou níveis próximos a 7,10 por dólar nesta semana, reforçando a percepção de que a moeda chinesa virou direção no curto prazo.
Real ganha tração com dólar mais fraco
A combinação de dólar globalmente mais fraco e melhora do apetite a risco favoreceu o real, que operou a cerca de R$ 5,30 por dólar em meados de setembro, após tocar picos acima de R$ 5,40 na semana anterior.
Para o investidor estrangeiro, um ambiente de menor correlação negativa entre commodities e moedas emergentes também contribui para entrada de fluxo tático no Brasil.
Em paralelo, participantes ressaltam que, quando o yuan se valoriza, melhora o pano de fundo para exportadores brasileiros ligados à cadeia chinesa, enquanto a menor percepção de risco cambial ajuda a reduzir prêmios de ativos locais.
Como resumiu o gestor Eric Fine, da VanEck, à Bloomberg: “A moeda da China é hoje o principal cruzamento cambial para os emergentes” e “os ganhadores são todos os mercados emergentes”.

Desdolarização: o que os dados mostram
A discussão sobre desdolarização ganhou fôlego com números recentes.
A participação do dólar nas reservas internacionais informadas ao FMI caiu para 57,7% no 1º trimestre de 2025, o menor nível em décadas.
Embora o dólar siga dominante, a fatia diminui gradualmente, abrindo espaço para euro, ouro e outras moedas.
No caso chinês, o avanço é ainda mais visível dentro de casa: no 1º semestre de 2025, a participação do RMB nas receitas e pagamentos transfronteiriços de empresas e pessoas físicas na China atingiu 53%, ultrapassando a barreira de 50% e refletindo acordos bilaterais, maior uso do sistema CIPS e diretrizes oficiais para ampliar liquidações em moeda local.
Fora da China, porém, a penetração do yuan no sistema de pagamentos é mais lenta.
Segundo o RMB Tracker da SWIFT, a moeda chinesa respondeu por 2,88% do valor dos pagamentos globais em junho e julho de 2025, mantendo-se como a 6ª mais utilizada.
Ou seja, há uma divergência entre o uso doméstico/relacionado à China e a adoção global ampla.
Mercado de câmbio: participação da moeda chinesa
Em volume negociado, o yuan segue em ascensão.
A Pesquisa Trienal do BIS mostrou que a participação do RMB no turnover global de câmbio passou de cerca de 4% em 2019 para ~7% em 2022, colocando a moeda entre as mais transacionadas do mundo e consolidando seu papel como referência para emergentes.
Essa presença maior no mercado interbancário ajuda a explicar a sensibilidade de pares como real e peso mexicano a variações do yuan, além de reduzir spreads e custos de hedge para empresas com exposição à China.
Dívida em yuan e “dim sum bonds”
O fortalecimento do ecossistema em yuan também aparece nas emissões de dívida.
Em Hong Kong, o mercado de dim sum bonds caminha para um ano recorde, sustentado por captações de grandes companhias e por custos mais baixos no offshore.
Tencent reabriu a janela com uma emissão em três tranches, e outras multinacionais vêm seguindo o movimento, o que amplia a base de investidores não residentes em RMB.
Entre soberanos e paraestatais, destaque para a Hungria, que emitiu 5 bilhões de RMB em panda bonds no mercado onshore chinês em julho.
Paquistão prepara sua estreia com captação estimada em US$ 250 milhões equivalentes em 2025, enquanto autoridades chinesas discutem permitir que empresas de energia da Rússia voltem a acessar o mercado doméstico após anos de restrições.
No caso do Brasil, o Tesouro intensificou captações externas em dólar ao longo de 2025, mas não há emissão soberana confirmada em yuan.
Empresas brasileiras avaliam alternativas e acordos de liquidação em RMB para comércio bilateral, porém a transição para financiamento em moeda chinesa é gradual e depende de custo, liquidez e demanda de investidores.
O que observar adiante
Se a Fed iniciar cortes e a China sustentar um fixing mais forte, a tendência é de sustentação ao bloco de moedas emergentes, com benefício adicional para países com termos de troca favoráveis e contas externas equilibradas.
Ainda assim, a internacionalização plena do yuan esbarra em controles de capital e na baixa participação nas reservas globais frente ao dólar e ao euro, o que limita sua função de ativo de reserva no curto prazo.
Nesse cenário, qual será o papel do real se o yuan mantiver a trajetória de apreciação e o dólar seguir perdendo terreno?