Multinacionais da Europa, China e Austrália investem bilhões em energia renovável no Nordeste. Sertão brasileiro pode virar polo global de hidrogênio verde.
O Nordeste brasileiro, por décadas associado à seca, à migração e à pobreza, está prestes a ganhar um novo título: a capital mundial do hidrogênio verde. A região, conhecida por seus ventos constantes e pela insolação intensa, vem atraindo multinacionais da Europa, China e Austrália interessadas em investir bilhões em megacomplexos solares e eólicos. O objetivo é claro: transformar essa abundância natural em energia renovável de baixo custo e produzir hidrogênio verde, considerado o combustível do futuro para a transição energética global.
O que antes era visto como um vazio econômico agora desponta como um ativo estratégico planetário. Portos como Pecém (CE) e Suape (PE) já reservam áreas para plantas industriais e corredores de exportação. O que está em jogo é o reposicionamento do Brasil não apenas como exportador de commodities agrícolas e minerais, mas como um player decisivo na energia limpa mundial.
O que é o hidrogênio verde e por que ele importa
O hidrogênio é o elemento mais abundante do universo, mas raramente é encontrado de forma pura na Terra. Para ser utilizado como combustível, precisa ser separado de outros elementos — e isso exige energia. Quando esse processo é feito a partir de eletricidade gerada por fontes renováveis, como eólica e solar, temos o chamado hidrogênio verde.
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O diferencial é gigantesco: em vez de emitir carbono, esse combustível pode zerar emissões em setores que hoje não têm solução fácil, como a siderurgia, a indústria química e o transporte marítimo de longa distância.
Não é por acaso que União Europeia, Japão, Coreia do Sul e Austrália tratam o hidrogênio verde como a peça-chave da descarbonização até 2050.
O Brasil, com sua matriz elétrica já majoritariamente renovável e recursos naturais praticamente inesgotáveis, surge como um dos países mais competitivos do mundo para produzir hidrogênio verde em larga escala.
Os bilhões que chegam ao Nordeste
Até 2025, já foram anunciados mais de US$ 30 bilhões em projetos de hidrogênio verde no Brasil, a maior parte concentrada no Nordeste. Entre os exemplos:
- Pecém (CE): consórcio de empresas europeias e australianas prevê a instalação de um hub de hidrogênio com investimentos que podem ultrapassar US$ 5 bilhões até 2030.
- Suape (PE): parcerias com grupos da China e da União Europeia para plantas de eletrólise e expansão da infraestrutura portuária, criando um corredor de exportação para a Europa.
- Rio Grande do Norte e Bahia: projetos híbridos de eólica offshore e solar fotovoltaica que visam abastecer futuras usinas de hidrogênio.
Esses megacomplexos têm duas finalidades principais: atender a demanda interna da indústria brasileira em busca de energia limpa e, principalmente, abastecer o mercado externo, com destaque para a Europa, que já anunciou pacotes bilionários para importar hidrogênio verde a partir de 2030.
O Nordeste como vitrine global
A escolha do Nordeste não é coincidência. A região tem índices de insolação entre os maiores do planeta e ventos constantes que garantem fator de capacidade de até 60% em eólicas — patamar considerado um dos melhores do mundo. Isso significa que a energia gerada aqui pode ser mais barata do que em quase qualquer outro lugar.
Somado a isso, a posição geográfica do Nordeste é estratégica: os portos da região estão mais próximos da Europa e da costa leste dos EUA do que outros concorrentes globais, reduzindo custos logísticos.
Em outras palavras: o que sempre foi tratado como sertão árido, marcado por estiagens, pode se tornar o coração energético do Brasil e um dos principais polos de exportação de energia limpa do planeta.
O interesse das multinacionais
Empresas da Alemanha, Espanha, China e Austrália já cravaram bandeira na região. O movimento é liderado por multinacionais de energia renovável, fundos de investimento e até gigantes da indústria química que buscam garantir fornecimento de hidrogênio verde para suas cadeias globais.
O modelo de negócios envolve não apenas a instalação de usinas solares e eólicas, mas também o desenvolvimento de plantas de eletrólise que transformam a eletricidade em hidrogênio, e, futuramente, em amônia verde, forma mais segura e prática de exportar o combustível.
Os riscos no caminho
Apesar do entusiasmo, especialistas alertam para riscos. O primeiro deles é o financeiro: a maioria dos projetos ainda depende de decisão final de investimento (FID), ou seja, não saiu do papel. Há também dúvidas sobre quem bancará a infraestrutura logística, como gasodutos e terminais dedicados.
Outro risco é o estrutural: existe o temor de que o Brasil repita o erro histórico de exportar apenas matéria-prima barata, como ocorreu com o minério de ferro, deixando de capturar valor agregado na cadeia. Para evitar isso, será necessário criar políticas que incentivem a instalação de indústrias locais movidas a hidrogênio verde, como siderúrgicas, refinarias e químicas.
Promessas para o futuro
Mesmo com os desafios, o horizonte é promissor. A Agência Internacional de Energia estima que o mercado global de hidrogênio verde pode movimentar mais de US$ 500 bilhões até 2050. Se o Brasil conquistar apenas uma fatia de 5% desse bolo, terá uma receita anual bilionária garantida, com potencial de transformar a balança comercial.
Governos estaduais e federal já enxergam o tema como prioridade. O Ceará, por exemplo, criou programas de atração de investimentos e linhas de crédito para empresas interessadas em se instalar no Porto do Pecém. O Rio Grande do Norte aposta em eólicas offshore, e a Bahia mira consórcios internacionais para integrar energia solar e produção de amônia.
Do sertão para o mundo
O sertão nordestino, historicamente associado à escassez, começa a se reposicionar como o berço de uma nova era energética. O que antes era visto como um problema — sol intenso e ventos fortes — agora é tratado como ativos estratégicos.
Com multinacionais da Europa, China e Austrália injetando bilhões, o Brasil tem a chance de sair da condição de mero exportador de commodities para se tornar protagonista da energia limpa global.
O desafio será transformar essa oportunidade em desenvolvimento sustentável, evitando repetir velhos erros e garantindo que o futuro do hidrogênio verde beneficie não apenas investidores estrangeiros, mas também o povo nordestino e a economia nacional.