Onda por onda: como a energia dos mares pode abastecer o futuro do Brasil
Imagine um país onde o mar, além de fonte de beleza e biodiversidade, também se transforma em eletricidade limpa e constante. Essa é a proposta da energia das ondas — também chamada de energia ondomotriz — que tem conquistado espaço no cenário internacional. E o Brasil, com um dos maiores litorais do mundo, pode estar diante de uma oportunidade energética gigantesca.
A seguir, mergulhamos nessa tecnologia e mostramos como ela pode ser aproveitada no Brasil, quais são os desafios, as experiências já realizadas e o que ainda falta para transformar as ondas em uma fonte elétrica nacional estratégica.
O que é energia ondomotriz e como ela funciona
A energia ondomotriz é gerada a partir do movimento natural das ondas do mar. Diferente da energia das marés, que depende das variações do nível do mar entre maré alta e maré baixa, a energia das ondas aproveita o movimento contínuo das ondulações na superfície da água. Esses movimentos são convertidos em energia mecânica por equipamentos específicos, que por sua vez geram eletricidade.
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Uma das tecnologias mais promissoras nesse campo é o WaveRoller, desenvolvido pela empresa finlandesa AW-Energy. O dispositivo funciona submerso, entre 8 e 20 metros de profundidade, e se move para frente e para trás com o balanço das ondas. Esse movimento aciona um sistema hidráulico que gera eletricidade. O projeto foi testado com sucesso na costa de Portugal, um dos países líderes no uso desse tipo de energia.
Além do apoio da União Europeia por meio do projeto WaveFarm, a tecnologia da AW-Energy está sendo adaptada para produção em escala industrial, visando criar verdadeiras “fazendas submarinas” de geração elétrica.
O Brasil já testou essa ideia?
Sim, o Brasil já teve experiências com a energia das ondas. Um dos projetos mais relevantes foi a Usina de Ondas do Porto de Pecém, no Ceará, criada pela COPPE/UFRJ em parceria com o governo estadual e a Tractebel Energia. Lançada em 2012, essa usina pioneira gerou cerca de 100 kW, energia suficiente para abastecer 60 casas.
Apesar da proposta inovadora, o projeto enfrentou dificuldades técnicas e financeiras, o que levou à interrupção de suas operações em 2016. Em 2017, a COPPE retomou a pesquisa com novos parceiros, incluindo a empresa Seahorse Wave Energy, e com o apoio de Furnas, iniciou a construção de um novo modelo no litoral do Rio de Janeiro. A proposta é testar novas formas de converter o movimento das ondas em energia elétrica de forma mais eficiente e durável.
Mais informações sobre o projeto podem ser lidas neste artigo da ASMETRO-SN.
O potencial brasileiro é gigantesco — e ainda pouco explorado
Com mais de 8.500 km de litoral, o Brasil tem uma posição privilegiada para explorar esse tipo de tecnologia. De acordo com um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o país tem regiões costeiras com alto potencial energético, especialmente o litoral norte, onde a intensidade das ondas é mais regular.
Segundo a CNN Brasil, o litoral do Amapá é uma das áreas mais promissoras para a instalação de dispositivos como o WaveRoller. Isso se deve à constância e força das ondas, que garantem melhor aproveitamento da energia.
Um levantamento da consultoria B2Finance aponta que o Brasil teria capacidade para gerar até 87 gigawatts de energia por meio de fontes marinhas — o que representa mais do que toda a capacidade instalada de hidrelétricas como Itaipu. O estudo pode ser conferido neste link.
Mas por que ainda não avançamos?
O principal entrave é o custo. Apesar de ser limpa e renovável, a energia das ondas ainda enfrenta desafios de engenharia e manutenção. O ambiente marinho é hostil para equipamentos: a água salgada corrói metais, a fauna pode interferir no funcionamento das máquinas, e as tempestades podem danificar os sistemas. Isso tudo encarece os projetos e exige tecnologia altamente resistente.
Outro fator é a falta de políticas públicas e investimentos contínuos. Enquanto países europeus têm apoio governamental estruturado, no Brasil a maior parte dos projetos depende de universidades, centros de pesquisa e empresas privadas.
Além disso, a legislação ambiental e marítima brasileira ainda precisa se adaptar para facilitar a instalação de estruturas no mar, garantindo segurança jurídica para investidores e proteção ao ecossistema.
Uma oportunidade estratégica para o futuro
Mesmo com todos esses desafios, especialistas do setor defendem que o Brasil deveria apostar com mais força nessa tecnologia. O país já é líder em hidrelétricas, tem crescido no setor solar e eólico, e agora poderia também se tornar um polo de inovação em energia marítima.
A descentralização da geração elétrica por meio de usinas costeiras também favoreceria comunidades isoladas e reduziria perdas na distribuição. E num mundo onde a descarbonização se tornou meta global, toda alternativa que substitui fontes fósseis é bem-vinda — especialmente se ela estiver literalmente batendo na nossa porta em forma de onda.