Decisão da Justiça garante aposentadoria especial para vigilantes, mesmo sem porte de arma, e pode antecipar em até 10 anos o benefício.
A recente decisão da Justiça Federal reacendeu um debate importante no campo da Previdência Social: a aposentadoria especial de vigilantes. Mesmo para profissionais que atuam sem porte de arma, o entendimento dos tribunais é que o risco inerente à atividade, caracterizado pela exposição a situações de perigo constante, justifica a concessão do benefício. Isso significa que milhares de trabalhadores podem ter o direito de se aposentar mais cedo do que pela regra geral, em reconhecimento ao desgaste físico e mental da profissão.
O que é aposentadoria especial e quem tem direito
A aposentadoria especial é um benefício previdenciário previsto na Lei nº 8.213/1991, que garante redução no tempo de contribuição para trabalhadores expostos a agentes nocivos à saúde ou atividades de risco. Normalmente, a regra exige 25, 20 ou 15 anos de contribuição, a depender da atividade exercida. No caso dos vigilantes, a jurisprudência tem consolidado o entendimento de que o risco social da profissão equipara-se ao contato com agentes insalubres ou periculosos, permitindo a redução do tempo necessário para requerer o benefício.
O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Tema 1.031, reconheceu que o uso de arma de fogo não é condição essencial para caracterizar a periculosidade da atividade de vigilância. O que importa é a natureza do trabalho, que coloca o profissional em contato permanente com situações de ameaça à integridade física.
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Por que a Justiça decidiu a favor dos vigilantes
A decisão que abriu caminho para aposentadoria especial a vigilantes desarmados baseou-se na interpretação do artigo 57 da Lei 8.213/1991 combinado com o artigo 201, §1º, da Constituição Federal, que assegura aposentadoria diferenciada a quem exerce atividade em condições prejudiciais à saúde ou integridade física.
Na prática, o Judiciário entendeu que:
- A ausência de porte de arma não elimina o risco do vigilante;
- O trabalhador continua sujeito a assaltos, agressões e exposição a estresse físico e psicológico;
- O risco constante é suficiente para caracterizar a atividade como especial.
Esse entendimento consolida uma tendência já observada em decisões anteriores de tribunais regionais federais (TRFs), ampliando a proteção social para uma categoria que atua na linha de frente da segurança patrimonial e de pessoas.
Impacto para milhares de trabalhadores no Brasil
No Brasil, estima-se que existam mais de 2 milhões de vigilantes formais e informais entre empresas de segurança privada, transporte de valores e vigilância patrimonial em instituições públicas e privadas. Grande parte atua desarmada, especialmente em locais como escolas, hospitais, condomínios e universidades.
Com a decisão judicial, esses trabalhadores podem ter direito à aposentadoria especial com 25 anos de contribuição, sem a necessidade de cumprir a idade mínima prevista na reforma da Previdência de 2019. Isso antecipa em até 10 anos o tempo de aposentadoria de muitos profissionais que, pelas regras comuns, teriam que trabalhar até os 65 anos.
A relação com a Reforma da Previdência
A Emenda Constitucional nº 103/2019 alterou profundamente as regras de aposentadoria no Brasil, impondo idade mínima para quase todos os casos. Contudo, manteve a possibilidade de aposentadoria especial para determinadas atividades de risco ou insalubridade.
No caso dos vigilantes, a reforma trouxe incertezas, mas as decisões judiciais posteriores — especialmente a recente — vêm confirmando que a categoria continua enquadrada como especial. Isso abre brecha para que vigilantes que já atuavam antes da reforma possam garantir o benefício com regras de transição mais vantajosas.
Como o vigilante pode solicitar o benefício
Para ter direito à aposentadoria especial, o vigilante precisa apresentar documentação que comprove a atividade de risco. Entre os principais documentos estão:
- PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário), fornecido pela empresa, detalhando as funções exercidas;
- Laudos técnicos de condições de trabalho;
- Contratos e registros em carteira de trabalho.
Se o INSS negar o pedido, é possível recorrer administrativamente ou ingressar na Justiça, onde o entendimento tem sido favorável aos trabalhadores.
O efeito dominó: outras categorias podem se beneficiar?
A decisão sobre vigilantes sem porte de arma pode abrir precedente para outras categorias profissionais que também atuam em risco, mas enfrentam dificuldades de reconhecimento pelo INSS. Entre elas estão seguranças de eventos, guardas de patrimônio público e até mesmo motoristas de transporte coletivo em regiões de alto índice de violência.
Especialistas alertam que a jurisprudência tende a fortalecer a interpretação de que a periculosidade social deve ser considerada no cálculo da aposentadoria, não apenas a exposição a agentes químicos, físicos ou biológicos.
O que dizem os especialistas
Advogados previdenciários destacam que a decisão “corrige uma injustiça histórica”, já que o risco da atividade de vigilância não depende do porte de arma. Sindicatos da categoria comemoraram a vitória e afirmam que irão intensificar campanhas para que todos os vigilantes conheçam seus direitos.
Por outro lado, o INSS pode recorrer de decisões individuais, alegando que o critério de risco deve ser comprovado tecnicamente. Isso indica que a batalha judicial ainda pode se estender, mas o precedente abre caminho para milhares de processos semelhantes em todo o país.
Uma mudança de paradigma
A Justiça, ao reconhecer que vigilantes desarmados têm direito à aposentadoria especial, amplia o conceito de proteção previdenciária baseada no risco social.
Esse entendimento pode transformar a vida de milhares de trabalhadores e representa um avanço na interpretação das leis em favor da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho.
Enquanto o governo busca equilibrar as contas da Previdência, a pressão social e sindical promete manter o tema em pauta. A pergunta que fica é: até que ponto o Estado está disposto a reconhecer o desgaste mental e físico de atividades que, embora invisíveis para muitos, são essenciais para o funcionamento da sociedade?