De exportadora de açúcar à potência dos microchips: como Taiwan dominou a produção mundial de semicondutores e colocou os EUA e a China em uma corrida geopolítica pela tecnologia do futuro.
A pequena ilha de Taiwan, antes conhecida por exportar açúcar e roupas, tornou-se uma superpotência na fabricação de microchips — e isso redesenhou a geopolítica mundial. O protagonismo da TSMC (Taiwan Semiconductor Manufacturing Company), maior fabricante de semicondutores do planeta, colocou o país no centro da disputa entre Estados Unidos e China pela supremacia tecnológica.
Mas como Taiwan deu esse salto impressionante? A resposta está em uma geração de engenheiros visionários, decisões estratégicas do governo e um modelo industrial que revolucionou toda a cadeia dos semicondutores.
Uma vila de pescadores e um sonho americano
A virada começa com histórias como a de Shih Chin-tay, um jovem taiwanês criado entre canaviais e vilas de pescadores. Aos 23 anos, em 1969, ele partiu rumo à Universidade de Princeton, nos EUA, decidido a aprender com a potência tecnológica que recém enviara o homem à Lua.
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Ao retornar, Shih não trouxe apenas um diploma, mas a convicção de que sua ilha natal poderia ir além do açúcar. E foi assim que ele e outros engenheiros formados no exterior deram início à reconfiguração da economia de Taiwan, com foco total nos chips de silício.
A fundação da indústria: Instituto de Pesquisa e os primeiros chips
Na década de 1970, com apoio do governo, Shih e seus colegas fundaram o Instituto de Pesquisa de Tecnologia Industrial, em Hsinchu, cidade hoje considerada o “Vale do Silício” asiático. Lá nasceu a semente do que viria a ser a TSMC.
O primeiro grande experimento foi uma fábrica piloto em parceria com a norte-americana RCA, que logo superou a planta original dos EUA em eficiência e qualidade. Isso deu confiança ao governo taiwanês para investir pesado na área.
A criação da TSMC e a decisão que mudou tudo
O ponto de virada aconteceu em 1987, com a fundação da TSMC. O governo recrutou Morris Chang, um engenheiro sino-americano veterano da Texas Instruments. Em vez de competir com gigantes como Intel ou NEC, Chang propôs um modelo radical: a TSMC não criaria seus próprios produtos, apenas fabricaria chips sob encomenda para outras empresas.
Foi esse modelo “foundry only” que permitiu que startups como Apple, Nvidia e Qualcomm tivessem acesso à produção de chips de alta performance — sem precisar construir fábricas.
Eficiência imbatível e uma “receita secreta”
Hoje, a TSMC produz chips com rendimento de 80% por wafer, contra 50% nos EUA nos anos 70 e 60% no Japão nos anos 80. Isso se deve a uma combinação única: instalações modernas, mão de obra altamente qualificada e obsessão por melhoria contínua.
Com o avanço da litografia ultravioleta extrema, a TSMC consegue gravar mais de 100 bilhões de circuitos em um único chip. Cada microprocessador da empresa é um milagre de engenharia e precisão, comparável à alta gastronomia: mesma receita, mas o melhor “cozinheiro” sempre vence.
Salários modestos e cultura de esforço extremo
Um dos fatores menos discutidos, mas essenciais, é a cultura de trabalho taiwanesa. Engenheiros locais recebem menos que seus pares no Vale do Silício, mas os salários são considerados bons para os padrões da ilha.
A carga horária? Longas jornadas, reuniões diárias às 7h30, disponibilidade total nos fins de semana. Segundo relatos, é essa disciplina quase militar que sustenta a excelência industrial da ilha.
A fábrica de US$ 40 bilhões nos EUA e os desafios do “reshoring”
Em 2022, a TSMC atendeu aos apelos do governo Biden e anunciou uma fábrica no estado do Arizona, com investimento de US$ 40 bilhões. A construção foi celebrada como símbolo da reindustrialização americana — mas logo vieram os problemas.
Falta de trabalhadores qualificados, resistência sindical e atrasos levaram o início da produção de chips a ser adiado para 2025. Até o fundador da TSMC, Morris Chang, criticou o projeto: “é caro, ineficiente e inútil”.
O escudo de silício e o medo da invasão chinesa
A dependência mundial dos chips de Taiwan também gera tensão. A China, que reivindica a ilha como parte de seu território, ameaça invadi-la — o que seria catastrófico para a economia global.
Só o iPhone 12, por exemplo, usa mais de 1.400 microchips. Um carro moderno, entre 1.500 e 3.000. Um bloqueio ao fluxo de semicondutores de Taiwan poderia paralisar fábricas, mercados e governos.
Esse papel central levou muitos a chamarem o país de “escudo de silício”: um bem tão valioso que talvez o mundo o proteja para garantir sua própria estabilidade.
Cadeia global complexa: ninguém domina tudo
Apesar da liderança da TSMC na fabricação, a cadeia global de chips é interdependente. O silício vem da China, os produtos químicos da Alemanha e Japão, os equipamentos ópticos da Carl Zeiss, e as máquinas mais avançadas da holandesa ASML.
Os projetos de chips vêm dos EUA e da Arm, sediada no Reino Unido. A tentativa de excluir a China dessa rede é vista por especialistas como um erro estratégico.
O aviso de quem viu tudo acontecer
Hoje com 77 anos, Shih Chin-tay assiste à tensão crescente com preocupação. Para ele, o sucesso de Taiwan se deve à cooperação internacional — e não pode ser replicado isoladamente.
“Se alguém quiser recriar esse modelo sozinho, boa sorte”, diz ele. “O que fizemos deu certo porque trabalhamos com o mundo inteiro.”