O território ultramarino britânico no Caribe, famoso por praias paradisíacas e turismo de luxo, descobriu uma nova fonte de riqueza: a venda de domínios “.ai”, impulsionada pelo boom global da inteligência artificial
Nos anos 1980, quando a internet ainda engatinhava, cada país recebeu sua própria extensão de domínio. O Reino Unido ficou com o .uk, o Brasil com o .br — e a pequena Anguilla, um território ultramarino britânico de apenas 16 mil habitantes, herdou o .ai.
Na época, ninguém imaginava que aquelas duas letras simples, associadas à inteligência artificial (Artificial Intelligence), se tornariam uma mina de ouro quatro décadas depois.
Com a explosão das tecnologias de IA nos últimos anos, o domínio .ai passou a ser o preferido de startups e gigantes do setor. Empresas de tecnologia e criadores independentes estão pagando valores impressionantes para garantir seus endereços com a terminação mais cobiçada da era digital.
Um exemplo é Dharmesh Shah, cofundador da HubSpot, que desembolsou US$ 700 mil (cerca de R$ 3,7 milhões) para adquirir o domínio you.ai. Em entrevista à BBC, Shah afirmou que comprou o endereço porque “teve a ideia de criar um produto de IA que permitisse às pessoas construir versões digitais de si mesmas, capazes de executar tarefas específicas em seu nome”.
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Explosão de registros e lucros milionários
O fenômeno é tão expressivo que o número de websites registrados com o domínio .ai cresceu mais de dez vezes em cinco anos, dobrando apenas nos últimos 12 meses, segundo dados de um portal que rastreia registros de nomes de domínio no mundo.
Para uma ilha dependente do turismo, esse crescimento representa uma revolução econômica. De acordo com o Departamento de Estatísticas de Anguilla, o território recebeu 111.639 visitantes no último ano — um recorde histórico. Ainda assim, o turismo, que responde por cerca de 37% da receita da ilha, sofre com a sazonalidade e os prejuízos causados pelos furacões de outono, que frequentemente atingem a região.
O .ai, portanto, surgiu como uma alternativa estável e estratégica para diversificar a economia local. O Fundo Monetário Internacional (FMI) destacou, em relatório recente, que a renda proveniente da venda de domínios “representa uma forte contribuição para a resiliência econômica de Anguilla”.
Em sua proposta orçamentária para 2025, o governo declarou ter arrecadado 105,5 milhões de dólares do Caribe Oriental (US$ 39 milhões, cerca de R$ 207 milhões) com os registros de domínios, o que correspondeu a 23% da receita total da ilha em 2024. As projeções indicam que os ganhos devem subir para US$ 49 milhões em 2025 e US$ 51 milhões em 2026.
A parceria que protege a nova fortuna da ilha
Para garantir que essa fonte de renda não seja abalada por catástrofes naturais, o governo assinou, em outubro de 2024, um contrato de cinco anos com a empresa norte-americana Identity Digital, especializada na gestão de registros de domínios.
A companhia assumiu a responsabilidade pela infraestrutura técnica e transferiu a hospedagem dos sites para uma rede global de servidores, protegendo o sistema contra furacões e cortes de energia.
O Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido elogiou o acordo, afirmando que “Anguilla está encontrando formas inovadoras de promover o crescimento econômico e fortalecer sua autossuficiência”. A declaração reforça a visão de Londres sobre o papel estratégico da ilha, que segue sob soberania britânica, mas com ampla autonomia administrativa.
Leilões milionários e corrida pelos domínios mais valiosos
Com a alta procura, os domínios mais curtos e estratégicos passaram a ser negociados por valores astronômicos. Atualmente, o recorde pertence ao próprio Dharmesh Shah, dono do you.ai, mas o mercado segue aquecido.
Em julho, cloud.ai teria sido vendido por US$ 600 mil (R$ 3,2 milhões), enquanto law.ai alcançou US$ 350 mil (R$ 1,9 milhão) no mês seguinte. Segundo especialistas, o ritmo das transações indica que novos recordes podem ser quebrados a qualquer momento.
Apesar do entusiasmo, Shah acredita que, no longo prazo, os domínios .com continuarão sendo mais valorizados. Ainda assim, o .ai tornou-se sinônimo de modernidade e inovação, e empresas que desejam se posicionar na fronteira da tecnologia estão dispostas a pagar caro por esse símbolo digital de prestígio.
Os registros de domínio em Anguilla custam entre US$ 150 e US$ 200 (R$ 796 a R$ 1.062), com taxas de renovação a cada dois anos. Já os endereços mais disputados são leiloados, rendendo centenas de milhares de dólares.
Todo o valor arrecadado, descontada a comissão de 10% da Identity Digital, vai direto para os cofres do governo da ilha. Embora o assunto seja tratado com discrição, fontes locais afirmam que essa parceria já se tornou a principal engrenagem do novo milagre econômico caribenho.
Lições do Pacífico: o precedente de Tuvalu
O sucesso de Anguilla não é totalmente inédito. A ilha-nação de Tuvalu, na Oceania, havia feito movimento semelhante ao licenciar seu domínio .tv em 1998. O acordo, inicialmente firmado com a empresa VeriSign por US$ 2 milhões anuais (R$ 10,6 milhões), foi renegociado após o crescimento da internet, chegando a US$ 5 milhões (R$ 26,5 milhões) por ano.
Em 2021, o país assinou um novo contrato com a GoDaddy, após considerar o valor anterior “irrisório” frente ao potencial da marca.
Mas Anguilla adotou uma abordagem diferente: em vez de vender os direitos por um valor fixo, estabeleceu um modelo de participação nas receitas, garantindo lucros crescentes conforme o mercado se expande. Esse formato flexível é considerado um dos segredos do sucesso da ilha no cenário digital.
O futuro dourado de Anguilla
À medida que o número de domínios .ai se aproxima da marca de um milhão, cresce a expectativa de que o dinheiro arrecadado seja reinvestido em infraestrutura, saúde e turismo sustentável.
Entre os projetos em pauta está a construção de um novo aeroporto internacional, capaz de aumentar o fluxo de visitantes e consolidar Anguilla como um destino de luxo — e agora também um hub tecnológico global.
A informação foi divulgada pela BBC, que acompanha de perto a transformação econômica do território. De acordo com especialistas citados pela emissora, Anguilla representa “um raro caso em que a revolução digital se transformou em benefício direto para uma população pequena, antes dependente apenas do turismo”.
O Arco de Anguilla, uma impressionante formação rochosa no mar do Caribe, segue como símbolo natural da ilha. Mas, agora, é o .ai que desenha o novo arco de prosperidade sobre esse pequeno paraíso, conectando suas praias às grandes corporações do Vale do Silício.