A trajetória de Olacyr de Moraes revela como um império agrícola e industrial, que ajudou a transformar o Centro-Oeste brasileiro, acabou em colapso após decisões arriscadas e dependência de fatores externos que fugiam ao controle do empresário.
O empresário Olacyr de Moraes, conhecido como “Rei da soja”, construiu ao longo de décadas um conglomerado privado que integrou produção agrícola em larga escala, usinas, logística e projetos de infraestrutura.
O ciclo de expansão, porém, não resistiu a atrasos de obras estratégicas, alavancagem e decisões que o deixaram exposto a fatores fora de seu controle.
Ao fim da vida, em 16 de junho de 2015, ele morreu, aos 84 anos, em São Paulo, vítima de câncer de pâncreas, deixando um espólio disputado e um caso que hoje é estudado por gestores e investidores.
-
Brasil surpreende e colhe em 2025 volume de grãos que só era projetado para acontecer na safra de 2029, segundo a Conab e o Mapa
-
Produtores brasileiros perdem contratos após tarifa de Donald Trump sobre exportações
-
Exportações bilionárias do Brasil entram no radar: soja, café, carne bovina, cacau, madeira, borracha e óleo de palma só terão acesso à União Europeia com rastreabilidade total e prova de origem sem desmatamento
-
Ibama acende sinal de alerta e prepara região do Brasil para ataques de javalis e onças após registros alarmantes e riscos à agropecuária
Um império que moldou o Centro-Oeste
A trajetória de Olacyr se confunde com a consolidação do Cerrado como fronteira agrícola do país.
À frente de negócios que incluíam lavouras de soja e algodão, ele implantou processos industriais e tecnologia no campo, encurtando o tempo entre colheita e processamento.
A Fazenda Itamarati, vitrine do grupo, tornou-se referência de escala e produtividade, e contribuiu para projetar a região como polo do agronegócio.
No período de maior prosperidade, o grupo reunia diversas empresas e uma estrutura operacional que ia além do campo, com ativos industriais e uma malha logística própria para dar vazão à produção.
A ambição de resolver gargalos de transporte levou o empresário a um passo decisivo.
A virada com a Ferronorte
O ponto de inflexão ocorreu com a Ferronorte, ferrovia concebida para integrar o Centro-Oeste à malha ferroviária nacional e aos portos.
O projeto recebeu concessão de 90 anos em 1989, com o desafio de construir os trechos e interligações necessários para viabilizar o escoamento de grãos em grande escala.
A operação regular só ganhou tração no fim da década de 1990, quando a ligação com a malha paulista se tornou efetiva, após a conclusão da ponte rodoferroviária sobre o rio Paraná em 1998.
Até lá, as obras consumiram recursos e exigiram manutenção de estruturas sem a contrapartida de receita recorrente.
O descompasso entre cronogramas de obra e geração de caixa pressionou o grupo e ampliou sua dependência de crédito.
Concessão prolongada, receita tardia
A engenharia financeira do empreendimento tinha como premissa a rápida captura de fretes para diluir custos fixos. Com a entrada em operação retardada, a conta não fechou.
O empresário tentou renegociar prazos e buscou sócios para diluir riscos, mas a combinação de juros altos, volatilidade cambial e inadimplência de clientes em contextos específicos corroeu margens e afetou a capacidade de honrar compromissos.
Venda de ativos e desmonte do grupo
À medida que a pressão financeira crescia, Olacyr vendeu participações, equipamentos e áreas agrícolas.
A Fazenda Itamarati, no Mato Grosso do Sul, que foi símbolo de inovação agronômica, passou ao controle do Incra no início dos anos 2000 para fins de reforma agrária.
Em paralelo, outros ativos relevantes mudaram de mãos, e a estrutura corporativa que sustentava o conglomerado foi encolhendo.
O processo de alienação de bens seguiu por anos, inclusive após a morte do empresário, com credores buscando ressarcimento e herdeiros disputando valores de transações de grandes propriedades.
O mapa societário que antes sustentava dezenas de negócios não resistiu ao encadeamento de decisões e contingências.
O destino das duas Itamarati
Houve, ao longo do tempo, duas Itamarati de grande porte associadas ao grupo.
A propriedade sul-mato-grossense, foco de projetos agrícolas que renderam prêmios e recordes, foi adquirida pelo poder público para assentamentos.
Já a Itamarati Norte, no Mato Grosso, permaneceu como ativo privado relevante e, anos depois, foi negociada por seus controladores com outro grupo do agronegócio.
A separação de trajetórias ajuda a explicar por que as referências à marca Itamarati aparecem em momentos e estados diferentes.
O que realmente derrubou o “Rei da soja”
Análises sobre o caso convergem para um ponto central: o risco de depender de variáveis exógenas.
A aposta de Olacyr em logística própria tinha racional econômico claro, mas exigia sincronismo entre obras públicas, licenças, interconexões e financiamento de longo prazo.
Quando prazos públicos e regulatórios se estenderam além do previsto, a alavancagem deixou o grupo vulnerável.
Não se trata de atribuir o resultado a má gestão no sentido estrito.
O empresário foi reconhecido por adotar técnicas modernas no campo e pela capacidade de executar projetos complexos.
O fator determinante foi a subestimação do risco político e operacional em um ativo de infraestrutura, somada à dificuldade de reprecificar o negócio quando as premissas deixaram de valer.
Com a receita atrasada e o serviço da dívida em curso, a liquidez se esvaiu.
Anos finais e episódios paralelos
Os últimos anos de Olacyr foram marcados por tentativas de reerguer negócios em novas frentes e por episódios que o mantiveram no noticiário.
Em 2014, um ex-senador boliviano ligado a propostas de investimentos foi assassinado pelo motorista do próprio empresário, caso que evidenciou o ambiente de pressões e promessas em torno de seu nome.
O episódio, contudo, não tem relação com a morte de Olacyr, que ocorreu por causas naturais no ano seguinte. Mesmo reduzido, o legado empresarial manteve relevância setorial.
Unidades industriais criadas no ciclo de expansão seguiram operando sob outros controladores, preservando empregos e capacidade produtiva.
Na agroindústria, a difusão de práticas técnicas desenvolvidas no período de ouro da Itamarati continuou a influenciar a cultura de eficiência do Cerrado.
Lições operacionais para quem cresce rápido
A história mostra que tamanho não blinda riscos. Projetos intensivos em capital precisam de salvaguardas contratuais robustas, buffers financeiros e alternativas de rota quando a dependência de terceiros é alta.
A governança de risco deve prever atrasos, mudanças de regra e cenários macro adversos.
Sem isso, a empresa deixa de ser um negócio previsível e passa a operar como aposta sujeita a choques que não controla.
Para quem administra escalabilidade no agronegócio, a mensagem é pragmática: diversificar fontes de receita, amarrar obrigações a marcos de entrega, calibrar alavancagem ao ciclo e separar o caixa operacional de iniciativas de infraestrutura.
Em outras palavras, crescer exige tanto a visão estratégica quanto o desenho de mecanismos de proteção que suportem períodos longos de maturação.
Se você estivesse à frente de um projeto crítico que depende de terceiros — como amarraria o financiamento e os contratos para não repetir os erros que custaram o império do “Rei da soja”?