O próprio Estado redesenhou o jogo da moradia ao transformar crédito habitacional em produto financeiro (SFI + securitização comprada com FGTS), criando um ciclo que empurra os preços para cima enquanto alonga prazos (até 420 meses) e eleva o custo final para a geração que mais quer mas menos consegue comprar.
A narrativa de que os jovens brasileiros “preferem alugar” não se sustenta diante dos dados. Segundo levantamento citado pelo Canal Elementar, 93% da geração Z ainda sonham com casa própria, e 68% das pessoas entre 21 e 34 anos declaram que preferem comprar a viver de aluguel. O problema não é desejo, mas viabilidade: a conta simplesmente não fecha para quem entra no mercado em 2025.
O marco histórico desse processo é 1997, quando foi criado o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI).
O que antes era o Estado como provedor direto de moradia virou uma engrenagem financeira: as hipotecas foram transformadas em títulos, comprados inclusive com dinheiro do FGTS, alimentando um ciclo que elevou artificialmente os preços dos imóveis.
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O resultado prático é uma geração que mais deseja comprar, mas que acaba sendo empurrada para o aluguel.
Como nasceu a geração do aluguel
O SFI e a securitização permitiram que bancos transformassem carteiras de crédito em papéis vendidos a investidores.
Entre 2011 e 2016, a Caixa Econômica Federal emitiu R$ 18,9 bilhões em títulos, e parte significativa foi comprada pelo FGTS, fundo formado com o dinheiro de trabalhadores.
Essa operação liberava recursos para novos financiamentos, mas, ao mesmo tempo, estimulava preços cada vez maiores, já que o crédito disponível crescia junto com o valor dos imóveis.
Na prática, jovens brasileiros passaram a enfrentar imóveis mais caros, prazos alongados para até 420 meses e juros que, em média, giram em torno de 10% ao ano.
Isso significa que o custo final de um imóvel pode dobrar em três décadas.
O modelo de financiamento se transformou em barreira de entrada, tornando a compra inviável para uma boa parte da população ativa.
O impacto da pandemia e a escalada dos preços
A crise sanitária de 2020 agravou o problema. O custo de materiais de construção disparou mais de 50% em dois anos, com altas de quase 90% no aço e 88% no PVC.
Paralelamente, o home office aumentou a procura por casas maiores e deslocou a demanda para o interior, o que puxou novos aumentos.
Exemplo citado no estudo: São José do Rio Preto registrou alta de 136% nas vendas e 255% nos lançamentos em 2024.
A inflação imobiliária brasileira seguiu acima da média mundial.
Em 2024, os imóveis subiram 7,7%, quase o triplo da média global (2,6%) e no maior ritmo desde 2013.
Essa valorização, combinada ao crédito caro, ampliou o abismo entre o sonho e a realidade da geração do aluguel.
Jovens sem saída: casa própria distante, aluguel como regra
As estatísticas mostram o dilema: 31% da geração Z ainda mora com os pais por não conseguir pagar aluguel ou comprar.
Apenas 45% dos jovens entre 18 e 34 anos se dizem totalmente independentes financeiramente.
Enquanto isso, quem aluga vê a renda escoar: pagar R$ 2.500 mensais por 30 anos equivale a R$ 900 mil quase dois apartamentos, mas sem patrimônio no fim.
Pesquisas reforçam esse quadro: 62% dos jovens acreditam que é mais difícil comprar imóvel hoje do que para gerações anteriores.
Mesmo assim, 73% ainda sonham com a casa própria. O que muda é a forma de tentar chegar lá: alternativas como trabalho remoto para o exterior e geração de renda em moeda forte (dólar/euro) surgem como estratégia para quebrar a limitação da renda local e formar a entrada.
A especulação e os imóveis vazios
Outro fator que agrava a crise da geração do aluguel é a retenção de estoques. Só em São Paulo, há quase 600 mil imóveis fechados aguardando valorização, segundo o levantamento.
Enquanto isso, quem precisa morar é empurrado para periferias cada vez mais distantes, onde o transporte e os serviços públicos não acompanham o crescimento populacional.
Esse fenômeno revela como a moradia deixou de ser apenas um bem essencial e passou a ser tratada como ativo financeiro.
O resultado é a escassez artificial de imóveis acessíveis e a perpetuação de um mercado inflacionado.
Em quase três décadas, o Estado brasileiro deixou de ser construtor de casas para se tornar organizador de um mercado que privilegia bancos, fundos e investidores, enquanto empurra milhões de jovens para a geração do aluguel.
Mesmo assim, a maioria ainda sonha em comprar a própria casa, mesmo que precise buscar estratégias fora da lógica tradicional.
E você, acredita que o Brasil deveria rever o uso do FGTS e mudar a forma como financia o setor habitacional, ou o modelo atual é o único possível para sustentar o mercado?
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