Enquanto jovens diplomados enfrentam salários de US$ 65 mil, burnout e demissões em massa nos escritórios, babás, motoristas e chefs particulares viajam de jato privado, moram em casas de hóspedes e acumulam benefícios dignos de executivos C-level
Quando a Geração Z descobre que pode trocar a gravata pelo megaiate e ainda ganhar salário de executivo, o mundo corporativo começa a perder o brilho.
Em dezembro, aos 28 anos, Cassidy O’Hagan contemplava a água azul cristalina das Maldivas, hospedada em um resort ultraexclusivo, em um bangalô só dela, com chef particular e tudo pago. Aquilo não era férias — era expediente. A jovem do Colorado não estava em um programa de milhagem corporativa, mas sim trabalhando como nanny para uma família ultrarrica, parte de um universo que muitos da Geração Z estão escolhendo em vez da carreira tradicional de escritório.
A informação foi divulgada pelo Business Insider, em reportagem assinada por Emmalyse Brownstein, que mostra como babás, assistentes pessoais, motoristas, house managers e chefs particulares estão se tornando o novo “sonho de carreira” de uma fatia dos jovens que, cansados das demissões em massa e do burnout, passaram a mirar algo bem diferente da sala de reunião: os bastidores das mansões, dos jatos privados e dos megaiates dos bilionários.
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De médica frustrada a nanny de seis dígitos para famílias ultrarricas
Cassidy cresceu acreditando que seu futuro estava na medicina. Imaginava que, por volta dos 30 anos, já estaria finalizando a faculdade de medicina e consolidando uma carreira na área da saúde. No entanto, em 2021, depois de passar por consultórios, clínicas e por um emprego em vendas médicas ortopédicas, ela decidiu abandonar o jaleco e apostar em algo que parecia, à primeira vista, “menos sério”: trabalhar como nanny para famílias de altíssimo patrimônio.
Ela já tinha tido uma experiência inicial em 2019, aos 22 anos, quando buscava uma forma de complementar a renda enquanto estudava para o MCAT, exame de acesso às escolas de medicina nos EUA. O plano era temporário. Porém, ao se mudar para a mansão de uma família na Califórnia, ela percebeu que havia entrado em um universo completamente diferente.
Na entrevista, os detalhes do emprego eram vagos. A descrição falava apenas em “refeições cobertas”. Ao chegar, Cassidy descobriu que isso significava ter um chef residente, responsável por cozinhar não só para a família, mas para toda a equipe doméstica. Ela fazia parte de um “time de childcare” com quatro babás, atendendo a um casal na casa dos 30 anos, herdeiro de uma grande família de negócios. Havia ainda assistentes pessoais, um chefe de staff da casa, uma equipe de housekeepers e até uma organizadora doméstica dedicada.
Apesar de toda essa estrutura, Cassidy ainda carregava a ideia de que “ser babá não era suficiente” como carreira de longo prazo. Assim, em 2021, decidiu se forçar a seguir o caminho “correto” aos olhos de muita gente: aceitou um trabalho em uma grande empresa de vendas médicas em Nova York, com salário inicial de US$ 65 mil por ano — valor que, em uma das cidades mais caras do mundo, não vai tão longe quanto parece.
O resultado foi clássico: horas exaustivas em cirurgias e hospitais, um ambiente fortemente dominado por homens, pressão constante e a sensação de ser invisível. O que, na teoria, era “carreira de prestígio” se transformou em burnout.
Enquanto isso, no mundo dos ultrarricos, as oportunidades explodiam. De volta ao universo da “private staffing” — o termo usado para descrever toda a infraestrutura de pessoal que mantém a vida dos ultrarricos rodando —, Cassidy passou a ganhar não só liberdade, mas também muito mais dinheiro. Hoje, como nanny de famílias de patrimônio altíssimo, ela tem salário de seis dígitos, com 401(k), plano de saúde, PTO (folga remunerada) e ganhos entre US$ 150 mil e US$ 250 mil por ano (faixa que ela não detalha por causa de um NDA, acordo de confidencialidade).
Além disso, acumula benefícios que nenhum programa de bem-estar corporativo oferece: refeições preparadas por chef particular, “nanny wardrobe” (um guarda-roupa completo pago pela família), acesso a motoristas, viagens em jatos privados, temporadas em Aspen, verões nos Hamptons, idas a Porto Rico, Índia, Dubai e semanas navegando em um “mega, mega yacht” pela Europa.
Não à toa, ela resume: “Meu trabalho em vendas médicas nunca poderia competir com isso.”
O império silencioso da private staffing: bilionários, superiates e exército de funcionários
Esse estilo de vida glamouroso é a ponta visível de um sistema gigantesco chamado private staffing. Trata-se da rede de profissionais que cuida de tudo o que envolve as casas, os jatos, os helicópteros e os iates dos ultrarricos: nannies, assistentes executivos, assistentes pessoais, house managers, butlers, seguranças, chauffeurs, chefs particulares, organizadores, motoristas de confiança e muito mais.
Segundo Brian Daniel, fundador da Celebrity Personal Assistant Network, quando ele abriu sua agência em 2007, havia pouquíssimos especialistas em staffing para super-ricos. Hoje, ele estima que existam cerca de 1.000 agências de private staffing no mundo, sendo aproximadamente 500 nos Estados Unidos. Em suas palavras, “o apetite é insaciável” e “a profundidade e a largura dessa riqueza são simplesmente estarrecedoras”.
Isso não é coincidência. Em 2000, havia 322 pessoas na lista de bilionários da Forbes. Hoje, são mais de 3.000. Além disso, um relatório recente do UBS fala sobre a “ascensão do milionário comum”: o número de pessoas com entre US$ 1 milhão e US$ 5 milhões em ativos investíveis quadruplicou em 25 anos, chegando a 52 milhões de indivíduos no mundo.
À medida que surgem mais bilionários e multimilionários, surgem também mais mansões, jatos, helicópteros e megaiates — e todos esses bens precisam de equipe fixa. Em um cenário de capitalismo cada vez mais “winner-take-all”, no qual empresas de tecnologia oferecem pacotes de nove dígitos para os melhores pesquisadores de IA e nomes como Elon Musk caminham para se tornar os primeiros trilionários do planeta, a vida corporativa tradicional, marcada por demissões em massa, reorganizações e carreiras incertas, perde espaço no imaginário da Geração Z.
Muitos jovens olham para essa realidade e concluem: se não dá para competir com os ultra-ricos, talvez seja melhor servi-los — e ser muito bem pago por isso.
O mercado comprova essa tendência. O site da agência Tiger Recruitment, especializada em posições de elite, já exibiu vagas como:
- Housekeeper com salário de até US$ 120 mil;
- Nanny com remuneração de até US$ 150 mil;
- Head of personal assistants, com faixa entre US$ 250 mil e US$ 280 mil;
- Director of residences, responsável por coordenar casas em Nova York, East Hampton, Aspen e Bel Air, ganhando entre US$ 200 mil e US$ 250 mil.
Além dos salários altos, há bônus que parecem saídos de um filme: guest house à disposição do funcionário, carro da empresa, plano de aposentadoria, estabilidade de horas e, em muitos casos, acesso a um estilo de vida que se aproxima, visualmente, do próprio patrão — mesmo que apenas de forma “emprestada”.
Geração Z contra o cubículo: estatísticas, frustrações e a fuga da carreira corporativa
A história de Cassidy não é um caso isolado. Ela reflete um sentimento generalizado na Geração Z. Uma pesquisa da Deloitte, de 2025, mostra que apenas 6% dos jovens dessa geração afirmam ter como objetivo principal de carreira chegar a um cargo de liderança formal. Muitos evitam até mesmo assumir posições de chefia — um fenômeno apelidado de “conscious unbossing” — para preservar equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Ao mesmo tempo, as expectativas financeiras dessa geração são altas. De acordo com um levantamento da Empower, os jovens definem sucesso financeiro como ter um salário em torno de US$ 600 mil por ano, praticamente seis vezes mais do que os baby boomers apontaram como meta ideal.
Esse contraste entre expectativa e realidade se torna ainda mais doloroso em um mercado de trabalho que, nos Estados Unidos, enfrenta arrefecimento nas contratações, especialmente em posições de escritório, ao mesmo tempo em que a IA avança sobre tarefas administrativas, de análise e até de criação. Muitos recém-formados se veem, portanto, sem emprego, subempregados ou presos em funções que não oferecem perspectiva de crescimento nem o padrão de vida que imaginavam.
É nesse vácuo que a private staffing aparece como alternativa “secreta” e altamente atrativa. Brian Daniel afirma que, historicamente, as pessoas “caíam de paraquedas” nessa carreira. Hoje, porém, o perfil dos candidatos mudou: são mais jovens e altamente qualificados. Ele recebe e-mails de pessoas com PhD, ex-advogados, ex-donos de negócios, ex-profissionais do mercado imobiliário. Pessoas que, em teoria, tinham a rota corporativa desenhada, mas decidiram que faz mais sentido cozinhar para um bilionário nos Hamptons ou organizar a agenda de uma celebridade em Los Angeles.
Um caso emblemático é o de Julia Dudley. Aos 26 anos, ela acumula graduação e mestrado em comunicação e, depois disso, ainda decidiu cursar escola de culinária. Tentou a vida em agência de comunicação e em restaurante, mas acabou construindo um negócio próprio de meal prep e migrando para o trabalho como chef particular.
“Eu pensei: ok, posso fazer meus próprios horários, ganhar mais dinheiro e ser minha própria chefe”, conta. “Isso é infinitamente mais interessante do que ficar na linha de um restaurante.”
Nos últimos verões, Julia tem cozinhado para famílias nos Hamptons. Segundo ela, preparar duas ou três refeições por dia durante alguns meses pode render um salário de seis dígitos. Brian Daniel confirma a tendência: “Muitos chefs deixam restaurantes cinco estrelas para ir para o serviço privado. Sabemos o quanto a rotina na cozinha é longa e exaustiva; quando eles se tornam chefs particulares de um bilionário, podem triplicar o salário.”
Megaiate, sim, mas com pano de chão e NDA: o lado B de servir bilionários
Se por um lado os salários, viagens em jato privado e mansões cinematográficas seduzem a Geração Z, por outro, trabalhar para bilionários não é nem de longe um conto de fadas. O pacote vem acompanhado de pressão extrema, carga horária imprevisível e um nível de responsabilidade que, muitas vezes, supera o de um emprego em banco de investimento.
Ruth Edwards, recrutadora da agência Tiger especializada em family offices e residências de clientes de ultra alto patrimônio, alerta: “O motivo pelo qual você é tão bem pago é justamente porque se espera que esteja disponível fora do horário tradicional de 9h às 17h, e em muitos casos você trabalhará longas horas.”
Brian Daniel reforça: na indústria que atende celebridades e bilionários, é preciso ter “muita energia”, porque tudo acontece “em velocidade de quebra de pescoço”. É comum ter de resolver problemas de última hora, reorganizar viagens inteiras da noite para o dia ou responder a mensagens urgentes em horários completamente fora da lógica corporativa.
Além disso, existe um princípio tácito e inegociável: você está ali para fazer o que for necessário para o “principle”, termo usado no setor para se referir ao cliente. Daniel dá um exemplo que ilustra bem o contraste entre glamour e realidade:
Se a housekeeper já foi embora e o cachorro faz cocô na sala, e você está sozinho com o VIP, alguém vai ter que limpar — e esse alguém pode muito bem ser você, o mesmo profissional que horas depois estará ao lado do chefe ajudando a fechar um negócio de US$ 50 milhões em um estúdio de cinema.
Mas não é só isso. A maioria das famílias de ultra alto patrimônio exige que sua equipe assine extensos NDAs (acordos de confidencialidade) e mantenha presença impecável nas redes sociais. Nada de fotos comprometedoras, comentários polêmicos ou exposição exagerada. Discrição é tão valiosa quanto competência técnica.
A pressão pode ser tão grande quanto — ou até maior que — em Wall Street. O próprio Daniel relembra um episódio em que precisou ir ao hospital com um ataque de pânico depois de um dia particularmente tenso trabalhando como assistente.
Cassidy também sente o peso emocional. Um dos maiores desafios, segundo ela, é a mistura de vida pessoal com profissional. “Você não está apenas trabalhando para uma família, você está vivendo ao lado deles, imersa nos ritmos, nas dinâmicas e nos momentos íntimos”, explica. Mesmo atuando como uma de oito nannies em múltiplas residências internacionais, a sensação de solidão é real. Ela já passou Natais, Thanksgivings, aniversários e celebrações familiares longe dos seus, sempre acompanhando a rotina dos patrões.
Como entrar nesse mundo fechado — e por que alguns nunca mais saem
Outro mito que a reportagem do Business Insider derruba é o de que basta “querer muito” para conseguir uma posição em casas de bilionários. A realidade é bem mais dura: trata-se de um mercado extremamente fechado e competitivo.
Por causa da obsessão com privacidade e segurança, a maior parte das famílias de ultra alto patrimônio evita qualquer exposição pública na busca de funcionários. Anúncios diretos são raros. Em vez disso, elas contam com agências especializadas em private staffing para fazer a triagem, as entrevistas e o “garimpo” de candidatos.
“É um mundo muito cruel”, diz Cassidy. Em muitos casos, a única forma de sequer conhecer uma dessas famílias é sendo representado por uma agência confiável. Isso significa passar por múltiplas entrevistas, verificação de antecedentes, checagem de referências e, claro, mostrar que você entende que discrição absoluta é regra básica.
Por outro lado, para quem consegue entrar e performar em alto nível, o setor oferece ascensão extremamente rápida. Brian Daniel cita o caso de um motorista pessoal de um ator de Hollywood que, ao longo de 15 anos, foi promovido a assistente pessoal, depois a assistente executivo e, por fim, passou a coproduzir filmes com o empregador, conquistando o que ele descreve como “dinheiro fabuloso”.
Cassidy vive um movimento semelhante. Em apenas cinco anos, ela foi de babá iniciante e estudante de medicina frustrada a nanny de elite de algumas das famílias mais ricas do mundo. Agora, planeja o próximo passo: sair pouco a pouco da função de babá, montar a sua própria agência de private staffing e criar um negócio de mentoria para jovens que querem entrar nesse mercado. O objetivo é ganhar mais autonomia, ter flexibilidade para formar a própria família e, ao mesmo tempo, continuar conectada a um segmento que considera altamente gratificante.
Ela não é a única a puxar outros jovens para esse universo. Colegas de faculdade, amigas que trabalham em corporações em Nova York e “meninas mais novas” com quem convive vivem perguntando como ela chegou onde está. Recentemente, Cassidy incentivou o próprio irmão caçula, que passou alguns anos trabalhando em mídia e relações públicas, a fazer a transição. Hoje, ele atua como assistente de uma “celebrity esthetician” em Beverly Hills.
A própria Ruth Edwards fez algo parecido: ao ver o filho de 25 anos ser demitido de um trabalho administrativo tradicional, sugeriu que ele experimentasse a vida em private staffing. “Se você está sofrendo naquele ambiente de escritório, vá ver o mundo”, ela disse. Hoje, ele trabalha como deckhand em um superyacht, viajando pelos mares enquanto ganha experiência em um mercado que cresce silenciosamente.
Para Cassidy, essa carreira ofereceu algo raro na vida corporativa moderna: estabilidade, significado e um nível de conexão pessoal que ela nunca havia encontrado em outro lugar. Os megaiates, os jatinhos e os resorts de luxo são, claro, benefícios poderosos. Mas, por trás do brilho, o que mantém muitos jovens da Geração Z nesse caminho é a sensação de que, ao servir os ultra-ricos, eles conseguem construir a vida que o mundo corporativo prometeu — e não entregou.
No fim das contas, essa virada de rota, descrita por Emmalyse Brownstein no Business Insider, mostra um choque de expectativas geracionais. Enquanto as empresas ainda tentam convencer a Geração Z de que vale a pena disputar cada degrau da hierarquia tradicional, babás, assistentes pessoais e chefs particulares já estão vivendo uma outra versão de sucesso: com megaiates, casas de hóspedes, carros da empresa, salários de seis dígitos e, principalmente, a sensação de que controlam melhor o próprio destino profissional.
E você, trocaria o terno e o crachá por uma vida entre mansões, jatinhos e megaiates trabalhando para bilionários?


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