Apesar do calendário aberto desde 1º de outubro, produtores do RS seguem sem acesso a crédito e insumos, reduzindo áreas e devolvendo lavouras arrendadas
A crise no campo volta a preocupar o Rio Grande do Sul, segundo maior produtor de soja do Brasil ao lado do Paraná. Após enfrentar estiagens severas seguidas por alagamentos nas lavouras, o estado vive uma nova fase de incertezas no início da safra 2025/26. Embora as condições climáticas mostrem sinais de estabilidade, a falta de crédito rural e de insumos continua travando o plantio em diversas regiões, levando produtores a reduzir áreas e até devolver terras arrendadas.
Falta de insumos ameaça início do plantio
De acordo com o calendário oficial de plantio, a semeadura da soja está liberada desde 1º de outubro de 2025. No entanto, muitos agricultores ainda não conseguiram comprar sementes, fertilizantes ou defensivos, permanecendo parados mesmo com o solo pronto. Em consequência, há relatos de produtores que tentam plantar apenas com o que restou em estoque.
Segundo Armindo Crestani, produtor de Cachoeira do Sul, a situação é crítica. “A gente perdeu o crédito e não tem condição de plantar toda a área. Vamos entregar campo e plantar o que der”, afirmou. Ele conta que o CPF foi negativado após negociações frustradas com bancos que se recusaram a renegociar dívidas.
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Já o agricultor Fábio Santos, de São Vicente do Sul, lamenta a postura das instituições financeiras: “Produtor é bom para o banco quando compra consórcio e seguro. Mas, quando precisa de ajuda, não serve mais”, desabafa.
Arrendamentos se tornam inviáveis e crédito desaparece
A dificuldade de honrar pagamentos de arrendamento agrava o problema. Muitos produtores devolveram terras por falta de recursos, o que compromete o acesso a novos financiamentos, já que as áreas arrendadas servem como garantia para o crédito rural.
Em Tapes, o produtor Dimitrius José relata que já “renegociou a renegociação” e segue sem acesso ao crédito. “Entreguei parte das áreas e sigo sem garantia para novos empréstimos. Ainda estou sem sementes, adubo e defensivos”, explica.
O cenário se repete em Alegrete, onde Marcelino Michelotti conseguiu renegociar as dívidas por três anos, mas agora também enfrenta bloqueio nas linhas de crédito. “Pretendo manter a área, mas não tenho insumos nem condições de ampliar o plantio”, afirma.
Em Bagé, na fronteira com o Uruguai, o agricultor Jeferson Scheibler descreve o quadro como insustentável. “As calamidades vieram uma atrás da outra. Falta sensibilidade do governo e dos bancos para entender que o produtor não tem culpa”, diz.
Medidas do governo ainda não chegam ao campo
Em meio à crise, o governo federal anunciou, em setembro de 2025, a MP 1314, liberando R$ 12 bilhões para renegociação de dívidas rurais. Apesar da promessa, o recurso ainda não chegou aos produtores, conforme informações do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
Além disso, 93 municípios ficaram inicialmente de fora do programa por não terem declarado situação de emergência durante as enchentes. Apenas 56 cidades foram posteriormente incluídas após revisão da lista, mas a maior parte dos produtores ainda não teve acesso prático às linhas de renegociação.
Linha do tempo da crise rural no RS
- 2022 e 2023: estiagens severas afetam a produção de soja e milho.
- 2024: enchentes provocam grandes perdas agrícolas em mais de 300 municípios.
- Outubro de 2025: plantio da safra 2025/26 é liberado, mas insumos e crédito ainda não chegam.
- Setembro de 2025: MP 1314 anuncia R$ 12 bilhões para renegociações, sem efetividade prática até agora.
Essa sequência de eventos deixa o setor agropecuário gaúcho em situação delicada, com dívidas crescentes e crédito escasso justamente no início do ciclo mais importante do agronegócio nacional.
Perspectivas e necessidade de ação
Se o acesso ao crédito continuar restrito, o plantio da soja no RS pode encolher significativamente em 2025, com impacto direto na economia do estado e na balança comercial brasileira. Especialistas do setor afirmam que a recuperação da produção gaúcha depende da agilidade na liberação dos recursos e da flexibilização bancária para produtores endividados.
Enquanto isso, agricultores seguem tentando manter suas atividades “do jeito que dá”, confiando que o Mapa e os bancos públicos possam destravar as renegociações nas próximas semanas.
Sem isso, o sofrimento do campo gaúcho continuará sendo o retrato mais evidente de como as mudanças climáticas e a burocracia financeira podem, juntas, travar uma das cadeias produtivas mais importantes do país.
O que você acha: o governo deve priorizar a liberação imediata do crédito rural para salvar a safra de 2025/26 ou adotar uma política mais cautelosa e gradual, focando apenas em produtores adimplentes?