Investida chinesa na Nicarágua: 13 concessões de mineração de ouro e outros minerais em seis meses. Conheça as empresas envolvidas, os municípios afetados e o papel do ditador Ortega na rápida aprovação de projetos de mineração
China está ganhando, a passos acelerados, amplas áreas para a exploração mineral metálica na Nicarágua, com a “benção” da ditadura de Daniel Ortega e Rosario Murillo. Em seis meses, entre outubro de 2023 e abril de 2024, três empresas chinesas receberam treze concessões minerais. A soma desses treze lotes concedidos equivale a 11,66% do total de hectares outorgados para a exploração mineral metálica na Nicarágua, segundo dados oficiais do Ministério de Energia e Minas (MEM).
As concessões para as mineradoras chinesas também foram expedidas rapidamente. Todas foram aprovadas entre dois a oito meses após serem solicitadas.
Os treze lotes concedidos a empresas chinesas estão distribuídos em nove municípios da Nicarágua. Oito estão localizados na Região Autônoma da Costa Caribe Norte (RACCN) e parte de um município em Jinotega. Outros quatro lotes estão no departamento de Chinandega e mais um na Região Autônoma da Costa Caribe Sul (RACCS). Além disso, há outras três solicitações pendentes: duas no Caribe Norte e uma terceira no departamento de Estelí.
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Três empresas chinesas à frente de treze concessões minerais
Os treze lotes de exploração mineral metálica na Nicarágua, concedidos à China, estão nas mãos de três empresas: Zhong Fu Development S.A., Thomas Metal S.A. e Nicaragua XinXin Linze Minera Group S.A.
Cada concessão mineral tem uma vigência de 25 anos, e as três empresas possuem exclusividade para a exploração, extração e estabelecimento de plantas de beneficiamento para o processamento de materiais minerais.
Zhong Fu Development, o “salvavidas” da sancionada Comintsa
Zhong Fu Development, S.A. é a empresa chinesa com mais concessões minerais metálicas na Nicarágua. Em 28 de fevereiro de 2023, essa empresa solicitou ao Ministério de Energia e Minas oito lotes localizados no Caribe Norte e nos departamentos de Chinandega e Jinotega.
Em 10 de outubro, foi aprovada a concessão Santo Tomás, situada entre os municípios de Cinco Pinos e Santo Tomás do Norte, em Chinandega. Vinte e um dias depois, em 31 de outubro, foram autorizadas outras seis das oito concessões solicitadas: Columbus I, Kuikuinita I, Mulukukú, Puerto Cabezas, Siuna e Waslala. Ou seja, sete das oito concessões foram aprovadas em menos de oito meses, embora as certificações tenham sido publicadas apenas em 11 de novembro e 20 de dezembro no Diário Oficial La Gaceta.
Zhong Fu Development, S.A. também se destaca entre as mineradoras chinesas por ter obtido a transferência de uma concessão da Compañía Minera Internacional, S.A. (Comintsa), menos de um mês antes de esta ser sancionada pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos.
Em 17 de abril de 2024, o MEM autorizou a transferência do lote Tutuwaka, localizado no município de El Rama, no Caribe Sul da Nicarágua, concedido em maio de 2022 à Comintsa. Menos de um mês depois dessa transferência, em 15 de maio, a Comintsa foi sancionada pelos Estados Unidos.
Segundo o Departamento do Tesouro, a Comintsa “é propriedade e está dirigida” por Salvador Mansell Castrillo, titular do Ministério de Energia e Minas, sancionado pelo Departamento do Tesouro em novembro de 2021.
“O ouro é a principal exportação de matérias-primas da Nicarágua, e essa ação (a sanção) pretende degradar a capacidade do regime Ortega-Murillo de manipular o setor e se beneficiar das operações corruptas da Comintsa”, assegurou o Departamento do Tesouro, que também sancionou a empresa Capital Mining, acusada de ser “um intermediário no setor de ouro controlado por Laureano Ortega Murillo e Mansell Castrillo”.
O ascenso meteórico da Zhong Fu Development
Com a transferência das 6.000 hectares do lote Tutuwaka que antes pertencia à Comintsa, a Zhong Fu Development, S.A. soma oito lotes para a exploração mineral metálica na Nicarágua, com uma extensão total de 181.206 hectares. Os lotes estão situados nos municípios de Siuna, Mulukukú, Waslala, Waspam e Puerto Cabezas, no Caribe Norte; El Rama, no Caribe Sul; e Villanueva, Cinco Pinos e Santo Tomás do Norte, em Chinandega.
Além disso, a empresa está com a aprovação em processo de um lote de 20.150 hectares, localizado em Waspam, da lista apresentada em fevereiro de 2023.
A Zhong Fu Development, S.A. está inscrita no Registro Público da Propriedade de Manágua com a conta registral MC-XFZRH1, e segundo o MEM, possui capacidade técnica e financeira para desenvolver a atividade mineradora no país. A empresa é representada legalmente por Feiwu Bian, empresário estrangeiro com cédula de residência e domicílio na Nicarágua, conforme publicações no Diário Oficial La Gaceta.
Em menos de um ano, a Zhong Fu Development se tornou a empresa chinesa com mais concessões minerais na Nicarágua, e ainda se destacou entre as cinco maiores companhias mineradoras do país, ficando atrás apenas das “veteranas” Calibre Mining Nicaragua, S.A., de capital canadense; Desarrollo Minero (Desminic), a colombiana Hemco – Nicaragua, S.A. e a britânica Condor, S.A.
As concessões minerais expeditas da Thomas Metal
A empresa Thomas Metal, S.A., representada pelo cidadão chinês Xiangming Gu, apareceu pela primeira vez no negócio de mineração nicaraguense em 27 de setembro de 2023. Nesse dia, solicitou a concessão do lote Wonderful Gold, situado no município de Villanueva, em Chinandega, no ocidente do país. O MEM autorizou a concessão em menos de dois meses, em 24 de novembro, demonstrando a celeridade do regime para os projetos extrativos.
Menos de um mês depois, em 1º e 20 de dezembro, Thomas Metal, S.A. solicitou outras duas concessões minerais: os lotes Carambola e Dragão Rojo, também no departamento de Chinandega. As autorizações levaram três meses. Uma foi concedida em 15 de março e a outra em 20 de março.
O MEM apenas observou que, no caso da concessão de Carambola, 0,32 hectares estão localizados dentro da zona de amortecimento da Reserva Natural Delta do Estero Real, pelo que essa área foi excluída da concessão.
As três concessões minerais metálicas da Thomas Metal somam 10.308 hectares, todas no município de Villanueva, Chinandega. De acordo com as resoluções do Ministério de Energia e Minas, a empresa deve permitir o acesso e as atividades da mineração artesanal às pessoas que já estavam estabelecidas e realizando essa atividade dentro da área concedida.
Em Villanueva, centenas de moradores trabalham há décadas como “güiriseros” nos morros deste município, onde abandonaram a agricultura e a pecuária para se dedicarem à mineração artesanal em busca de ouro. Durante mais de cinco décadas, trabalharam em pequenos grupos ou cooperativas. Agora, resta saber como conviverão com a empresa mineradora chinesa.
A mais recente: Nicaragua Xinxin Linze Minería Group, S.A.
Nicaragua Xinxin Linze Minería Group, S.A. é a companhia chinesa que opera há menos tempo na Nicarágua. No entanto, recebeu mais de 37.000 hectares para exploração e extração mineral.
Em 9 de outubro de 2023, a mineradora chinesa solicitou os lotes: Chinotega — localizado entre San José de Bocay, Jinotega e Siuna, no Caribe Norte — e Caribe, situado no norte da região de mesmo nome. Cinco meses depois, em 15 de março de 2024, o MEM entregou a concessão do lote Chinotega, de 651 hectares. Embora a certificação tenha sido publicada apenas no início de maio no Diário Oficial La Gaceta.
Enquanto aguardava resposta, em 13 de novembro de 2023, Nicaragua Xinxin Linze Minería Group solicitou um terceiro lote: Nuevo Bijagual, de 36.610,1 hectares, localizado entre os municípios de Siuna e Mulukukú, no Caribe Norte. A concessão de Nuevo Bijagual foi aprovada três meses depois: em 27 de fevereiro de 2024, embora a certificação tenha sido publicada apenas no final de abril.
As duas concessões aprovadas à Nicaragua Xinxin Linze Minería Group somam 37.261 hectares. Além disso, ainda está pendente de aprovação o lote Caribe, de 2.091 hectares, e um quarto lote de 3.628 hectares chamado El Guaylo, no município de San Juan de Limay, em Estelí.
Quinta parte da Nicarágua em concessões minerais
Até maio de 2024, na Nicarágua, há mais de 1,96 milhão de hectares concedidos para a exploração mineral metálica.
Um total de 11,66% dessas áreas foram concedidas às três mineradoras chinesas entre outubro de 2023 e abril de 2024.
Outros 758.776 hectares solicitados por várias empresas e pessoas estão pendentes de aprovação, com os quais a área concedida para exploração mineral metálica somaria mais de 2,72 milhões de hectares. Esse total equivale a 20,88% da superfície da Nicarágua, estimada em 13.037.300 hectares.
Além disso, 54.664,72 hectares estão aprovados para exploração mineral não metálica, e há 11.414,89 hectares pendentes de aprovação para este mesmo setor. Essa menor quantidade eleva para mais de 2,78 milhões o total de hectares solicitados para exploração mineral de qualquer tipo na Nicarágua, das quais mais de 2,01 milhões já estão aprovadas, com mais de 97% dessas hectares destinadas à mineração metálica.
Na Nicarágua, as exportações da indústria mineradora, principalmente de ouro, estão em ascensão. Entre 2019 e 2023, o valor das exportações de ouro cresceu mais de 226,5%, segundo dados oficiais do Banco Central.
Na China, a “fome” por ouro também cresce implacavelmente. Através do ouro, Pequim aposta na diversificação de seus fundos de reserva. O Banco Popular da China foi o maior comprador de ouro do setor oficial em 2023, com compras de 7,23 milhões de onças, segundo o Conselho Mundial do Ouro, e a tendência se mantém em alta. Em abril de 2024, o banco somou 60.000 onças troy às suas reservas, liderando a compra de ouro por dezoito meses consecutivos.
Essa demanda também empurra o preço do ouro a níveis históricos. Este ano, o custo de cada onça troy já quebrou o recorde de 2.330 dólares.
China também “compra ouro” de outras empresas
O ambientalista e presidente da ilegalizada Fundación del Río, Amaru Ruiz, sustenta que a gestão das concessões minerais na Nicarágua tem sido “bastante discricionária”. Ele denuncia que, em vários casos, desconhecem-se os estudos ambientais e não foram consultadas as comunidades afetadas.
Além disso, alerta que as empresas que obtêm as concessões “não necessariamente” são as mesmas que extraem os metais. Por isso, acredita que há um “sub-registro” das mineradoras chinesas que operam na Nicarágua.
“Sabemos que há intermediários asiáticos comprando ouro em concessões que são outorgadas a outras empresas. Por isso, digo que há uma névoa no processo de outorga de concessões”, comenta o ambientalista.
No entanto, ele considera que a presença de empresários chineses no negócio da mineração na Nicarágua ainda não representa “uma reconversão” do mercado, embora ressalte que a introdução deles faz parte da estratégia da ditadura para evadir as sanções impostas pelos Estados Unidos.
Antes das sanções à Comintsa e Capital Mining, os Estados Unidos já haviam sancionado, em outubro de 2022, a Direção Geral de Minas, vinculada ao Ministério de Energia e Minas. Da mesma forma, ao então presidente do Conselho de Administração da Empresa Nicaraguense de Minas (Eniminas), general Ramón Humberto Calderón Vindell, em janeiro de 2022, e ao ministro de Energia e Minas, Salvador Mansell Castrillo, em novembro de 2021.
“Esse fenômeno vimos após as sanções impostas ao setor minerador”, assegura Ruiz. “Há claramente um interesse em aumentar os mercados de comércio do ouro, e a partir daí, gerou-se o interesse de algumas empresas, principalmente asiáticas, de entrar no setor para estabelecer um nível de comercialização e abertura ao mercado asiático”, estima.
Preocupações com baixos padrões ambientais
Além da celeridade do regime para aprovar as concessões às empresas chinesas, o ambientalista se preocupa com os padrões ambientais e trabalhistas que são inferiores aos aplicados por outras empresas mineradoras.
“No caso da China, é historicamente conhecido que seus padrões ambientais e trabalhistas são muito baixos. Isso aumenta a preocupação sobre o impacto que possam ter no ambiente e também sobre as pessoas que participam dessa empresa”, sublinha Ruiz.
Até a publicação desta reportagem, nem o Ministério de Energia e Minas, nem o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais (Marena) ou as empresas chinesas publicaram os estudos ambientais que deveriam realizar antes da execução do projeto, conforme a Lei Geral do Meio Ambiente.
Indústria mineradora exportou quase 1.160 milhões de dólares em 2023
Em 2023, a indústria mineradora na Nicarágua registrou 1.158,6 milhões de dólares, segundo cifras oficiais do Banco Central da Nicarágua (BCN). Essas exportações são principalmente do metal dourado. O ouro se tornou o principal produto de exportação da Nicarágua em 2023 e o primeiro a ultrapassar a barreira de um bilhão de dólares em um único ano.
Com esse total, a indústria mineradora cresceu 22,4% em comparação com 2022, quando superou os 946,6 milhões de dólares.
O próprio BCN detalha que esse incremento foi impulsionado pelos aumentos nas exportações de ouro (+200,4 milhões de dólares; 21,6%) e prata (+12,9 milhões de dólares; 83,3%), como resultado de incrementos nos preços médios contratados e nos volumes exportados.
A “febre” do ouro na Nicarágua
As concessões minerais no país concedem direitos exclusivos para a exploração, extração e estabelecimento de benefícios sobre jazidas minerais, por um período de 25 anos, prorrogável por período similar. Todas essas condições atrativas não passaram despercebidas pelas mineradoras do gigante asiático, e seu passo acelerado e “abençoado” pela ditadura orteguista na Nicarágua.