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Construídas no deserto do Iêmen no século XVI, as torres de “arranha-céus” de 500 anos feitas de barro seguem desafiando a lógica da engenharia

Escrito por Carla Teles
Publicado em 05/11/2025 às 15:56
Construídas no deserto do Iêmen no século XVI, as torres de arranha-céus de 500 anos feitas de barro seguem desafiando a lógica da engenharia
Conheça Shibam, no Iêmen, e seus “arranha-céus” de 500 anos. Torres de 11 andares feitas de barro desafiam a engenharia moderna. Entenda como funcionam.
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Como os “arranha-céus” de 500 anos do Iêmen usam engenharia vernacular para desafiar o deserto, mas agora enfrentam o colapso.

A cidade de Shibam, localizada no árido vale de Wadi Hadhramaut, no Iêmen, apresenta um profundo paradoxo arquitetônico. Conhecida como a “Manhattan do Deserto”, ela é composta por cerca de 500 casas-torre que se erguem verticalmente da planície, muitas alcançando 11 andares de altura. O que desafia a lógica moderna é o seu material de construção: estes são “arranha-céus” de 500 anos feitos quase inteiramente de tijolos de adobe, uma mistura de barro, palha e água, curada ao sol.

Essa façanha da engenharia vernacular, datada em grande parte do século XVI, fez com que a cidade fosse inscrita como Patrimônio Mundial da UNESCO em 1982, descrita como “o mais antigo e melhor exemplo de planejamento urbano baseado no princípio da construção vertical”. No entanto, este feito de resiliência humana, nascido da necessidade de defesa e adaptação climática, enfrenta hoje uma confluência de crises, guerra, colapso econômico e mudanças climáticas, que ameaçam apagar séculos de história.

A engenharia secreta do adobe

A sobrevivência dos “arranha-céus” de 500 anos de Shibam não é um milagre, mas o resultado de um sistema de engenharia hiper-racional. O material principal, o tijolo de adobe, é fundamental. Embora possua uma fraqueza fatal, a água pode dissolvê-lo, ele tem duas vantagens cruciais: excelente resistência à compressão (suportando peso) e alta massa térmica. As paredes espessas absorvem o calor intenso do dia e o irradiam lentamente à noite, mantendo o interior confortável.

Para construir em altura, os mestres-de-obras de Shibam desenvolveram um sistema integrado. Primeiro, as fundações e os primeiros metros são feitos de pedra, criando uma “bota” impermeável que protege o adobe da umidade do solo e de pequenas inundações. Segundo, as paredes são cônicas, ou seja, dramaticamente afuniladas: são espessas na base e tornam-se progressivamente mais finas a cada andar. Isso baixa o centro de gravidade e distribui o peso, garantindo estabilidade. Finalmente, uma matriz interna de vigas de madeira é inserida nas paredes, “amarrando” a estrutura para resistir a forças laterais, como o vento.

Mais do que “barro”: a pele sacrificial e a manutenção

Com a estrutura resolvida, o inimigo final era a erosão causada pela chuva e pelo vento. A solução foi uma estratégia de manutenção contínua, visível na própria pele dos edifícios. As paredes externas são cobertas por um reboco espesso de cal ou gesso. Esta camada não é permanente; ela é intencionalmente sacrificial. Foi projetada para erodir e falhar, protegendo os tijolos estruturais vitais por baixo dela.

Isso estabelece um “pacto de manutenção” entre a cidade e seus habitantes. A sobrevivência de Shibam ao longo dos séculos não se deve a uma permanência estática, mas a um ciclo contínuo de renovação e reparo. Após cada estação chuvosa, os habitantes devem inspecionar e reaplicar o reboco sacrificial. A cidade é um organismo vivo que requer cuidados constantes.

Por que construir para cima no deserto?

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A verticalidade extrema de Shibam não foi uma escolha estética, mas uma resposta racional a duas ameaças existenciais: o homem e a natureza. A cidade foi planejada desde o início com um perímetro fixo, cercada por uma muralha defensiva. Como a expansão horizontal era impossível, a única direção para a cidade crescer, à medida que a população aumentava, era para cima.

Essa muralha era essencial para a defesa contra ataques tribais. A própria arquitetura é uma fortaleza: os andares térreos não têm janelas, e a entrada única era facilmente defensável. Tão perigosa quanto os invasores, no entanto, era a geografia. Shibam está construída na planície de inundação de um wadi (leito de rio seco), propenso a inundações repentinas (flash floods) violentas. A encarnação atual da cidade foi construída após uma inundação catastrófca no século XVI. Ao construir torres altas sobre fundações de pedra, os habitantes colocavam suas vidas e bens acima do nível de qualquer inundação concebível, sacrificando apenas os andares térreos, usados para armazenamento ou animais.

Um patrimônio vivo sob ameaça extrema

Apesar de sua genialidade, o futuro de Shibam é incerto. Em 2015, o Centro do Patrimônio Mundial da UNESCO colocou a cidade na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo. A cidade enfrenta uma tempestade perfeita de crises que estão sobrecarregando seu sistema vernacular. Relatórios de conservação apontam que eventos climáticos extremos, como ciclones (2008) e inundações severas (2020), estão causando danos que o design original não previa, saturando as fundações.

Essa ameaça ambiental é multiplicada pela Guerra Civil do Iêmen. Embora Shibam tenha evitado a linha de frente, o conflito causou um colapso econômico e humanitário. Esse colapso quebrou o “pacto de manutenção”: as famílias, mergulhadas na pobreza, não têm mais recursos para reparar a “pele sacrificial” dos edifícios. Além disso, a guerra provocou a perda de conhecimento, com mestres-de-obras que detinham o saber geracional deixando a região. O “sistema imunológico” de Shibam, sua capacidade de se reparar, falhou.

A lição perene de Shibam

Shibam não desafia a lógica; ela expõe os preconceitos da nossa lógica industrializada. Ela prova que materiais locais, de baixa energia, como a terra, podem criar ambientes urbanos densos e de alto desempenho. É um exemplo magistral de design passivo e gestão térmica, alcançando conforto humano sem custos energéticos.

A tragédia de Shibam é uma advertência. Ela ensina que a arquitetura, por mais engenhosa que seja, não é um objeto estático. Sua sobrevivência depende inteiramente do tecido social, econômico e político que a suporta. Quando esse tecido se desfaz, através da guerra, da pobreza ou da perda de conhecimento, as estruturas, por mais geniais que sejam, desfazem-se com ele.

Você acredita que o mundo tem a responsabilidade de salvar locais como Shibam, mesmo em meio a conflitos? E que lições essa engenharia de 500 anos pode ensinar aos nossos arquitetos modernos? Queremos saber sua opinião sobre esse paradoxo.

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Carla Teles

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