MPF investiga contrato entre Exército e empresa ferroviária em área militar de Rondonópolis, suspeitando de irregularidades na cessão de terreno avaliado em milhões de reais.
O Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso instaurou um inquérito civil para apurar possíveis irregularidades na cessão de um terreno de 54 hectares do Exército Brasileiro para a empresa Rumo S/A, em Rondonópolis (MT), destinada à construção da primeira ferrovia estadual do país.
A área, avaliada em R$ 16,5 milhões, teria sido repassada sem pagamento direto em dinheiro, mediante contrapartidas em obras e serviços.
De acordo com a portaria de abertura do inquérito, assinada pela procuradora da República Danise Nunes Rocha Müller Slhessarenko, a cessão foi oficializada por meio do Contrato de Concessão de Direito Real de Uso nº 1/2023, firmado entre o 3º Grupamento de Engenharia do Exército e a Rumo S/A, com o Estado de Mato Grosso como interveniente.
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O MPF investiga se o acordo resultou em prejuízo ao patrimônio público.
Contrapartidas previstas no contrato de cessão
Em vez de pagamento financeiro, a empresa se comprometeu a realizar as seguintes entregas:
Construção de duas residências para oficiais de alta patente.
Edificação de 12 apartamentos destinados a oficiais inferiores.
Manutenção da rede elétrica do quartel do Exército em Rondonópolis.
Instalação de uma usina solar em Campo Grande (MS).
Segundo a procuradora, as contrapartidas foram avaliadas tecnicamente, mas há indícios de que o valor de mercado do imóvel não foi corretamente calculado.
A suspeita é de que a União não tenha recebido um retorno compatível com o valor da área cedida.
Laudo técnico aponta falhas na avaliação da área
Um laudo técnico elaborado no âmbito do MPF (nº 0557/2025) fundamenta a suspeita de subavaliação.
O documento indica que a metodologia utilizada na estimativa do valor da área apresenta falhas conceituais e de execução.
Entre os pontos destacados estão:
- Ausência de pagamento direto pela cessão do imóvel.
- Não consideração detalhada das partes remanescentes do terreno original.
- Emprego de itens genéricos para justificar a desvalorização.
- Cálculo baseado apenas no trecho cedido, desconsiderando o impacto total na área como um todo.
O laudo concluiu que o valor de R$ 16,5 milhões atribuído ao terreno não corresponde ao valor de mercado previsto pela norma técnica NBR 14.653-2:2011, que trata de avaliações de imóveis urbanos.
Justificativas e fundamentos do inquérito civil
Com base na análise técnica, a procuradora Danise Slhessarenko argumentou que a diferença entre o valor estimado e o valor de mercado pode configurar dano ao erário.
A abertura do inquérito civil visa apurar se houve desproporção na relação entre o bem cedido e as contrapartidas oferecidas, e se a cessão seguiu os princípios da legalidade, economicidade e eficiência administrativa.
O processo analisado refere-se ao número 65325.01303/2023-70, que trata da concessão do direito real de uso da área pelo Exército à Rumo, com o Estado de Mato Grosso como parte interveniente.
Possíveis consequências e ações futuras do MPF
O inquérito tem como objetivo coletar informações para verificar se houve prejuízo à União e, se confirmadas irregularidades, o MPF poderá propor ação civil pública contra os responsáveis.
A medida pode incluir pedidos de ressarcimento ao erário e outras sanções previstas em lei.
Até o momento, não há confirmação de responsabilização de indivíduos ou entidades.
A investigação encontra-se em fase preliminar, com coleta de documentos e análise técnica dos contratos e avaliações.
Projeto da ferrovia estadual de Mato Grosso
A área cedida está localizada em Rondonópolis (MT), município que será um dos pontos de passagem da primeira ferrovia estadual do Brasil.
O projeto da Ferrovia Estadual Senador Vicente Vuolo prevê 730 quilômetros de trilhos, ligando Rondonópolis a Cuiabá e Lucas do Rio Verde, com previsão de investimentos bilionários e operações previstas para os próximos anos.
A ferrovia está inserida no plano de expansão da malha ferroviária do Centro-Oeste, que busca ampliar o escoamento de grãos e produtos do agronegócio até o Porto de Santos (SP).
A obra é tratada como estratégica para a logística regional e nacional.
Outras investigações envolvendo a empresa Rumo
Além do inquérito sobre a cessão da área militar, a Rumo já foi alvo de outras investigações por parte do Ministério Público.
Entre elas, destaca-se a abertura de procedimento em outubro de 2024 para apurar transtornos causados pelo terminal rodoferroviário da empresa em Rondonópolis, incluindo congestionamentos e impacto na mobilidade urbana.
Há também uma ação civil pública movida em 2022, relacionada à suposta falta de consulta prévia a comunidades indígenas da etnia Boe-Bororo, afetadas pelo traçado da ferrovia.
A ação questiona o cumprimento da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante consulta livre, prévia e informada a povos tradicionais.
Monitoramento e desdobramentos do caso
Caso o MPF conclua que houve prejuízo aos cofres públicos, a ação civil pública poderá incluir pedidos de anulação do contrato, pagamento de indenizações ou responsabilização dos envolvidos, incluindo agentes públicos e representantes da empresa.
A investigação também pode servir de referência para futuras parcerias entre entes públicos e a iniciativa privada, sobretudo em projetos que envolvam cessão de áreas da União.
Com a análise técnica em curso, o Ministério Público Federal ainda não fixou prazo para a conclusão do inquérito.
A apuração segue em sigilo quanto aos detalhes operacionais e poderá evoluir para medidas judiciais ou extrajudiciais, dependendo das conclusões obtidas.