Erguida em 1810 por decreto real para produzir canhões, a siderúrgica no interior de São Paulo marcou o início da era industrial no país e hoje é um monumento histórico.
No coração da Floresta Nacional de Ipanema, em São Paulo, imponentes ruínas de pedra contam a história do início da indústria brasileira. Ali funcionou a Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema. O local foi o epicentro de um dos projetos mais ousados do Brasil Joanino. A meta era forjar, a partir do minério de ferro, as bases de uma nova nação.
Um decreto real para produzir ferro e armas
A criação da fábrica foi uma decisão estratégica. Ela nasceu de uma necessidade geopolítica. A Corte portuguesa veio para o Brasil em 1808, fugindo de Napoleão. A colônia virou sede do império. Com isso, precisava de autonomia militar.
Um dos primeiros atos de D. João VI foi revogar a lei que proibia manufaturas no Brasil. A fundação da fábrica em 1810 foi uma consequência direta. O objetivo principal era produzir ferro para canhões e armamentos. A soberania do império dependia dessa produção. O local escolhido, o Morro de Araçoiaba, já era conhecido por seus ricos depósitos de minério de ferro (magnetita).
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A tecnologia para forjar o ferro
Com certeza. Aqui estão os trechos com as principais informações destacadas em negrito:
A operação da fábrica foi um palco de inovações e frustrações. A gestão inicial, do sueco Carl Hedberg, falhou em cumprir as ambiciosas metas de produção, que eram de 480 a 600 toneladas de ferro anuais.
A virada técnica veio com o engenheiro militar de origem alemã Friedrich Wilhelm von Varnhagen. Ele construiu os icônicos altos-fornos geminados. Em 1º de novembro de 1818, um marco histórico ocorreu: o primeiro ferro gusa produzido em altos-fornos no Brasil escorreu das fornalhas.
Apesar do avanço, a produção real nunca ultrapassou 30 toneladas por ano, uma fração da meta projetada. Um dos picos técnicos foi a fabricação de canhões de ferro fundido. O processo era complexo, exigindo a perfuração precisa de um buraco de 10 cm de diâmetro em uma peça maciça de 600 kg de ferro.
Trabalho europeu e mão de obra escravizada
A fábrica era uma micro-sociedade industrial. Sua estrutura era rigidamente hierarquizada. No topo, estavam os engenheiros e mestres de ofício europeus, com altos salários. Na base, estava a vasta mão de obra forçada, composta por escravizados de origem africana.
Eles realizavam as tarefas mais árduas e perigosas. Isso incluía a extração do minério de ferro, o corte de lenha e o trabalho pesado nos fornos. A operação da fábrica dependia intrinsecamente do trabalho escravo.
Uma curiosidade revela os contrastes do local: em 1811, foi criado ali o primeiro cemitério protestante do Brasil. Ele foi estabelecido para sepultar os trabalhadores luteranos vindos da Suécia, que não podiam ser enterrados em solo católico.
Do auge ao encerramento em 1895
O fim da fábrica não foi súbito. Foi um longo processo de declínio que durou mais de sete décadas. Houve ciclos de abandono e tentativas de reanimação, como durante a Guerra do Paraguai, quando a demanda por armas aumentou.
Os problemas estruturais, porém, nunca foram resolvidos. O transporte era caro e ineficiente. Mesmo com a construção de uma ferrovia, o custo do frete permanecia proibitivo. Isso tornava o ferro de Ipanema mais caro que o produto similar importado da Europa.
Em agosto de 1895, após 85 anos de luta e com uma dívida acumulada de 750 contos de réis, a fábrica encerrou definitivamente suas atividades.
Por que Ipanema importa e como visitar hoje o legado do ferro
O apelido “mãe das indústrias” não vem do sucesso comercial, mas de seu legado. A fábrica catalisou a modernização em outros setores da economia.
Ela produziu cerca de 200 engenhos de ferro para a indústria do açúcar, mais eficientes que os de madeira. Forneceu barras de ferro laminado para as primeiras ferrovias. Foi pioneira na produção de artefatos de ferro que mudaram a vida doméstica, como panelas e chapas para fogões.
Hoje, as ruínas são um monumento histórico dentro da Floresta Nacional de Ipanema (Flona de Ipanema), gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).